Cipriano Luckesi
ccluckesi@gmail.com
Em minha última publicação neste Blog, sinalizei que três são os atos
cognitivos que se dão na vida de todos os seres humanos, por isso, são
universais. A respeito desse fato, expressei-me como se segue:
“Existem três condutas no ser humano que pertencem à sua natureza: (1)
conhecer factualmente a realidade, seu modo de ser e seu modo de funcionamento;
(2) conhecer a qualidade da realidade; (3) agir tendo por base tanto o seu
conhecimento factual como o conhecimento da sua qualidade. O conhecimento
factual garante saber como agir; o conheci mento da qualidade permite a escolha
e o agir garante os resultados desejados.
Podemos distinguir essas facetas do ser humano, contudo, elas não são
separadas. Atuam conjuntamente. Tendo em vista “praticar o conhecimento
factual”, há necessidade de escolhas; tendo em vista “fazer escolhas”, há
necessidade de descritivas factuais da realidade, que sustentam as qualidades;
e, por último, “para agir”, necessitamos dos conhecimentos tanto dos dados
factuais da realidade, que nos permitem cognitivamente conduzir nossa ação da
melhor e mais adequada forma, quanto das qualidades da realidade, que se
encontra à nossa frente, e exige de cada um de nós escolhas.
Conhecer factualmente, avaliar e agir são três atos universais
disponíveis e necessários a cada um de nós na vida, de tal forma que os
praticamos, usualmente, de modo habitual”
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Desejo, nessa oportunidade, esclarecer um pouco mais o papel da
avaliação, como um dos atos cognitivos universais do ser humano, especialmente
no que se refere à sua função no cotidiano de todos nós e no cotidiano escolar.
O ato de avaliar incide tanto sobre aquilo que nos cerca como sobre os resultados de nossa ação. Para este texto, focarei a atenção no uso dos resultados da investigação avaliativa, tendo em vista a busca da satisfatoriedade nos resultados de nossos atos.
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Em sã consciência, ninguém age para conseguir resultados
insatisfatórios. Podemos até chegar a resultados insatisfatórios, mas esse
episódio não decorre de uma escolha e de um desejo conscientes de nossa parte,
mas sim de possíveis ações ou usos de meios que não levam ou não levaram aos
resultados desejados.
Em si, o ser humano aposta no sucesso de sua ação, até mesmo quando a
ação é eticamente inadequada. Como se diz popularmente, o agente “deseja se dar
bem”, isto é, atua, na esperança e no desejo de obter um resultado satisfatório,
mesmo que seja só para si e, no caso, até em detrimento dos outros. Afinal,
essa é uma questão de compreensão ética e não da epistemologia da ação. Quando
estamos abordando a questão da avaliação, neste texto, estamos nos referindo ao
seu algoritmo epistemológico e não ético.
A função do ato universal de avaliar, quando está incidindo dobre os
resultados de uma ação, é subsidiar o seu gestor a obtê-los com a
característica de “satisfatórios”, se este for efetivamente o seu desejo, sua
intenção e seu investimento.
O ato de avaliar, neste caso, revela a qualidade dos resultados obtidos
com o investimento na ação. Com esse conhecimento em mãos, o gestor da ação tem
duas opções:
(01) aceitar a qualidade dos resultados de sua ação “como está” (seja ela positiva
ou negativa) e, dessa forma, encerrar o seu projeto de ação;
(02) ou assumir que a qualidade do resultado obtido ainda não está
satisfatória e, então, decidir investir mais, e mais, até que o resultado
atinja o nível de satisfatoriedade. Afinal, não investimos numa ação para obter
resultados insatisfatórios.
Com essa compreensão em mãos, podemos nos voltar para o ato de avaliar a
aprendizagem de nossos educandos em sala de aula.
O que desejamos com nossa atividade em sala de aula? Naturalmente, nosso
desejo seria que nossos estudantes aprendam, de modo satisfatório, aquilo que
ensinamos. Sua aprendizagem é o resultado de nossa ação de ensinar. Então, qual
seria a razão para apostarmos no insucesso de nossa ação pedagógica?
Epistemológica e psicologicamente, não temos razão para tal, desde que, em
princípio, de modo compatível com a natureza do agir humano, desejamos o
sucesso de nossa ação, traduzido em resultados satisfatórios.
Nos âmbitos gerais de nosso cotidiano, sempre buscamos o resultado mais
satisfatório em decorrência de nossa ação. Por exemplo, quando estamos
cozinhando nossa comida, constantemente, estamos experimentando como ela se
encontra, para que, afinal, “chegue no ponto desejado”; quando levamos um
tecido ao alfaiate ou à costureira para coser uma roupa para nós, antes da
costura final, experimentamo-la, tendo em vista proceder os ajustes
necessários, para que “fique bem em nosso corpo”; quando estamos preparando
nossa casa, tendo em vista receber amigos, permanecemos atentos a cada detalhe
do ambiente onde vivemos, tendo em vista colocar “cada coisa no seu lugar e de
forma esteticamente agradável”. E, dessa forma, tudo o mais. Buscamos sempre a
satisfatoriedade dos resultados de nossa ação.
Poderá ocorrer que algo não fique bem? Certamente. Porém, “não como um
desejo intencional”, mas sim como uma “carência” devido nossa incompetência
para produzir o resultado desejado ou devido os limites dos recursos que temos
para atingir o resultado desejado. Contudo, sempre investimos mais e com os
melhores e mais significativos recursos que temos em mãos para que o resultado
seja satisfatório. A natureza humana, em si, tem como meta: “desistir da
qualidade satisfatória, nunca”.
Tomemos essas compreensões e meditemos um pouco sobre a sala de aula.
Nós educadores escolares nos dirigimos à sala de aula com o objetivo (desejo)
de ensinar nossos estudantes. O resultado desejado dessa ação é que eles
aprendam “satisfatoriamente” aquilo que ensinamos. O estudante, por seu turno,
vem à sala de aula para aprender e, por isso, desenvolver-se. O resultado
desejado de sua parte é sua aprendizagem e, em consequência, seu
desenvolvimento.
Então, nesse caso, como em todas as outras situações onde nos encontramos agindo para obter um resultado satisfatório decorrente de nossa ação, nosso objetivo e desejo é de que o resultado de nossa ação seja satisfatório, ou seja, que o estudante efetivamente aprenda aquilo que ensinamos, de modo satisfatório.
No caso, o ato de avaliar --- como ato de investigar a qualidade do
resultado de nossa ação --- se expressa como o parceiro a nos alertar para o
fato de que “já atingimos” o resultado satisfatório desejado, “ou não”. Se
atingimos, ótimo. Se não atingimos o resultado desejado, temos duas opções: (a)
aceitar a qualidade insatisfatória de nossa ação, admitindo que ela já se encontra encerrada e não há, pois, mais o que fazer; (b) decidir investir mais, e
mais, na ação, que se encontra em movimento construtivo, até que o resultado satisfatório seja alcançado.
O desejo de investir mais, e mais, numa sala de aula não implica em
“ensinar tudo de novo”. Muitas vezes, dizemos ser impossível “ensinar tudo de
novo”. Certamente que sim. Todavia, ocorre que uma boa e significativa coleta
de dados sobre o desempenho dos estudantes em sua aprendizagem nos revela
“onde” e “o que” eles não aprenderam, de tal forma que podemos e devemos rever
somente “aquilo que não aprenderam” e não “tudo o que fora ensinado”.
Para tanto, nosso instrumento de coleta de dados sobre o desempenho do
estudante deverá ter características básicas de um “instrumento e coleta de
dados para a investigação científica”, ou seja, deverá:
· “ser sistemático”, o
que quer dizer --- cobrir todos os conteúdos (conhecimentos, habilidades e
valores) próprios do desempenho que estamos avaliando. Por exemplo, para saber
se alguém aprendeu adição, necessitamos de coletar dados sobre raciocínio
aditivo, fórmula da adição, propriedades da adição, solução de problemas
simples, solução de problemas complexos. Nem mais nem menos, desde que essas
são as variáveis necessárias para se ter uma noção se o estudante aprendeu, ou
não, adição. Claro, essas variáveis deverão ser ajustadas ao nível de ensino e
ao currículo e plano de ensino que estivemos adotando para atuar junto a esses
estudantes em torno dos quais estamos praticando atos avaliativos.
· “ser expresso em linguagem
compreensível”. O estudante deverá compreender aquilo que estamos solicitando.
Nada de linguagem rebuscada ou incompreensível, de tal forma que o estudante
não compreenda aquilo que lhe está sendo perguntado. Só podemos responder com
adequação a pergunta que compreendemos.
· “manter compatibilidade
entre ensinado e aprendido”, em termos de conteúdos, habilidades, metodologia
de raciocínio, nível de dificuldade, nível de complexidade. Nem mais nem menos
do que o ensinado. Compatibilidade total. Não podemos desejar saber se o
estudante aprendeu algo diferente daquilo que fora ensinado. Se desejamos algo
diferente, deveríamos ter ensinado esse algo diferente.
· “ter precisão”.
Educador e estudante devem compreender uma pergunta de forma equivalente. Nada
de dubiedade ou possibilidade de compreensões variadas da mesma pergunta. Por
exemplo, em história, perguntar: “O que fez D. Pedro I?” Ele poderá ter feito
tantas e tantas coisas. Importa precisar a questão --- “O que fez D. Pedro I no
denominado ‘Dia do Fico’, em relação à sua permanência, ou não, no Brasil,
diante das exigências de seu pai, o Rei de Portugal, de que retornasse à sua
terra?” Então, só haverá uma resposta possível.
Um instrumento de coleta de dados com tais qualidades, possibilitará ao
educador, no papel de avaliador, aquilatar se seu estudante aprendeu, ou não,
aquilo que deveria ter aprendido. Se sim, ótimo. Caso contrário, desde que o
conteúdo é essencial na aprendizagem do estudante, ensinar de novo “aquilo que
não fora aprendido”, através de um estudo a mais, de um exercício a mais, de
uma atividade de grupo a mais..., afinal, o educador, em sala de aula, saberá
como superar esse impasse de uma não-aprendizagem.
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Em síntese, nesse contexto, a avaliação será “nossa parceira” nos subsidiando com conhecimentos sobre a qualidade da aprendizagem de nossos estudantes, fator que nos permitirá tomar novas e sucessivas decisões, de tal forma que o processo de ensinar e aprender em nossas escolas atinja seu efetivo objetivo, que é de que “todos” aprendam satisfatoriamente aquilo que tem a aprender, segundo o currículo estabelecido.
O padrão de qualidade a ser atingido pelo estudante é a satisfatoriedade
na aprendizagem daquilo que está posto para ser ensinado, tanto nos currículos
como nos planos de ensino. Importa que “todos” aprendam aquilo que devem
aprender. Esse será um dos recursos para a democratização da sociedade ---
todos aprenderem aquilo que necessitam aprender. Não é a solução plena para a
equalização social, contudo, é um recurso fundamental para tanto.
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