Cipriano Luckesi
Contato --- ccluckesi@gmail.com
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01. O SENSO COMUM: o que “parece” ser o ato de
avaliar
Ao usar a
expressão “avaliação da aprendizagem”, pelo senso comum que construímos a
respeito dessa atividade pedagógica no seio da escola, de imediato, emerge em
nossas mentes: “provas”, “testes”, “notas”, “média de notas”, “aprovação”,
“reprovação”, que “estudantes já não estudam mais como antigamente”, “no meu
tempo, que era difícil, agora....” e, por aí se vai. Nossa mente está eivada
dessas expressões que salta à nossa frente quando utilizamos ou ouvimos a
referida expressão.
02. O SENSO CRÍTICO: o que “é” o ato de avaliar
Todavia, nenhuma
dessas expressões tem a ver, direta e essencialmente, com avaliação da
aprendizagem. Essas imagens que nos vem à mente, quando ouvimos, lemos ou
utilizamos a expressão “avaliação da aprendizagem”, podem ter, e certamente
tem, alguma relação com avaliação da aprendizagem, mas não a define nem a configura
em seu papel válido e necessário nos procedimentos avaliativos do desempenho do
estudante.
As imagens e
ideias, acima citadas, sobre avaliação da aprendizagem emergem intempestivamente
em nossa consciência, como se fossem a última expressão de validade no que se
refere ao ato pedagógico de avaliar o desempenho dos estudantes em sua
aprendizagem. No entanto, toda a fenomenologia, atrelada a essas expressões,
não expressam, de forma alguma, o conceito epistemológico e válido do que é
avaliar.
Elas são
expressões que, ao longo do tempo --- pelo menos com a duração dos cinco
séculos de existência da educação escolar, como a conhecemos hoje --- ganharam
foros de validade e, por isso, de expressão do que praticamos ou do que devemos
praticar na condição de educadores escolares.
Avaliar significa
tão somente “investigar a qualidade da realidade”. A ciência, como
investigação, busca revelar “como a realidade funciona”; a avaliação, também
como investigação, busca revelar a “qualidade da realidade”. Ambas necessitam
de dados descritivos da realidade, que garantam a validade e a sustentação de suas
revelações, assim como ambas fazem uma leitura da realidade, uma sob o foco do
seu funcionamento e a outra sob o foco de sua qualidade.
Em nenhuma dessas
atividades investigativas, a opinião emocional e valorativa pode garantir a efetiva
validade de sua revelação. Como ambas são investigações, elas sustentam-se em
dados que descrevam, seja o funcionamento da realidade (ciência), seja a base
para que se possa atribuir qualidade à realidade (avaliação); ambas, pois,
assentadas sobre as características da própria realidade.
Os resultados da
ciência subsidiam as proposições e encaminhamentos de tecnologias que possam
garantir melhores, mais adequadas e mais saudáveis formas de cuidar da vida. Os
resultados da investigação avaliativa, por sua vez, subsidiam novas e mais
adequadas decisões tendo em vista conquistar resultados satisfatórios em
decorrência dos investimentos da ação humana.
O ato de avaliar
é, desse modo, um ato de diagnosticar a realidade, do ponto de vista
qualitativo, e, dessa forma, subsidiar novas e adequadas decisões, tendo em
vista atingir resultados necessários e desejados.
Aplicando essa
compreensão à avaliação da aprendizagem, pode-se facilmente compreender o ato
de avaliar a aprendizagem dos estudantes, para ser efetivamente avaliação, deve
estar comprometida com (01) dados da realidade e, em segundo lugar, como
investiga a qualidade da realidade, (02) necessita proceder uma comparação da
realidade descrita com um critério de qualidade, considerado como válido, no
contexto do fenômeno em torno do qual está ocorrendo a avaliação.
No caso do
ensino-aprendizagem na escola, esse critério de qualidade está configurado no
currículo escolar, no projeto pedagógico da escola, assim como no plano de aula
do professor. Eles determinam o que e como ensinar, a fim de que a aprendizagem
se dê de modo satisfatório.
De fato, do ponto
de vista da avaliação da aprendizagem, um educador escolar necessita
diagnosticar (= conhecer através de dados) se o seu educando aprendeu aquilo
que devia aprender e com que qualidade; informação que só o ato avaliativo pode
oferecer. Com esse dado em mãos, pode tomar decisões do que fazer: (01) em caso
de identificar o não atendimento dos objetivos desejados, retomar o ensino de
um conteúdo até que todos os estudantes manifestem ter aprendido (= não se
esquecer que o objetivo da escola é ensinar para que “todos” aprendam); (02)
prosseguir, mesmo que os estudantes não tenham aprendido (= abrindo mão do
objetivo da escola, baseada no “ensino simultâneo” de que todos aprendam o
necessário). Não é a avaliação que decide; quem decide é o educador que avalia.
A avaliação somente subsidia sua decisão.
Sem essa
compreensão crítica, consistente, o entendimento da avaliação retorna ao senso
comum, tratando a avaliação com base em informações paralelas, que efetivamente,
em essência, não tratam da avaliação da aprendizagem.
03. COMO AS
EXPRESSÕES DO SENSO COMUM PODEM SER COMPREENDIDAS PELO SENSO CRÍTICO
Retomemos as
expressões citadas no início deste texto frente à compreensão epistemologicamente
válida do ato de avaliar: “provas”, “testes”, “notas”, “média de notas”,
“aprovação”, “reprovação”, que “estudantes já não estudam mais como
antigamente”, “no meu tempo, que era difícil, agora....”
PROVAS
é uma denominação usada comumente, através do tempo, chegando hoje a ser
confundida com o ato de avaliar na vida escolar, mesmo porque a ideia de
avaliação emergiu nos anos 1930, com Ralph Tyler, nos Estados Unidos e a ideia
de provas emergiu já a partir do século XVI, com as denominadas pedagogias
tradicionais.
De fato, as
“provas” são somente um recurso de “coleta de dados” sobre desempenho do
estudante, se elaboradas e utilizadas com essa intenção.
No contexto desse
entendimento crítico, as “provas” perderão a conotação comum e presente no
cotidiano da vida escolar de que elas avaliam; e, então, se o desejarmos, poderemos
continuar a nos servir dessa denominação, porém cientes de as “provas” compõem exclusivamente
um recurso técnico de coleta de dados sobre o desempenho do estudante, tendo em
vista subsidiar a prática da avaliação, que é a “qualificação da realidade”,
com base nesses dados coletados e comparados a um padrão desejado de
desempenho.
TESTES,
por si, não expressam o ato de avaliar. Simplesmente são recursos técnicos de
coleta de dados, com a mesma função indicada no item anterior para as provas.
Os dados coletados sobre o desempenho dos estudantes pelos testes subsidiam o
ato avaliativo, que é a atribuição de qualidade à realidade, com base em suas
características de realidade.
NOTAS não são dados reais a respeito do
desempenho conquistado pelos estudantes, como assumidas pelo senso comum. Elas
expressam formas de “registros” da qualidade do desempenho do estudante. As
notas “representam simbolicamente o testemunho dos educadores de que eles
ensinaram e os estudantes aprenderam aquilo que deveriam aprender”.
Nota 10 (dez) não
representa uma quantidade 10 de conhecimentos; simplesmente representa que o
estudante “aprendeu brilhantemente” aquilo que lhe fora ensinado; nota 8 (oito)
pode, por exemplo, representar a qualidade do estudante que aprendeu o
necessário que deveria aprender. Os registros dependem de convenções assumidas
como expressão de alguma coisa. No caso, elas “representam” a qualidade;
contudo não são a qualidade da realidade.
MÉDIA DE NOTAS. Notas escolares
representam a “qualidade” e não a “quantidade” das aprendizagens por parte dos
estudantes. As médias entre notas escolares expressam uma distorção
epistemológica, ou seja, não cabe proceder média entre notas escolares, desde
que elas não expressam a “quantidade” da realidade da aprendizagem dos
estudantes, mas sim sua “qualidade”.
Tendo em vista
perceber claramente essa distorção, basta uma simulação. Vamos supor que a um
estudante, matriculado nas séries iniciais do Ensino fundamental, foi ensinado
o “raciocínio e as práticas aditivas” e ele obteve a nota 10 (dez) no conteúdo
“adição” com base em seu desempenho, desde que aprendeu brilhantemente a
adicionar; contudo na aprendizagem da “subtração”, ele teve um desempenho
insatisfatório e obteve a nota 2 (dois).
Na média (10+2 =
12 e 12/2 = 6), ele está aprovado, desde que sua “média” é superior à nota 5
(cinco), usualmente assumida em nossas escolas como padrão de promoção.
Todavia, a “média de notas”, do ponto de vista da “realidade da aprendizagem”
não representa aquilo que efetivamente o estudante aprendeu. Na situação
citada, ele só aprendeu adição, não aprendeu subtração, mas está aprovado
“tanto em adição como em subtração”, com base na média de notas. As notas
simplesmente são símbolos numéricos que registram a qualidade da aprendizagem
dos estudantes, por isso, não comportam médias. Ainda que histórica e
praticamente sejam utilizadas no cotidiano escolar, são indevidas.
Se alguém estiver
interessado na compreensão epistemológica das notas, assim como de suas
distorções, poderá consultar o livro que publiquei sobre essa temática, que se
intitula “Sobres notas escolares: distúrbios e possibilidades”, Cortez Editora,
São Paulo.
APROVAÇÃO/REPROVAÇÃO. Os conceitos de
aprovação/reprovação implicam que existe um “sujeito” (no caso, o educador, a
educadora) que, com base nos dados coletados sobre o desempenho dos estudantes
e da qualificação de seus desempenhos, toma a decisão de promovê-los de uma
série para a outra. Não são os atos praticados no processo avaliativo que
aprovam ou reprovam, mas sim o educador ou a educadora que, com base nos dados
da realidade de sua aprendizagem, decide aprova-los ou reprova-los.
Por muitas vezes,
os educadores assumem que são os recursos da prática avaliativa que
aprovam/reprovam os estudantes. De fato, a decisão de promoção, ou não, de um
ou de vários estudantes decorre do educador/a. No caso, os recursos subsidiam a
decisão; contudo, a decisão é do sujeito que educa.
Vale ainda
observar que nós educadores deveríamos investir em nossos educandos até que
eles manifestem as qualidades necessárias da aprendizagem nos conteúdos que
ensinamos (conhecimentos, habilidades e atitudes). Dessa forma, todos seriam
promovidos, característica própria do ensino simultâneo (todos aprendem), assim
como dos desejos filosóficos da educação escolar a serviço da equalização
social, ou seja, se todos aprendem igualmente o necessário, todos têm condições
de buscar o seu lugar ao sol. Nesse caso, o registro do testemunho do educador
que ele ensinou e todos aprenderam aquilo que deveriam ter aprendido poderá
ocorrer por qualquer símbolo, inclusive pelo registro numérico, desde que ele
não estará representando a quantidade, mas sim a qualidade da aprendizagem dos
estudantes.
OS ESTUDANTES JÁ NÃO ESTUDAM MAIS COMO
ANTIGAMENTE. Estudam e estudarão, se efetivamente, nós educadores formos os
“seus líderes” em sua aprendizagem. Se nossos olhos brilharem por aquilo que
fazemos, os olhos de nossos estudantes brilharão por sua aprendizagem. Caso,
nossos olhos não brilhem por aquilo que fazemos, como os olhos dos nossos
estudantes brilharão por sua aprendizagem? Não. Não poderão ter olhos
brilhantes por aquilo que seus líderes não o tem.
NO MEU TEMPO, QUE ERA DIFÍCIL, AGORA... No passado, como no presente, nada terá a
característica de “difícil”, do ponto de vista da aprendizagem, caso o ensino
seja praticado com competência metodológica e qualidade positiva. Ou seja, o
educador necessita assumir a atitude de que seu “estudante vai aprender aquilo
que ensinar”, desde que, para isso, estará investindo o melhor de si,
metodologicamente, confiante de que ele pode e deve aprender. E, caso anão
tenha aprendido “ainda”, investirá de novo, e investirá de novo, e investirá de
novo, até que o estudante aprenda.
Nossos estudantes
são saudáveis e, por isso, para aprenderem, necessitam de efetivos cuidados por
parte de nós educadores, tendo como pano de fundo: (01) a filosofia da educação
(= todos aprenderão aquilo que for ensinado, segundo a idade e desenvolvimento
do estudante), (02) o currículo (conteúdo a
ser ensinado), (03) ciências da educação, em especial a neurologia, que
nos ensina que nosso sistema nervoso é plástico e que, através da ação de
ensinar-aprender, de modo ativo, cria todos os circuitos possíveis de
aprendizagens, que serão utilizados em desempenhos do presente e do futuro.
04. DO SENSO COMUM AO
SENSO CRÍTICO
Agora, que vimos
que os conceitos, circulantes em nosso meio pedagógico, com base no senso
comum, estão dissonantes em relação ao conceito, epistemologicamente válido,
sobre avaliação, podemos dar mais um passo nesse estudo.
Como vimos,
nenhum desses conceitos emergentes do senso comum respondem às delimitações
epistemológicas do que é o ato de avaliar. Eles tangenciam o que é o ato de
avaliar e atuam por junção lógica, isto é, parecem tratar da avaliação, mas não
tratam dela; tratam de conceitos e práticas parecidas, parciais e até mesmo de
forma negativa.
Desse modo, se desejamos
atuar com avaliação no campo da aprendizagem de nossos estudantes em nossas
escolas, necessitaremos:
01.
ter claro que (a) o currículo nacional, (b)
traduzido em plano pedagógico da escola, e, subsequentemente, (c) traduzido em
plano de ensino para a sala de aula, é o parâmetro da qualidade tanto do
ensino, como da aprendizagem dos estudantes, ou seja, ensina-se e aprende-se
aquilo que está definido curricularmente;
02.
assumir que a prática do ensino é uma ação
planejada e executada, com o máximo de competência e com o máximo de rigor
metodológico, garantindo a aprendizagem satisfatória para todos os estudantes,
não somente para um ou outro; para todos;
03.
compreender e praticar a avaliação da
aprendizagem como um recurso subsidiário das decisões do educador em sua
atuação a favor de um ensino competente e metodologicamente rigoroso, de tal
forma de todos os estudantes cheguem à meta de aprender aquilo que é necessário
que aprendam, de forma compatível com o currículo, sua idade e desenvolvimento;
04.
compreender que, para cumprir o definido no item
anterior, a avaliação necessita ser praticada, com as configurações do seu conceito epistemológico, ou seja, de
que é um ato de investigar a qualidade da realidade, servindo-se de rigorosos
métodos de coleta de dados sobre o desempenho dos estudantes. A qualificação da
realidade do desempenho do estudante dá-se através da comparação entre a
realidade descrita e seu padrão de qualidade, isto é, seu padrão de
satisfatoriedade (= padrão do currículo estabelecido e assumido);
05.
compreender que a avaliação necessita ser
praticada continuamente como um recurso de acompanhamento dos resultados da
ação pedagógica do professor em sala de aula (= à medida que a ação pedagógica
é continua, a avaliação, que a subsidia, também o é). Nesse contexto, a avaliação
subsidia o educador a decidir se deve investir mais neste ou naquele conteúdo a
ser aprendido, neste ou naquele estudante, ou em todos, de tal forma que todos
aprendam o necessário.
Como consequência
dessa forma de conduzir na prática pedagógica e do uso dos recursos da avaliação
da aprendizagem, todos os estudantes terão aprendido o necessário, através de
uma construção cotidiana, produzida pela interação entre educador e educandos.
Essa compreensão
do ato de ensinar e de avaliar necessita ser administrada cotidianamente, todos
os dias. Não se pode esperar um final de mês, de bimestre, de trimestre, de
semestre ou de ano letivo, para intervir e corrigir desvios. Essa é uma conduta
necessária em todos os dias, em todos os momentos da atividade pedagógica.
Afinal, aprende-se pela atividade orientada.
1. SÃO CARACTERÍSTICAS DE UMA AVALIAÇÃO PRATICADA COM BASE NO SENSO CRÍTICO: (0,15)
ResponderExcluirA) Uma coleta de dados feita de modo espontâneo, de acordo com um conjunto de variáveis selecionadas para esse fim.
B) Uma cuidadosa e rigorosa coleta de dados, que fundamente uma descrição consistente da situação avaliada.
C) O uso de instrumento de coleta de dados que sejam metodologicamente estruturados para o objeto avaliado.
D) Todas as afirmativas estão corretas.
E) Estão corretas apenas as afirmativas B e C.