quinta-feira, 16 de abril de 2015

92. PRATICAR AVALIAÇÃO NO ENSINO-APRENDIZAGEM PARECE SER DIFÍCIL, MAS IMPORTA INVESTIR




Cipriano Luckesi



Quando um filho, sobrinho, neto tiver se submetido a um teste ou prova na escola, se você fizer a pergunta --- “Como foi o teste hoje” ---, invariavelmente, a resposta será:

      - “O professor ensinou uma coisa e perguntou outra”; ou:
      - “O professor ensinou fácil e perguntou difícil”; ou:
      - “O professor ensinou de um jeito (metodologia) e perguntou de outro”; ou:
      - “O professor ensino simples e perguntou complexo”.

 Que razões levariam os professores em geral --- do ensino fundamental à pós-graduação --- a assumir essa postura na prática da avaliação da aprendizagem? De fato, essa postura apresenta-se generalizada em nosso sistema educativo institucional. Várias razões estão como pano de fundo dessa conduta.

A história pessoal. Todos nós vivenciamos esse tipo de conduta em nossa escolaridade. Aprendemos, por convivência, a agir dessa forma. Quando estudantes, sentíamos na pele esse tipo de conduta; hoje, atuando como professores, inconscientemente, repetimos o mesmo tipo de conduta. Ele nos parece natural e, de fato, não o é. 

A história da educação. O modelo de escola que conhecemos em nossas instituições foram sistematizadas com o nascimento da idade moderna, a partir dos finais do século XV e séculos subsequentes. Esse modelo de escola se sistematizou com a modernidade. Anterior a ele, haviam “as oficinas de mestres e aprendizes”. Então, temos quinhentos anos de prática de um mesmo modelo de examinar a aprendizagem dos estudantes. Essa prática tem sido repetida por todos esses anos, em todas as escolas ocidentais, que sofreram as influências do catolicismo e do protestantismo, segmentos religiosos que deram forma a educação moderna ocidental, a partir do século XVI. São muitos anos de prática, sem se perguntar pelo seu significado. Estamos habituados a agir desse modo. Supostamente “sempre se fez assim”. Então, por que mudar?

O modelo de sociedade. Com o nascimento da modernidade, transitamos do modelo medieval agrário de sociedade para o modelo burguês mercantil e industrial de sociedade, centrado no capital, sustentando uma hierarquia social, tendo por base a posse de bens. Junto com a hierarquia social --- reproduzindo-a e mantendo-a --- existe uma hierarquia escolar que reproduz e, ao mesmo tempo, sustenta a hierarquia mais abrangente, que é a social. O modelo de exames escolares --- com perguntas sempre diferentes daquelas que são utilizadas no cotidiano escolar --- não tem por objetivo efetivamente investigar se o educando aprendeu o que fora ensinado, mas, sim, tem a ver com a possibilidade de submeter os estudantes ao modelo social, através do medo de serem excluídos, desde que efetivamente os exames escolares tem como uma das suas características, a exclusão: “os aprovados permanecem; os reprovados são excluídos”. Se não são excluídos da escola, o são do seu ano de escolaridade, de sua turma... E, também, os estudantes são hierarquizados através de variados tipos de escalas, tais como notas, conceitos, premiações...

Como agir nas práticas avaliativas, tendo em vista transitar desse padrão histórico de conduta para um mais adequado e saudável?

A resposta a essa pergunta é: assumir um rigor metodológico nos procedimentos avaliativos, que significa nada mais que uma prática metodológica de investigar a qualidade da realidade; no caso, a qualidade da aprendizagem dos estudantes.

Para praticar a investigação da qualidade da realidade --- e, no caso, da aprendizagem dos educandos ---, necessitamos de nos servirmos de dois passos: (01) coleta de dados sobre o desempenho do educando; (02) qualificação desse desempenho.

Para a coleta de dados, elaboramos instrumentos de coleta de dados e é nessa atividade que praticamos os atos inconscientes dos quais falamos acima e que os estudantes sempre denunciam após terem se submetido a um teste ou a uma prova.
Um instrumento de coleta de dados para a avaliação (teste, prova, redação...), necessita ser construído com um certo rigor metodológico, tendo presente:

(a) - sistematicidade, ou seja, elaboração de questões que cubram todos os conteúdos essenciais ensinados, nem mais nem menos do que o essencial planejado e efetivamente ensinado; não podem ser questões aleatórias, ao bel prazer e entendimento do professor;

(b) - linguagem compreensível, isto é, importa que os estudantes compreendam o que estamos perguntando e, se não compreender, devemos esclarecer-lhes o que estamos perguntando; ninguém consegue responder o que não compreende;

(c) - compatibilidade entre ensinado e aprendido, ou seja, leva-se em conta:
  • mesmo conteúdo ensinado (deseja-se saber se o educando aprendeu o que foi ensinado e não outra coisa);
  • o mesmo nível de dificuldade presente na sala de aula (as questões são formuladas com o mesmo nível de dificuldade com o qual ocorreu o ensino, nem mais fácil nem mais difícil);
  • o mesmo nível de complexidade utilizado nos conteúdos ensinados em sala de aula (as perguntas têm o mesmo nível de complexidade com a qual os conteúdos foram ensinados; nada de ter ensinado simples e, agora, perguntar complexo;
  • compatibilidade de metodologia, que significa servir-se da mesma abordagem metodológica utilizada em relação aos conteúdos ensinados; então, se se ensinou história por “relações de produção”, pergunta-se por “relações de produção”; se essa matéria foi ensinada “por acontecimentos” (método factual de abordagem da história), pergunta-se “por acontecimentos”; da mesma forma em outras disciplinas;

(d) precisão, isto é, importa que professor e estudante tenham a mesma compreensão sobre uma determinada pergunta, entendem a mesma coisa por uma determinada pergunta; caso a formulação da questão apresente dubiedade, não se saberá em relação a que o estudante respondeu ao que perguntamos.

Sem esses requisitos mínimos, o instrumento de coleta de dados sobre desempenho dos estudantes em sua aprendizagem nos enganarão. Eles poderão e certamente serão capazes de expressar sua aprendizagem dos conteúdos que ensinamos “da forma como ensinamos” e não da “forma como estamos perguntando”.

E, é adequado que ocorra desse modo, por que devemos ensinar a forma mais adequada de um determinado conteúdo e solicitar em nossos instrumentos de coleta de dados nada mais que isso.

Elaborado um instrumento de coleta de dados com esses requisitos metodológicos, a seguir, aplicamos e corrigimos os resultados. Então, como qualificar os resultados obtidos?

Pela comparação entre os resultados do desempenho apresentado pelo estudante em suas respostas e o padrão (critério) de qualidade, que está estabelecido no currículo e no plano de ensino, ou seja, se os estudantes aprenderam o que está configurado para que os ensinemos e eles aprendam. Nada mais que isso. Essa comparação permite saber se os resultados obtidos pelo estudante são satisfatórios ou não.

Se forem satisfatórios, ótimo; vamos em frente; mas, se, ainda não são, a única solução possível é ensinar de novo.

É para isso que serve a avaliação: diagnosticar a qualidade dos resultados e, se necessário, intervir novamente, para que se atinja o resultado necessário.

Não se deve tomar o resultado insatisfatório da aprendizagem do educando como resultado de sua má vontade, mas sim, de que não fomos capazes de ensinar-lhes de tal forma que pudessem aprender o necessário.

Uma observação final, elaborar instrumentos de coleta de dados --- somente com conteúdos ensinados, com o mesmo nível de dificuldade, com o mesmo nível de complexidade, com a mesma metodologia de abordagem --- significa que estamos desejosos de saber se nossos estudantes aprenderam o que ensinamos; nada mais que isso. Infelizmente, a história da escola moderna, no que se refere à avaliação, está eivada de práticas distorcidas.

No fundo, parece que desejamos expressar que somos professores incompetentes, pois que apostamos que nossos estudantes revelem que não aprenderam. De certo modo, apostamos no insucesso de nosso trabalho (“alguém tem que ser reprovado”). E, isso é realizado pelos instrumentos de coleta de dados insatisfatórios e, por vezes, inadequados, que elaboramos.

Ao contrário, temos, sim, que investigar se nossos estudantes aprenderam aquilo que ensinamos, e do modo como ensinamos, nada mais que isso.

Se, nos instrumentos de coleta de dados para a avaliação, perguntamos por outros conteúdos, com outros níveis de dificuldade, com outros níveis de complexidade e com outra metodologia, significaria que efetivamente não ensinamos o que deveríamos ter ensinado, pois que estamos perguntando por outras aprendizagens, diversas daquelas que ensinamos.

Por que manter essa dicotomia? Só para manter nossos estudantes ameaçados e amedrontados? Será que, com isso, nos colocamos como seus pares nos caminhos da vida? Creio que não. Importa refletir sobre isso e, a meu ver, buscarmos outras possibilidades de ação educativa em nossas instituições de ensino.





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OBSERVAÇÃO – Na aba direita deste blog está publicado o índice de todos os textos publicados neste perfil. O leitor poderá cotejá-lo, escolhendo conteúdos que possam interessar-lhe.







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2 comentários:

  1. Acredito que nossas escolas passam por um momento onde reflexões como as aqui expostas e a aplicabilidade dos conteúdos em outros contextos propostas pelas avaliações externas, podem modificar o sentido da avaliação.

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    1. Anônimo,

      Grato por seu comentário. Ele é um convite para tantos outros entrem nessa lide de transitar, em nossas escolas, da práticas examinativas para as práticas avaliativas, nossas verdadeiras parceiras na busca do sucesso em nossas atividades de ensino.

      Cordialmente
      Cipriano Luckesi

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