Cipriano Luckesi
Ainda que componentes da
prática educativa escolar --- condições de ensino e atividade pedagógica ---
estejam intrinsecamente comprometidos entre si, são distintos. Caso não consigamos,
a meu ver, conscientemente praticar essa distinção, pior para a prática
pedagógica n a sala de aula, que demanda atenção e cuidados.
“Distinto” não quer dizer
“separado”. Distinto, no caso, quer dizer que --- condições de ensino e a atividade
pedagógica --- são componentes diferentes na prática da educação escolar, ainda
que articulados. E, nesse contexto, que podem e --- creio eu --- devem, por
vezes, ser abordados conjuntamente e, por vezes, ser abordados por focos e
momentos diferentes.
Por condições de ensino,
vamos compreender as políticas públicas voltadas para a educação escolar; as
condições físicas e materiais de nossas escolas (prédio escolar, mobiliário
escolar, biblioteca, recursos necessários para a gestão da escola, manutenção
dos prédios, manutenção dos espaços físicos para atividades como merenda
escolar, sanitários...); política de contratação de profissionais para a
educação; recursos materiais de ensino; a manutenção e salários dos
professores; entre outras. Por prática pedagógica, vamos compreender o que ocorre
e deve ocorrer no espaço escolar como um todo: pátios, jardins, campos de
esporte, corredores, sanitários...; e, sem sombra de dúvidas, especificamente,
dentro das salas de aula, lugar onde educadores e educandos investem nos atos
de ensinar-aprender conteúdos curriculares, cognitivos, afetivos e psicomotores.
No caso, nós,
profissionais do ensino, necessitamos estar atentos aos dois grupos de componentes
da prática educacional escolar, seja àqueles que se destinam a subsidiar
condições para o ato pedagógico, seja àqueles que se destinam ao ato pedagógico
propriamente dito.
Ainda que esses
componentes estejam comprometidos com todos os educadores, as instâncias que respondem
por esses componentes dão-se em espaços físicos e administrativos diferentes.
Não tem como reivindicar
melhores condições de ensino e de salários dentro das salas de aula, enquanto
praticamos a docência; como, por outro lado, não temos como ministrar aulas aos
nossos estudantes nas reuniões dos nossos sindicatos ou nas reuniões dos grupos
organizados da sociedade civil (partidos políticos, sociedades civis,
igrejas...). Em síntese, ainda que articuladas, as atividades
organizativas/reivindicatórias e as atividades pedagógicas dão-se em espaços e
momentos organizacionais diferentes.
Acredito que devemos manter
e sustentar nosso movimento organizado para garantir condições satisfatórias
para a educação escolar, como também devemos nos mobilizar para que nossos atos
pedagógicos se realizem com a melhor qualidade possível. Não podemos realizar
nossas reivindicações por melhores condições de ensino no espaço da sala de
aula, em si; por outro lado, também não podemos dar aulas, comprometidas com o
currículo escolar, nos espaços socialmente destinados às atividades de organização
da categoria profissional, ou de organizações políticas.
Em síntese, a meu ver, ainda
que esses componentes --- condições de ensino e ato pedagógico --- existam de
modo articulado, são distintos e merecem tratamentos distintos em espaços
distintos. A sala de aula não será o lugar mais adequado para o ativismo
político e social, como também as organizações da sociedade civil e os sindicatos
não serão espaços para atividades didático-pedagógicas curriculares.
Desse modo, vamos
reivindicar melhores e mais adequadas condições para o ensino (necessitamos
delas, com certeza) e vamos atuar pedagogicamente na sala de aula, para que
nossos educandos aprendam, da melhor forma possível, aquilo que necessitam
aprender, configurado nos currículos escolares.
No contexto dessa
compreensão, a meu ver, nossa militância política e a militância no espaço de
nossa categoria profissional se darão nos espaços das organizações da sociedade
civil e nos sindicatos; nossa atividade pedagógica se dará dentro da sala de
aula.
A meu ver, ainda que
sejamos o mesmo sujeito, com a mesma formação e a mesma postura
político-social, esses dois tipos de atuação estarão se dando em espaços
distintos e com finalidades distintas.
Então, cabe a pergunta:
que papel político exerce a sala de aula sobre a cidadania, se ela atua, de
modo distinto, ainda que não separado, da busca de melhores condições para o
ensino?
No espaço interno da sala
de aula, não haverá eco nem possíveis respostas para nossas reivindicações.
Nossos estudantes não poderão responder a elas. Então, alguém poderá dizer:
“Mas, estarão do nosso lado”. E eu diria: “Do nosso lado, mas sem cumprir o que
vieram fazer dentro da sala de aula, que é aprender os conteúdos curriculares,
tendo em vista se formarem como sujeitos e cidadãos”.
Então, poder-se-á,
revidar mais uma vez: “Como aprenderão a ser sujeitos e cidadãos com os conteúdos
curriculares?” Então, retorno ao que sinalizei na terceira parte do último post
deste perfil no Facebook --- “Aprendizagem
e operação conjunta dos três segmentos funcionais do cérebro” ---, onde propus
que importa ao educador atuar em sala, integrando todos os segmentos funcionais
do cérebro ou com as três camadas embrionárias, de modo integrado e harmônico.
Desse modo, cada conteúdo do ensino-aprendizado será a base para a formação do
sujeito e do cidadão como um todo. Conteúdos ensinados e aprendidos dessa forma
subsidiarão cada estudante para ser o que deve ser em sua vida adulta.
Então importa, como educadores, tanto investirmos significativamente nas
instâncias reivindicatórias como na sala de aula. Como educador, sempre participei
das duas instâncias; hoje, na condição de professor aposentado, menos na
sindical. Como estudioso e pesquisador, ainda que sempre tivesse presente os componentes
condicionantes do ensino, dediquei-me a compreender e a encontrar entendimentos,
como também práticas, que dessem suporte à atividade pedagógica; daí que meus
escritos e comunicações estejam mais focados nessa faceta do ensinar-aprender.
Esse posicionamento tem um significado. Não será a primeira vez que
estarei tocando nesse tema, assim como tocaram outros pesquisadores em
educação, tais como Carlos Roberto Jamil Cury, Dermeval Saviani, José Carlos
Libâneo, entre outros. Também já escrevi sobre esse tema em outras ocasiões.
A educação, por si, não salva a sociedade; nem, por si, é o seu único
reprodutor. Ele se dá no seio da trama de todas as interações sociais e, desse
modo, tanto pode colaborar para a reprodução social, como pode atuar a favor de
sua transformação. Dependerá da filosofia que seja traduzida através dos atos
pedagógicos diários.
Como outros --- e creio estar acompanhado dos autores que citei acima e,
de mais um, o militante político Antônio Gramsci –- acredito que uma educação,
onde os educandos “aprendam a conhecer” (aquisição de conhecimentos emergentes
das diversas áreas científicas e culturais), “aprendam a fazer” (fazeres práticos
necessários ao cotidiano e à sobrevivência), “aprendam a viver juntos”
(aprendizagem da convivência e do respeito ao outro e ao diferente, seja pela
etnia, nacionalidade, religião, país...), e, por último “aprendam a ser”
(aprendizagem que, em cada ato, integra segmentos cerebrais reptiliano, límbico
e neocortex, num todo de cognição, afeto e ação) (nota 01).
E, então, educandos que efetivamente se apropriem de aprendizagens com as
qualidades indicadas pelos educadores, reunidos pela Unesco, tendo em vista
traçar objetivos para a educação no século que se iniciava, terão em suas mãos
recursos que contribuirão para a busca da equalização social. A educação
escolar, com a qualidade satisfatória em termos das aprendizagens dos educandos,
não fará sozinha a transformação social, mas será um dos fatores importantes
para tanto.
Daí o fato de tantos pesquisadores em educação investirem no âmbito da
compreensão e da prática pedagógica, como eu, ao lado de muitos outros que investem
no âmbito das condições de ensino. Há lugar para todos e necessitamos de todas
essas contribuições para compreender e atuar em educação.
___________
(01)
Ver o texto “Educação: um tesouro a descobrir”,
relatório da Unesco para a educação do século XXI, para a elaboração do qual
representantes de educadores do mundo todo se reuniram para traçar uma direção
para o século que estamos vivendo, onde estão indicados esses quatro objetivos,
aqui mencionados.
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