Cipriano Luckesi
Contato --- ccluckesi@gmail.com
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Recentemente
participei de um evento, cujo tema a ser abordado era a pergunta: “Para quê avaliar?” A resposta veio-me de imediato: “Para produzir resultado satisfatório
da ação que estivermos a realizar”.
De
fato, é esse o objetivo a ser alcançado ao se praticar atos avaliativos no
decurso de uma ação. O ato de avaliar é um “ato de investigar a qualidade da
realidade”, fato que implica que caberá ao gestor da ação decidir o uso que
fará dos resultados desse ato investigativo. A avaliação, como ato investigativo,
“revela” a qualidade da realidade; cabe ao gestor decidir como usará esse
resultado.
Isso
ocorre sempre que um ato avaliativo é praticado, seja na natureza, seja nas
decisões pedagógicas ou administrativas, seja na vida em geral. A vida aposta
no sucesso da ação, mas, para chegar nele, necessita prosseguir tomando ciência
da qualidade daquilo que já produziu e, se necessário, decidindo como
prosseguir: “já atingi um nível satisfatório com a ação, que estou executando”?
Se sim, ok. Se não, que investimento novo irei fazer para atingir esse nível de
resultado?
Nosso
sistema nervoso opera dessa forma. Está em constante processo de investigação
do estado de nossa temperatura, nossos hormônios, nosso sangue, nossa
respiração... e, constantemente, nosso centro cerebral autônomo --- sem mesmo
estarmos cientes de que decisões está tomando --- as realiza em busca
restabelecer o equilíbrio de nosso organismo, quando seu sistema avaliativo
revela algum desequilíbrio em nosso organismo.
Para
nosso centro cerebral de decisões, sempre haveria equilíbrio; contudo, ocorre
que, psicologicamente, tomamos decisões no dia a dia que nem sempre nosso
centro cerebral consegue redirecionar ações necessárias para produzir o
equilíbrio. Afinal, somos bem teimosinhos. Mas... ele tenta. Quando não
consegue, produzimos pequenos desvios, tais como dor de cabeça, enxaqueca,
alguma dormência, ou, por vezes, grandes desvios... O nosso cérebro, através de
seu segmento autônomo, serve-se de um sistema autoregulativo, investigando a
qualidade de tudo aquilo que ocorre em nosso corpo e, imediatamente, corrigindo
desequilíbrios, sempre que possível. Um perfeito centro de avaliação e de
tomada de decisões em busca da satisfatoriedade.
Por
outro lado, vale observar que, no cotidiano, todos os seres humanos, como todos
os outros seres vivos, “apostam no sucesso de sua ação”, sejam quais forem
essas ações, e, em função disso, todos os atos avaliativos inconscientes ou
conscientes, tendem a dar-lhes suporte para que consigam atingir os resultados
desejados. Ninguém de nós, em nossa ação, deseja e/ou investe num resultado
negativo. A vida e nós também desejamos sempre o sucesso. Agimos para obter
sucesso em nossa ação, ainda que possamos não atingí-lo.
Os
esclarecimentos acima referem-se ao uso natural do ato avaliativo. Contudo, no
que se refere ao uso dos resultados do ato avaliativo pelo ser humano em suas
ações, o que pode acontecer?
Nesse
caso, são dois os usos possíveis dos resultados do ato avaliativo, que podem
ser deliberadamente escolhidos pelo gestor da ação, que, no caso, pode ser uma
ação que gera resultados para si mesmo (individuais) ou que gera resultados
para um coletivo. Numa escola, como instituição, tanto importa investir nos
resultados individuais (a aprendizagem dos estudantes), como nos resultados coletivos
(o desempenho da escola como instituição).
Um
dos usos possíveis dos resultados do ato avaliativo é o “uso classificatório”,
que ocorre da seguinte maneira: com os resultados a respeito da “qualidade da
realidade”, revelada pelo ato avaliativo, o gestor da ação, tendo presente uma
“escala de qualidades”, decide classificar essa realidade em algum grau de uma
escala de qualidades, que varia da mais positiva para a menos positiva. Esse
uso classificatório dos resultados do ato avaliativo considera que esse objeto
do ato avaliativo está plenamente construído com as características que está
apresentando aqui e agora. Assume-se que esse objeto está pleno, inteiro, pronto.
Então, só resta classificá-lo com base nos resultados de um ato avaliativo.
O
outro uso possível dos resultados do ato avaliativo é o seu “uso diagnóstico”.
O que significa isso? Ao invés de nos perguntarmos “em que lugar de uma escala
de qualidades classifico este objeto de investigação”, pergunto, “essa
qualidade revelada por essa realidade já é satisfatória”?
Caso
a resposta seja positiva, não há necessidade de investir mais na busca da
satisfatoriedade, desde que ela já fora atingida; mas, caso a realidade,
através do ato avaliativo, não apresente a qualidade desejada e necessária,
pode-se decidir investir mais e mais na busca do atendimento da
satisfatoriedade desejada; como também, pode-se decidir “deixar as coisas como
estão”, uma decisão nada saudável.
O
uso classificatório da qualidade da realidade encerra a possibilidade da ação,
desde que está aquilo que está sendo avaliado é classificado; mas, o uso
diagnóstico sempre possibilita novos investimentos na busca da satisfatoriedade
desejada, caso esse efetivamente seja o desejo e a decisão do gestor da ação.
Diante
dessas considerações, vale à pena ver que, na história da educação, esses dois
usos dos resultados do ato avaliativo sempre estiveram, de alguma forma,
presentes, sabendo, porém, que predominou e tem predominado, em última
instância, quase que de forma exclusiva, o uso classificatório.
Na
pedagogia jesuítica, portanto, do lado católico, normatizada na obra “Ratio
Studiorum”, publicada em 1599, configuraram-se as duas modalidades de uso dos
resultados do ato avaliativo, acima discriminados.
De
um lado, o uso diagnóstico --- configurado na “Pauta do Professor” ---, recurso
que deveria ser utilizado pelo professor no decorrer do ano letivo, tendo em
vista acompanhar o andamento de cada estudante em sua dedicação aos estudos e
sua aprendizagem; e, de outro, o uso classificatório, praticado ao final de
cada ano letivo pela Banca Examinadora, que deveria classificar o estudante em
“promovido” ou “não-promovido” para a classe subsequente, tendo presente seu
desempenho dos exames, juntamente com as considerações registradas na “Pauta do
Professor”. Havia ainda a possibilidade de uma classificação em “médio”, que
era assumida como uma qualidade duvidosa, razão pela qual o estudante passava a
frequentar as aulas da classe subsequente sem ser matriculado nela; caso
suportasse suas exigências, permanecia nela; caso não suportasse, retornava à
classe anterior.
Com
o decorrer do tempo, praticamente, nos sistemas de ensino nos países do
ocidente em geral, sobreviveu quase com exclusividade o uso classificatório dos
resultados do ato avaliativo. A “Pauta do Professor”, como recurso de acompanhando
e auxilio ao estudante em sua aprendizagem, desapareceu. Permaneceram as provas
com características bem diversas do rigor metodológico necessário à uma
investigação avaliativa, como já sinalizei em diversas ocasiões neste blog,
assim como nos livros que já tornei público..
Do
lado protestante, John Amós Comênio, em sua obra “Didática magna”, também
insistiu na orientação de que a aprendizagem tivesse prioridade em todos os
atos do professor e da escola, contudo, não deixou de dar papel significativo
ao uso classificatório dos resultados do ato avaliativo, através dos exames
escolares, previstos na própria “Didática magna” (1632), como também na
normatização “Leis para a boa ordenação
da escola” (1657). Comênio investiu menos que a “Ratio Studiorum” no uso
classificatório dos resultados do ato avaliativo, porém, não deixou de dar-lhe
um papel na prática pedagógica.
Do
século XVI ao século XX, a orientação do uso classificatório dos resultados do
ato avaliativo foi predominante e crescente com o passar dos anos, chagando
quase que de modo exclusivo no seu uso em nossas escolas, até mesmo nos dias
correntes do presente.
Em
1930, um jovem educador norte-americano, Ralph Tyler, à época, com 28 anos de
idade, iniciou a apregoar a necessidade do “uso diagnóstico” dos resultados do
ato avaliativo, tendo em vista garantir o sucesso da prática de ensinar nas
escolas.
Sua
recomendação era: “ensine alguma coisa, diagnostique a qualidade da
aprendizagem efetuada; se a aprendizagem se manifestar satisfatória, siga em
frente; se for insatisfatória, ensine de novo”. Dessa forma, Tyler propunha o
“uso diagnóstico” dos resultados do ato avaliativo.
Da
data de suas proposições aos nossos dias, já se passaram quase noventa anos e,
ainda, estamos profundamente comprometidos com o “uso classificatório” dos
resultados da avaliação: “aprovado/reprovado”; “nota 10,0, nota 2,0, nota 5,0”
... e outras mais. Esse é o modelo que predomina em nossas escolas, de norte a
sul, de leste a oeste do país. Em outros países também, sendo que alguns já
conseguiram sistemicamente ultrapassar esse modelo, tais como Canadá,
Dinamarca, Finlândia e outros poucos.
O
convite deste texto é para integrar aquilo que a história já nos ensinou como
significativo para a efetividade saudável do ensino-aprendizagem em nossas
escolas, afim de que todos aprendam os conte4údos e condutas necessários,
estabelecidos em nossos currículos escolares. Mas, para além disso, até para
além do necessário, aprender a usar diagnosticamente os resultados dos atos
avaliativos em sala de aula, como subsídio para nossas decisões na perspectiva
de construir, junto aos nossos estudantes, ao mesmo tempo as aprendizagens necessárias
e, ao mesmo tempo, o desenvolvimento de suas capacidades criativas.
Então,
vamos lá. Vamos aprender e efetivamente praticar o “uso diagnóstico” dos
resultados do ato de avaliar no decurso de nossas aulas no andar do ano letivo,
tendo em vista que nossos estudantes aprendam o necessário, e, para além do
necessário, aprendam a ser criativos, responsáveis, de tal forma que possam
buscar no meio social a sua equalização. Todos têm direito a partilhar dos bens
sociais.
A
educação não é e nem será o “único” meio para os processos de equalização
social, sonhado e desejado por todos nós, contudo, com certeza, será um recurso
fundamental, que está em nossas mãos, de educadores, para nos servirmos dele da
forma mais significativa possível. Usar diagnosticamente os resultados do ato
avaliativo na prática do ensino-aprendizagem está em nossas mãos fazê-lo, que,
com certeza, subsidiará muitos e muitos resultados positivos, seja para a
escola como instituição, mas sobretudo para os estudantes, como cidadãos deste
imenso país.
Fica
aqui o convite a todos os educadores e educadoras de nossas escolas. Somos uma
força: em torno de 2.000.000 (dois milhões) de professores atuando na Educação
Básica, em 150.000 (cento e cinquenta mil) escolas, instaladas em nossos 5.500 (cinco
mil e quinhentos) municípios. Os números são grandes. Com eles, importa
reconhecer a força que temos em mãos.
O
convite está posto, basta decidirmos mudar os rumos de nosso modo de agir no
que se refere ao modo de nos servirmos dos resultados do ato avaliativo em
nossas atividades pedagógicas; fator que implica em decidir todos os dias, em
nossa vida profissional, de que nossa ação pedagógica fará diferença na vida de
cada um dos estudantes que tivermos em nossas salas de aula.
O
convite é para passarmos do uso classificatório para o uso diagnóstico dos resultados do ato avaliativo,
subsidiando nossos atos educativos engajados e comprometidos socialmente. Isso depende de
cada um de nós individualmente e de todos nós coletivamente. Temos em nossas
mãos uma força transformadora individual e socialmente. Qual a razão para não
nos servirmos dela? Usualmente, na quase totalidade das vezes, podemos ultrapassar
as dificuldades emergentes em nossas escolas e salas de aula, garantido que
cada estudante tenha os recursos necessários para “chegar à luz do sol”.
Gostaria de saber como fica nossa avaliação diagnostica, quando o aluno não tem a menor condição de seguir para a próxima fase ou série? Esta avaliação é validada de que forma neste caso?
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