Cipriano Luckesi
Contato --- ccluckesi@gmail.com
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INTRODUÇÃO
No cotidiano de
nossas escolas, nos discursos e nos escritos a respeito de avaliação praticada
no âmbito da educação, encontramos variadas denominações para esse ato, que
merecem uma compreensão epistemológica mais precisa. As adjetivações para o ato
de avaliar são utilizadas tendo por base variados pontos de vista; sempre pontos
de vista externos ao conceito próprio (essencial) do ato de avaliar.
Encontramos, aqui
e acolá, denominações tais como: avaliação formativa, avaliação somativa,
avaliação processual, avaliação contínua, avaliação emancipatória, avaliação
mediadora, e outros mais. Serão mesmo formas diferenciadas de avaliar?
Neste texto, propõe-se
tentar colocar cada um desses conceitos em seu devido lugar epistemológico,
dando precisão à terminologia utilizada na prática da avaliação em educação em
nossas escolas e em nossos projetos de ensino.
TIPIFICAÇÃO DA AVALIAÇÃO COM BASE NOS MOMENTOS DA AÇÃO
Existem
adjetivações aplicadas ao ato de avaliar que expressam os momentos de execução
de um projeto de ação sobre os quais incide o ato de avaliar. Propriamente tais
denominações não estão propriamente vinculadas ao significado epistemológico do
ato de avaliar; estão, sim, vinculadas aos momentos da execução do projeto de
ação, em relação aos quais se pratica o ato de avaliar. E, vale a pena ter
clareza sobre isso.
Examinaremos,
neste tópico, as variadas denominações atribuídas à avaliação no âmbito da
educação pelos autores: Daniel Stufflebleam e Benjamin Bloom.
Daniel Stufflebleam,
na década de 1960, tipificou os atos avaliativos em educação como: avaliação de
contexto, avaliação de entrada, avaliação de processo e avaliação de produto. Contexto,
entrada, processo e produto são quatro momentos de qualquer projeto de ação,
nos quais --- ou durante os quais --- poder-se-á praticar atos avaliativos.
No caso, avalia-se
o “contexto” de uma ação tendo em vista estabelecer seu diagnóstico, fator que
subsidia decisões de como agir para modificar essa circunstância, se esse for o
desejo; certamente para melhor.
Avalia-se as “entradas”
para a execução do projeto, tendo em vista configurar insumos suficientemente
significativos para atingir os resultados desejados.
Avalia-se o “processo”,
tendo em vista verificar se os resultados sucessivos, obtidos no percurso da
ação, respondem às expetativas dos propositores e gestores do projeto, ou não;
em caso negativo, a depender da decisão do gestor da ação, há a possibilidade
de tomar novas decisões e, desse modo, corrigir os rumos da ação.
Por fim, avalia-se
o “produto”, tendo em vista verificar o grau de qualidade do resultado final do
projeto frente aos objetivos propostos para sua execução. Os resultados obtidos
pela ação respondem positivamente ao desejado?
Os atos
avaliativos, nesse caso, tornar-se-iam configurados de modo mais significativo
e justo, caso utilizássemos o conectivo “do” (definido), indicando a incidência
do ato avaliativo sobre determinado objeto de investigação. Então, as
denominações, no contexto desse autor, passariam a ser: avaliação “do”
contexto, “das” entradas do projeto de ação, “dos” resultados parciais e
sucessivos da ação em execução (processo), assim “do” resultado final, ao invés
de “avaliação ‘de’ contexto”, “avaliação ‘de’ entrada”, “avaliação ‘de’
processo”, “avaliação ‘de’ produto”; o conectivo ‘de’ é genérico, indefinido.
Dessa forma,
permaneceria preservado o conceito epistemológico do ato de avaliar, que é
universal e válido para todos e quaisquer atos avaliativos e, no caso a
especificação se daria pela indicação definida do objeto sobre o qual se
estaria praticando a avaliação.
A tipificação da
avaliação proposta por Benjamin Bloom, possibilita compreender melhor aquilo
que fôra exposto acima a respeito de que as adjetivações atribuídas ao ato de
avaliar levam em conta fatores externos ao ato de avaliar propriamente dito,
fator que implica que essas adjetivações merecem novo cuidado conceitual. .
Bloom estabeleceu
três denominações (adjetivações) para a avaliação, que são: diagnóstica,
formativa, somativa. Nessa tipificação dos atos avaliativos em educação, o
autor serve-se de adjetivos, tendo em vista distinguir possíveis formas de
avaliação. E, de fato, as denominações “avaliação diagnóstica”, “formativa” e
“somativa” não constituem formas distintas de avaliar, elas simplesmente
indicam momentos diferentes de uma ação sobre os quais incidem os atos
avaliativos.
Em Bloom, a “avaliação
diagnóstica” é aquela que deve ocorrer antes de uma ação, tendo em vista
verificar as qualidades do contexto onde vai se implantar uma ação; ela
diagnostica as demandas e os impasses existentes numa determinada circunstância,
que demandam ação restauradora. Levando em conta observações anteriores nesse
texto, uma denominação mais adequada, para esse investimento avaliativo, seria
“avaliação da circunstância dentro qual se pretende implantar uma ação”. No
caso, ela tem como destino produzir um diagnóstico da situação, mas, nem por
isso, deveria se denominar “avaliação diagnóstica”, desde que um ato avaliativo
--- como investigação da qualidade da realidade --- será sempre diagnóstico;
ocorra ele antes, durante ou ao final de uma ação.
Avaliação “formativa”,
na visão de Bloom, se dá se dá durante a execução de uma ação, subsidiando as
múltiplas decisões que um gestor deverá tomar, tendo em vista garantir que os
resultados finais desejados sejam obtidos. Para ser justo epistemologicamente
com o conceito do ato de avaliar, uma melhor denominação para a avaliação praticada
nesse momento da ação seria, então, “avaliação dos resultados intermediários da
ação”.
E, finalmente, a avaliação
“somativa”, que, segundo o autor, está comprometida com a investigação da qualidade
do produto final da ação, para o qual se investiu durante a execução da ação, epistemologicamente,
deveria denominar-se “avaliação ‘do’ resultado final da ação”.
Ao invés de
adjetivar os atos avaliativos de formativos e somativos --- desde que eles “não
formam”, “nem somam” nada no processo de produção do resultado final ---, dever-se-ia
simplesmente descrever a situação sobre qual deve incidir a avaliação. Quem
investe na formação --- construção --- do resultado é o gestor da ação, não o
avaliador. O resultado final não é a soma de pequenos sucessos; simplesmente é
o resultado final, que foi construído vagarosamente ao longo da execução da
ação.
Esses dois autores
--- entre outros --- nos presentearam com esses dois conjuntos de tipificação
dos atos avaliativos, tendo por base os momentos da ação, no espaço dos quais,
o gestor necessita da revelação da qualidade da realidade, tendo em vista suas
decisões frente aos objetivos finais da ação.
Observando
cuidadosamente, iremos verificar que as tipificações da avaliação, acima
indicadas, modificam o ato de avaliar propriamente dito --- que se define
epistemologicamente como “ato de investigar a qualidade da realidade” --- mas,
sim, com os diversos momentos da ação, nos quais esse ato é praticado. Desse
modo, essas tipificações não representam diferentes modos de avaliação, desde
que o ato de avaliar tem um conceito bem definido, o que permite dizer que essas
tipificações da avaliação não fazem sentido nem se justificam.
Seria mais
adequado e justo configurar esses atos avaliativos como atos de investigar a
qualidade (01) ‘do’ contexto que demanda uma ação, (02) ‘dos’ insumos
(entradas) para a execução de uma ação, (03) ‘dos’ resultados sucessivos
obtidos enquanto a ação vai sendo executada e, por isso, produzindo resultados
sucessivos e (04) ‘do’ produto final como resultado das múltiplas intervenções
no percurso da ação.
Em todas essas
tipificações, o ato de avaliar é e será sempre único e realizado da mesma forma
--- investigar a qualidade da realidade ---, o que implica em (01) coletar dados
a respeito da realidade, que a descrevam com fidelidade; (02) com base nessa
descritiva, qualificar a realidade, por meio de uma comparação entre a
realidade descrita e um critério de qualificação como um padrão de qualidade
considerado satisfatório. Qualificação essa que revelará se a realidade
investigada já apresenta a qualidade satisfatória desejada, ou não. Será
satisfatória se preencher o padrão de qualidade desejado; será insatisfatória,
caso não preencha o padrão de qualidade. Qualificação que, por sua vez, servirá
de base para novas decisões do “gestor da ação.
Em síntese, o ato
de avaliar é único. Já, as tipificações da avaliação, acima citadas, estão
comprometidas não propriamente com a configuração essencial do que é o ato de
avaliar, mas sim com os “momentos” da ação sobre os quais incide o ato
avaliativo.
Daí, não fazer
sentido existir a denominação de “avaliação diagnóstica”, pois que toda e
qualquer prática avaliativa, por ser avaliação, é diagnóstica, desde que seu
objetivo é revelar a qualidade de alguma coisa. O uso, pois, da expressão
“avaliação diagnóstica” é pleonástico. Caso uma prática avaliativa não seja
diagnóstica, por si, não será prática avaliativa.
Também não faz
sentido a denominação de “avaliação formativa”, desde que a avaliação não forma
nada; quem investe na formação (construção) resultados é o gestor. A avaliação
simplesmente lhe revela se se encontra no caminho adequado ou não, tendo em
vista obter o resultado que deseja, porém, quem decide é o gestor.
Por último, não
faz sentido a denominação de “avaliação somativa”. O resultado final de uma
ação, não é o somativo de seus passos; simplesmente é o resultado final
construído. Afinal, sabe-se que sempre o todo é diferente da soma das partes. Fato
que faz pensar que não existe uma “avaliação somativa”, mas, sim, investigação
da qualidade do resultado final da ação.
TIPIFICAÇÃO DA AVALIAÇÃO COM BASE NA FILOSOFIA DA
EDUCAÇÃO QUE CONFIGURA O PROJETO PEDAGÓGICO
Uma outra variável
que tem oferecido base para outras denominações da avaliação na prática
educativa tem a ver com a filosofia da educação que configura o projeto de ação
pedagógica. Novamente, denominações comprometidas com uma especificidade que se
encontra fora do conceito de avaliar. No caso, a avaliação recebeu denominações
como: “avaliação emancipatória” (Ana Maria Saul); “avaliação dialética” (Celso
Vasconcelos); “avaliação dialógica” (José Eustáquio Romão); “avaliação
mediadora” (Jussara Hoffman), entre outros.
Esse modelo de
adjetivação do ato de avaliar produz uma denominação que, por si, como nas
adjetivações decorrentes dos momentos da ação, acima estudadas, não pertence ao
ato de avaliar propriamente dito, mas sim, aqui no caso, ao projeto pedagógico
ao qual serve a avaliação. O projeto pedagógico, sim, tem como pano de fundo
uma filosofia, que pode ser emancipatória, dialética, dialógica, mediadora ou
de uma outra configuração axiológica que se assuma.
De fato, quem tem
a característica de emancipatória, dialética, dialógica, mediadora é o projeto
pedagógico, e, não a avaliação, desde que esta simplesmente serve a esses
projetos pedagógicos. Não é, então, a avaliação que se manifesta emancipatória,
dialética, dialógica, mediadora; porém, sim, a ação pedagógica, à qual a
avaliação serve.
Para ser mais
preciso, um projeto pedagógico será emancipatório se definido filosoficamente
com essa conotação e, se, ao mesmo tempo, for executado com essa
característica, o mesmo devendo ocorrer com qualquer outra conotação filosófica,
tais como dialética, dialógica, mediadora... Por essa razão, não existe propriamente
uma avaliação emancipatória, dialética, dialógica ou mediadora, mas sim um
projeto pedagógico emancipatório, dialético, dialógico, mediador..., executado
de forma emancipatória, dialética, dialógica, mediadora..., aos quais serve a
avaliação.
O gestor da ação pedagógica,
sim, tem papel fundamental, desde que deverá conduzir sua ação em consonância
com o projeto pedagógico, seja emancipatório, dialético, dialógico... A
avaliação, como modo de investigar a qualidade da realidade, estará a serviço
de qualquer um desses projetos pedagógicos, como de quaisquer outros com outras
tendências filosóficas.
Em síntese quem
define a direção pedagógica de um projeto de ação educativa não é o ato
avaliativo, mas sim o propositor e o gestor do projeto. A avaliação estará ao
seu serviço, subsidiando as decisões tanto do propositor quanto do gestor da
ação, tendo em vista “adverti-los” de que suas decisões e seus atos se
encontram --- ou não --- na direção adequada para obter o resultado desejado.
TIPIFICAÇÃO DA AVALIAÇÃO COM BASE NO SUJEITO QUE A
PRATICA
Existe ainda um
terceiro foco de tipificação da avaliação, que está vinculado ao sujeito que
pratica a avaliação, produzindo as denominações: heteroavaliação,
auto-avaliação, avaliação através da opinião dos participantes de uma atividade.
A “heteroavaliação”, como o termo bem diz, é praticada
por outro, que não pelo próprio executor da ação. No caso do
ensino-aprendizagem, pelo professor em relação ao estudante. No caso de outras
atividades, que não o ensino, por um avaliador específico, que atua sobre o
modo de alguém ou de uma instituição agir e produzir.
A “auto-avaliação”, com também a expressão linguística
revela, é praticada pelo próprio sujeito da ação sobre os resultados do seu
investimento pessoal em alguma coisa, ou em um projeto.
A “avaliação com base na opinião dos participantes de
uma atividade” também se tipifica com base no sujeito que pratica a avaliação.
Os participantes opinam com base em suas percepções da realidade e produzem
seus julgamentos, ambos com características subjetivas.
Aqui também pode-se observar que essa tipificação ---
heteroavaliação, auto-avaliação, avaliação por opinião --- não está
comprometida, em si, com o conceito do ato de avaliar, mas sim com o sujeito
que pratica a avaliação, e, pois, novamente, uma tipificação externa a esse ato.
CONCLUINDO
Importa insistir que, tendo em vista praticar qualquer
uma das as tipificações do ato de avaliar, expressas pelas variadas
adjetivações que expusemos acima, sempre será necessário, de um lado, “coletar
dados da realidade” e, de outro, “qualificar essa realidade com base em um
padrão de qualidade”. Essa é a base epistemológica universal e válida do ato de
avaliar.
As tipificações, como vimos, não estão, em primeiro
lugar, assentadas no conceito epistemológico do ato de avaliar, mas sim a) nos objetos
do ato avaliativo (a realidade presente nos diversos momentos da ação), b) na
filosofia do projeto de ação e c) nos sujeitos que praticam a avaliação
Vale pensar que, ao invés de tipificarmos a avaliação
em “diagnóstica”, “formativa”, e “somativa”, em conformidade com Bloom,
“processual”, “contínua” --- como observamos continuamente em nossos projetos
de ensino, como também no cotidiano escolar --- ou ainda, avaliação
emancipatória, dialética, dialógica, mediadora, hétero e auto-avaliação, sinalizadas
acima, deveríamos ter clareza de que nossos atos avaliativos sempre operam com
um único algoritmo metodológico, que se resume em coletar dados da realidade e
qualificá-la tendo por base um padrão de qualidade.
Em assim sendo, ficaríamos cientes de que não existe
uma avaliação formativa, somativa, processual, contínua, emancipatória,
dialética, dialógica, mediadora, mas sim, ações formativas, resultados de ações
formativas, resultados de ações emancipatórias, dialéticas, dialógicas,
mediadoras...; como também ficaríamos cientes de que quem produz ações e
resultados são os gestores da ação, não a avaliação ou o avaliador.
Vale também ter ciência de que as expressões heteroavaliação,
auto-avaliação e avaliação por opinião, também são denominações para o ato de
avaliar que levam em conta outro fator --- o sujeito do ato de avaliar --- que
o conceito do ato de avaliar.
Em síntese, o ato de avaliar é subsidiário de
decisões, por isso, está sempre “a serviço de”. Age somente no seu âmbito de
ação --- que é revelar a qualidade da realidade e oferecer esse conhecimento a
quem dele necessita (um gestor; gestor é aquele que investe em uma ação, seja
ela a mais simples possível ou a mais complexa). Quem decide é o responsável
pela ação, a avaliação lhe subsidia. Caberá ao gestor a responsabilidade por
agir, desta ou daquela forma; como também não agir.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirLuckesi, sou docente em uma Escola de Saúde Pública e seu texto me deixou provocado e reflexivo sobre os usos da avaliação na educação, algumas de suas tipificações em uso: diagnóstica, formativa, somativa e sua epistemologia!!! Muito interessante!!!
ResponderExcluirTExto muito bom podemos refletir de como ´podemos fazer as avaliaçoes
ResponderExcluirTexto muito bom para nossa reflexão
ResponderExcluirAvaliação.
ResponderExcluirInteressantes colocações sobre a Avaliação, o ato de avaliar está sempre "a serviço de", age somente no seu âmbito de ação, revelando a qualidade da realidade e oferecendo esse conhecimento a quem dele necessita. Quem decide é o responsável pela ação, ao gestor, caberá a responsabilidade por agir,da maneira que escolher, como também por não agir.
ResponderExcluirObrigado, professor!
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