segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

85 - A questão da subjetividade ou da objetividade do ato de avaliar a aprendizagem dos aprendizes



Cipriano Luckesi


Usualmente, em nosso cotidiano, seguindo o senso comum, dizemos que toda avaliação é subjetiva. Acredito que vale a pena um cuidado epistemológico com essa compreensão.

Todo juízo, que atribui qualidade a alguma coisa, pessoa, situação, projeto de ação..., tem por base um parâmetro.

Um juízo de qualidade não é “substantivo”, ou seja, ele não descreve a realidade, não lhe atribui “ser”; ele é “adjetivo”, isto é, atribui uma qualidade à realidade, tendo por base um parâmetro.

A qualidade, por si, epistemologicamente, não existe; ela expressa uma atribuição feita por um sujeito a alguma realidade, através de sua comparação com um parâmetro. Por exemplo, o que existe é “uma mulher”, todavia considerar que ela possui a “qualidade de bonita” dependerá da comparação de suas características com um padrão que se considere de beleza. O mesmo ocorre com valores morais, religiosos, de sabor, da aprendizagem, e tudo o mais... (ver "OBS" ao final desse texto)

A qualidade atribuída a alguma realidade pode se expressar também de forma coletiva, como, por exemplo, um “valor” atribuído por uma comunidade a uma determinada realidade; no caso, uma atribuição de qualidade que, ao longo de um tempo, se tornou coletiva.

Então, para que haja uma prática avaliativa, há que se ter um parâmetro de qualidade, ao qual a realidade é comparada, tendo em vista afirmar sua qualidade frente a esse determinado parâmetro. Ele pode ser subjetivo, mas, sem ele não haverá avaliação.

Se subjetivo, terá a validade do padrão subjetivo de quem atribui a qualidade com base em seu parâmetro pessoal, interno. Essa avaliação poderá ter validade ou ser questionada? Claro que sim, pois que o parâmetro é subjetivo, pertence a quem produz o juízo qualitativo. Nesse fundamento está o pedido que fazemos aos nossos interlocutores, quando solicitamos que expressem os critérios que utilizam para afirmar a qualidade que atribuem a uma determinada realidade. Ou seja, solicitamos o parâmetro de qualificação.

Que parâmetro de qualidade um determinado sujeito utilizou para proceder a determinado juízo de qualidade? Todos poderemos discordar do critério; ou concordar com ele. O que importa é que ele--- subjetivo ou objetivo --- está na base da qualificação e necessitamos de saber qual é esse critério.

Importa ter clareza que, constitutivamente, não há juízo de qualidade sem algum parâmetro, desde que a qualidade não é “substantiva”, mas “adjetiva”, isto é, não existe por si, mas como atribuição a algo existente, como sinalizamos acima.

Os currículos escolares estabelecem um parâmetro objetivo que serve de base, em primeiro lugar, para a atividade de ensinar e, subsequentemente, para o ato de avaliar, que, por si estará a serviço do ensino, sinalizando se ele já atingiu a qualidade esperada ou se há necessidade de mais investimento para se chegar ao que se deseja.

 Um currículo escolar descreve o que se vai ensinar e o que o estudante deve aprender. Então, ele, ao lado de configurar o que deve ser ensinado, estabelece base, o parâmetro, para a atribuição de qualidade ao desempenho dos aprendizes.

Em alguns campos de conhecimento, como no campo da arte, poder-se-á dizer que a ela é puramente subjetiva. Nem tanto. Há possibilidade de se aquilatar o uso de formas e cores, contrastes, degradês, claro/escuro; cinzas, preto/branco, expressões expressivas da realidade, cópias da realidade... O mesmo poder-se-á dizer a atividade de ensinar e aprender a atividade teatral ou em relação a qualquer das áreas artísticas. Importa estar ciente de que todas elas têm bases na realidade.

Contudo, importa ter presente que o mesmo ocorre nas áreas científicas e tecnológicas. Existem parâmetros do que se considera válido ou não válido, numa determinada altura histórica e cultural, que, por si, comporão os currículos escolares, com a mesma função de orientar tanto o ensino quanto a avaliação.

Um professor, sendo o adulto da relação pedagógica (aquele que já fez o caminho) pode ajudar o aprendiz a ver de forma diferente aquilo que conseguiu produzir com tal aprendizagem até o momento em que está ocorrendo a prática avaliativa, incidente sobre o resultado do seu desempenho.

Por si, a função da avaliação não é aprovar ou reprovar --- funções dos exames --- que, indevidamente, temos atribuído à avaliação; a função da avaliação é diagnosticar, o que possibilita “confrontar” o educando --- fato que implica em acolher e sinalizar ao educando, se necessário novas possibilidades ---, ato diferente de “antagonizar”, que, no caso, significa julgar e excluir.

Quem julga coloca-se “de fora” de um processo, um educador, para praticar a avaliação, necessita colocar-se “de dentro” da situação. Ele, na prática do ensino, não é juiz que julga, condena ou absolve. É um parceiro de jornada na construção de uma aprendizagem.  No seu caminhar pela vida, o educador aprendeu, ou seja, recebeu de outros o que sabe; agora, é sua vez de ensinar, isto é, distribuir o que aprendeu para o seu bem e dos outros. Bert Hellinger, um psicoterapeuta alemão, diz que a forma de agradecer o que recebemos é distribuir.

É nesse contexto que o ato de avaliar, que é um ato de investigar a qualidade da realidade, implica em ter:

(01) um objeto de avaliação (o que se vai avaliar, com a variáveis que o caracterizam; que no caso do ensino devem estar explícitas nos currículos e nos planos de ensino);

(02) uma coleta de dados, que tem presente as variáveis definidas nos currículos e planos de ensino orientado o que se deve ensinar e o que deve ser aprendido;

(03) comparar a descritiva, obtida pela coleta de dados, com o parâmetro de satisfatoriedade, estabelecido nos currículos e nos planos de ensino;

(04) caso a aprendizagem já seja satisfatória, ótimo; caso seja insatisfatória, ensinar de novo um determinado conteúdo até que o educando aprenda.



Essa consideração tem sua base no fato de que o único e fundamental objetivo de uma escola é que o educando aprenda e, consequentemente, se desenvolva. Tudo o mais é condição para que o ensino e aprendizagem sejam satisfatórios.

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OBS - Se o leitor desejar compreender epistemologicamente a forma de se manifestar dos valores, e, consequentemente, da qualidade, poderá ver o texto de minha autoria, que está publicado em INEP/Série Documental/Textos para Discussão, com o título “Educação, avaliação qualitativa e inovação”, onde se encontram, de um lado, uma abordagem da qualidade, e, de outro, indicações de abordagens epistemológicas dos valores e, pois, da qualidade, realizadas por filósofos variados.








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