Cipriano Luckesi
Usualmente, em nosso cotidiano, seguindo
o senso comum, dizemos que toda avaliação é subjetiva. Acredito que vale a pena
um cuidado epistemológico com essa compreensão.
Todo juízo, que atribui qualidade a
alguma coisa, pessoa, situação, projeto de ação..., tem por base um parâmetro.
Um juízo de qualidade não é “substantivo”,
ou seja, ele não descreve a realidade, não lhe atribui “ser”; ele é “adjetivo”,
isto é, atribui uma qualidade à realidade, tendo por base um parâmetro.
A qualidade, por si, epistemologicamente,
não existe; ela expressa uma atribuição feita por um sujeito a alguma realidade,
através de sua comparação com um parâmetro. Por exemplo, o que existe é “uma
mulher”, todavia considerar que ela possui a “qualidade de bonita” dependerá da
comparação de suas características com um padrão que se considere de beleza. O
mesmo ocorre com valores morais, religiosos, de sabor, da aprendizagem, e tudo
o mais... (ver "OBS" ao final desse texto)
A qualidade atribuída a alguma
realidade pode se expressar também de forma coletiva,
como, por exemplo, um “valor” atribuído por uma comunidade a uma determinada realidade;
no caso, uma atribuição de qualidade que, ao longo de um tempo, se tornou
coletiva.
Então, para que haja uma prática
avaliativa, há que se ter um parâmetro de qualidade, ao qual a realidade é
comparada, tendo em vista afirmar sua qualidade frente a esse determinado parâmetro.
Ele pode ser subjetivo, mas, sem ele não haverá avaliação.
Se subjetivo, terá a validade do
padrão subjetivo de quem atribui a qualidade com base em seu parâmetro pessoal,
interno. Essa avaliação poderá ter validade ou ser questionada? Claro que sim,
pois que o parâmetro é subjetivo, pertence a quem produz o juízo qualitativo.
Nesse fundamento está o pedido que fazemos aos nossos interlocutores, quando
solicitamos que expressem os critérios que utilizam para afirmar a qualidade
que atribuem a uma determinada realidade. Ou seja, solicitamos o parâmetro de
qualificação.
Que parâmetro de qualidade um determinado
sujeito utilizou para proceder a determinado juízo de qualidade? Todos
poderemos discordar do critério; ou concordar com ele. O que importa é que
ele--- subjetivo ou objetivo --- está na base da qualificação e necessitamos de
saber qual é esse critério.
Importa ter clareza que,
constitutivamente, não há juízo de qualidade sem algum parâmetro, desde que a
qualidade não é “substantiva”, mas “adjetiva”, isto é, não existe por si, mas
como atribuição a algo existente, como sinalizamos acima.
Os currículos escolares estabelecem
um parâmetro objetivo que serve de base, em primeiro lugar, para a atividade de
ensinar e, subsequentemente, para o ato de avaliar, que, por si estará a
serviço do ensino, sinalizando se ele já atingiu a qualidade esperada ou se há
necessidade de mais investimento para se chegar ao que se deseja.
Um currículo escolar descreve o que se vai
ensinar e o que o estudante deve aprender. Então, ele, ao lado de configurar o
que deve ser ensinado, estabelece base, o parâmetro, para a atribuição de
qualidade ao desempenho dos aprendizes.
Em alguns campos de conhecimento,
como no campo da arte, poder-se-á dizer que a ela é puramente subjetiva. Nem
tanto. Há possibilidade de se aquilatar o uso de formas e cores, contrastes,
degradês, claro/escuro; cinzas, preto/branco, expressões expressivas da realidade,
cópias da realidade... O mesmo poder-se-á dizer a atividade de ensinar e
aprender a atividade teatral ou em relação a qualquer das áreas artísticas. Importa
estar ciente de que todas elas têm bases na realidade.
Contudo, importa ter presente que o
mesmo ocorre nas áreas científicas e tecnológicas. Existem parâmetros do que se
considera válido ou não válido, numa determinada altura histórica e cultural, que,
por si, comporão os currículos escolares, com a mesma função de orientar tanto
o ensino quanto a avaliação.
Um professor, sendo o adulto da
relação pedagógica (aquele que já fez o caminho) pode ajudar o aprendiz a ver
de forma diferente aquilo que conseguiu produzir com tal aprendizagem até o
momento em que está ocorrendo a prática avaliativa, incidente sobre o resultado
do seu desempenho.
Por si, a função da avaliação não é
aprovar ou reprovar --- funções dos exames --- que, indevidamente, temos
atribuído à avaliação; a função da avaliação é diagnosticar, o que possibilita
“confrontar” o educando --- fato que implica em acolher e sinalizar ao
educando, se necessário novas possibilidades ---, ato diferente de
“antagonizar”, que, no caso, significa julgar e excluir.
Quem julga coloca-se “de fora” de um
processo, um educador, para praticar a avaliação, necessita colocar-se “de
dentro” da situação. Ele, na prática do ensino, não é juiz que julga, condena ou
absolve. É um parceiro de jornada na construção de uma aprendizagem. No seu caminhar pela vida, o educador aprendeu,
ou seja, recebeu de outros o que sabe; agora, é sua vez de ensinar, isto é, distribuir
o que aprendeu para o seu bem e dos outros. Bert Hellinger, um psicoterapeuta alemão,
diz que a forma de agradecer o que recebemos é distribuir.
É nesse contexto que o ato de avaliar,
que é um ato de investigar a qualidade da realidade, implica em ter:
(01) um objeto de avaliação (o que se
vai avaliar, com a variáveis que o caracterizam; que no caso do ensino devem
estar explícitas nos currículos e nos planos de ensino);
(02) uma coleta de dados, que tem presente
as variáveis definidas nos currículos e planos de ensino orientado o que se
deve ensinar e o que deve ser aprendido;
(03) comparar a descritiva, obtida pela
coleta de dados, com o parâmetro de satisfatoriedade,
estabelecido nos currículos e nos planos de ensino;
(04) caso a aprendizagem já seja
satisfatória, ótimo; caso seja insatisfatória, ensinar de novo um determinado
conteúdo até que o educando aprenda.
Essa consideração tem sua base no
fato de que o único e fundamental objetivo de uma escola é que o educando
aprenda e, consequentemente, se desenvolva. Tudo o mais é condição para que o
ensino e aprendizagem sejam satisfatórios.
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OBS - Se o leitor desejar compreender epistemologicamente a forma de se manifestar dos valores, e, consequentemente, da qualidade, poderá ver o texto de minha autoria, que está publicado em INEP/Série Documental/Textos para Discussão, com o título “Educação, avaliação qualitativa e inovação”, onde se encontram, de um lado, uma abordagem da qualidade, e, de outro, indicações de abordagens epistemológicas dos valores e, pois, da qualidade, realizadas por filósofos variados.
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OBS - Se o leitor desejar compreender epistemologicamente a forma de se manifestar dos valores, e, consequentemente, da qualidade, poderá ver o texto de minha autoria, que está publicado em INEP/Série Documental/Textos para Discussão, com o título “Educação, avaliação qualitativa e inovação”, onde se encontram, de um lado, uma abordagem da qualidade, e, de outro, indicações de abordagens epistemológicas dos valores e, pois, da qualidade, realizadas por filósofos variados.
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