Cipriano Luckesi
Contato --- ccluckesi@gmail.com
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Entre os variados critérios que tem possibilitado
tipificações da avaliação, um deles está centrado no sujeito que pratica o ato
de avaliar: “heteroavaliação” --- circunstância na qual um sujeito avalia outro
ou outros; “auto-avaliação” --- circunstância na qual um sujeito avalia a si
mesmo; “avaliação por opinião de quem participa de uma atividade” ---
circunstância na qual um sujeito opina avaliativamente sobre uma atividade da
qual participa ou participou.
A observação básica tem a ver com o fato de que as
tipificações da avaliação em educação (mas, também, em outras áreas de
atividades humanas) estão comprometidas com critérios que não estão vinculados
ao conceito essencial do ato de avaliar, que se define como um “ato de
investigar a qualidade da realidade”, o que significa que ele tem por objetivo
revelar a qualidade da realidade investigada. Com essa compreensão
epistemológica do ato de avaliar, que é universal, toda e qualquer prática
avaliativa, tenha a tipificação que tiver, só poderá se manifestar como avaliação
se realizar esse conceito.
As tipificações da avaliação, que têm base em
critérios externos à essa definição, são: avaliação tipificada segundo “os
momentos da ação sobre os quais incide o ato de avaliar” (avaliação
diagnóstica, formativa, somativa); segundo “a filosofia que informa o projeto
de ação” (avaliação emancipatória, dialética, dialógica, mediadora), segundo “o
sujeito que pratica o ato de avaliar” (heteroavaliação, auto-avaliação, por
opinião). Por serem externas ao ato de avaliar, nenhuma dessas tipificações
interfere no seu conceito epistemológico. Melhor, cada uma delas, para ocupar o
lugar de ato avaliativo, terá que cumprir aquilo que se encontra expresso em
seu conceito.
O presente texto estuda a tipificação da avaliação que
tem como critério “o sujeito do ato de avaliar”, na perspectiva de identificar
cuidados necessários ao praticar a heteroavaliação, a auto-avaliação e a
avaliação por opinião. O objetivo deste estudo é sinalizar a necessidade de minimizar,
ao máximo, os efeitos negativos das crenças e dos estados emocionais do
avaliador.
HETEROAVALIAÇÃO
Para a prática da heteroavaliação já existem ---- e
são possíveis --- cuidados metodológicos que, se forem respeitados, reduzem em
muito as interferências subjetivas do avaliador no que se refere à qualificação
da realidade. Esses cuidados têm a ver com a coleta de dados a respeito da
realidade investigada e com a qualificação da realidade, com base nos dados
coletados.
No que se refere à coleta de dados, o sujeito que
pratica a avaliação (avaliador) deverá ter os seguintes cuidados:
(01) previamente, estabelecer a matriz dos dados
necessários para efetivamente descrever seu objeto de investigação, evitando,
desse modo, a aleatoriedade dos dados a serem coletados. Nesse caso, necessita,
pois, de, sistematicamente, estabelecer todas as variáveis a serem levadas em
conta para descrever cuidadosamente seu objeto de investigação; essa matriz
indicará os caminhos para a elaboração de instrumentos para a necessária coleta
de dados, tendo em vista garantir uma prática avaliativa, com a menor
incidência possível da subjetividade do avaliador;
(02) para tanto, necessitará de instrumentos de coleta
de dados adequados ao seu objeto de investigação, elaborados segundo rigorosas
regras de investigação;
(03) haverá ainda a necessidade de um padrão de
qualidade desejado, previamente estabelecido, que permitirá qualificar a
realidade investigada; ou seja, a realidade investigada preenche o padrão de
qualidade desejado para essa realidade?
A coleta de dados, realizada com esse rigor
metodológico, viabilizará uma descritiva da realidade, a qual, para proceder o
ato avaliativo, será comparada ao padrão de qualidade, previamente elaborado.
Caso a realidade descrita preencha os contornos desse padrão de qualidade, a
realidade será considerada qualitativamente positiva; caso contrário, será
negativa.
O atendimento a esse algoritmo propicia, senão uma
objetividade plena ao ato avaliativo, ao menos, se aproxima dele.
AUTO-AVALIAÇÃO
A auto-avaliação é uma modalidade de prática
avaliativa onde a presença da subjetividade do avaliador --- que avalia a si
mesmo --- é intensa, desde que não conta com um controle metodológico externo,
como ocorre com os recursos utilizados na heteroavaliação; havendo, pois,
necessidade de amplos e suficientes cuidados para que as qualificações não
sejam condescendentes ou rigorosas em excesso. Afinal, a auto-avaliação é
atravessada por múltiplos estados emocionais, como também por crenças pessoais
do avaliador, que podem conturbar a possível limpidez do juízo qualitativo.
No processo auto-avaliativo, tanto os procedimentos de
coleta de dados para descrição do objeto da avaliação, quanto o padrão de
qualidade e seu uso, dão-se no âmbito da subjetividade, fato que implica em
possíveis distorções. Para cuidar dessas possíveis distorções, haverá
necessidade de atenção e cuidados redobrados do sujeito que pratica a auto-avaliação.
Será necessário que o sujeito que se auto-avalia:
* se coloque disponível para olhar para si mesmo e
para os seus atos;
* honestamente observe seus atos;
* esteja disponível para efetivamente ajuizar a qualidade
de seus atos;
* assuma ser responsável por seus atos e, se necessário,
modificá-los.
A auto-avaliação, por si, seria o meio fundamental
para que cada um assuma responsabilidade sobre si mesmo, daquilo que é capaz,
como também sobre aquilo que não tem o domínio; sobre sua ação e suas
consequências; sobre suas relações; sobre os resultados de seus atos.
Usualmente reconhecer as qualidades --- positivas ou
negativas --- sobre nós mesmos, assim como sobre nossas ações não tem sido
fácil na vida humana. O mais comum é sermos reativos, condescendentes em
excesso (conduta mais comum) ou rigorosos em excesso (essa conduta existe, mas
menos comum).
A reatividade e a projeção sobre os outros ou sobre a
realidade circundante é o mais comum nos processos de ajuizamento sobre si
mesmo. Só o equilíbrio na auto-avaliação
pode conduzir a uma vida saudável.
AVALIAÇÃO ATRAVÉS DE OPINIÃO DOS PARTICIPANTES DE UMA
ATIVIDADE
Usualmente, na “avaliação com base na opinião”, as
opiniões estão sujeitas aos múltiplos estados emocionais subjetivos do
opinante; fator, que obriga a tomar os resultados dessa prática avaliativa com
cuidados, seja quando o opinante avalia a si mesmo, seja quando avalia outros,
seja quando avalia uma atividade como um todo.
Importa, nessa modalidade de avaliação, que se tenha
presente que essa coleta de opiniões, de fato, consiste num conjunto de
opiniões; não propriamente na qualificação da realidade, assentada sobre dados
objetivos dessa mesma realidade.
Devido alta possibilidade de interferências subjetivas
do avaliador, a auto-avaliação e a avaliação com base em opiniões seriam
inúteis?
Não. Só há necessidade de cuidados com os resultados
dessas práticas avaliativas, desde que, em ambos os casos, os próprios atores
do projeto de ação julgam seus próprios desempenhos ou dos outros, sem uma
coleta objetiva de dados, como também sem um padrão de qualidade definido com
alguma precisão, que sirva de referência para o ato de qualificação da
realidade avaliada.
Nesses dois tipos de práticas avaliativas, usualmente,
os padrões de qualidade são amplamente subjetivos e emocionais, podendo estar
baseados em modos reativos ou projetivos de ajuizar a qualidade da realidade em
foco.
A auto-avaliação, caso ela possa ser praticada com
honestidade, certamente oferece ao ator da própria ação um excelente suporte
para a melhoria do seu desempenho pessoal, seja em que área for. Artistas da
pintura, escritores, professores, gestores, políticos, cidadãos e profissionais
das mais variadas áreas, todos necessitam possuir uma autocrítica consistente,
se desejam colocar o melhor do si para si mesmo e para os outros; o que não
quer dizer que outros --- como seus observadores --- não possam avaliar suas
obras, a partir de outras facetas de observação da realidade da obra produzida.
Então, nessa circunstância, torna-se importante uma outra prática --- o diálogo
---, que exige disponibilidade, abertura, escuta do outro, autocrítica.
Importa ter presente que tanto na auto-avaliação, como
na avaliação por opinião, o critério de qualificação da realidade é subjetivo,
desde que essas duas tipificações da avaliação estão ancoradas no sujeito do
ato avaliativo, diferentes da heteroavaliaçãot onde o algoritmo da avaliação,
propriamente dita, minimamente, conta com recursos de investigação, que,
espera-se e deseja-se, sejam utilizados.
CONSIDERAÇÕES TEÓRICO-PRÁTICAS
No caso do ensino escolar, familiar, institucional, situações
nas quais, usualmente, pratica a heteroavaliação, o parâmetro da qualidade da
aprendizagem do aprendiz vem da ciência ou da cultura já consolidadas nas áreas
de conhecimentos na qual está ocorrendo o ensino; por isso, tem a possibilidade
de mais objetividade, caso o avaliador esteja atento a essa possibilidade,
assim como ao rigor do uso dos recursos metodológicos necessários ao ato
avaliativo, comprometidos com uma prática investigativa, já sinalizados
anteriormente.
Por exemplo, no que se refere ao conceito da teoria da
relatividade, formulada por Einstein, não há possibilidade de tergiversar. Ou o
estudante adquiriu o domínio a respeito desse conteúdo, ou não o adquiriu. A
teoria, formulada por Einstein, conforme fora elaborada e exposta por ele, tem
um contorno específico. Diagnosticar se alguém tem o domínio dessa teoria, ou
não, não depende de subjetividade do avaliador --- ou o aprendiz adquiriu seu
domínio, ou não.
O mesmo ocorre em qualquer outra prática de ensino
formal. Um médico aprendeu, com perfeição, ou não, fazer uma cirurgia cardíaca;
um profissional da aviação aprendeu, ou não, a pilotar com excelência uma
aeronave de linha comercial; e, dessa forma por diante. Caso haja honestidade
no processo avaliativo, inclusive com o uso adequado de seus recursos metodológicos,
não se paira dúvida sobre a qualidade da efetiva aquisição de competência por
parte do aprendiz. No caso, fazem-se presentes padrões objetivos paras ajuizar
sobre a qualidade das aprendizagens teóricas e/ou práticas do aprendiz.
Ao menos na vida estudantil --- e poderá ser
necessária em múltiplas situações da vida humana, que cada um de nós pode
elencar por si mesmo ---, a heteroavaliação passa a ser uma necessidade, pois
que o aprendiz não tem o domínio do conhecimento que está aprendendo, por isso,
não tem como julgar se já tingiu o desempenho qualitativamente positivo naquilo
que está aprendendo. Alguém, um avaliador (na sala de aulas, papel também
exercido pelo professor) --- que deve ter o domínio daquilo que está sendo
ensinado e aprendido --- deverá, comparando o desempenho do aprendiz com o
padrão de qualidade, dizer-lhe se já tem o domínio, ou não, de determinado
conhecimento ou habilidade.
Certamente que isso só será possível se o avaliador
for cuidadoso em sua prática avaliativa, tendo presente os recursos metodológicos
para tanto; ao lado do necessário e insubstituível domínio psicológico sobre
seus pessoais estados emocionais e projetivos, a fim de que cuide para não
entrar em procedimentos de desqualificação (e consequente exclusão) do aprendiz
devido este ainda não ter atingido a maestria em determinado conteúdo, que está
sendo ensinado.
Diferente das possibilidades da heteroavaliação, a
auto-avaliação, onde o sujeito se auto avalia, tanto pode ser condescendente, como
pode ser rígido, em excesso consigo mesmo e com os resultados de sua ação, como
foi assinalado anteriormente neste texto. Também diferente das possibilidades da
heteroavaliação é a opinião, onde cada sujeito tem à sua frente múltiplas
possibilidades de opinar sobre a realidade, segundo o ângulo de sua percepção,
cognitiva, emocional, projetiva....
Usualmente cada um de nós é mais condescendente que
rígido consigo mesmo. Contudo, vale sinalizar que, em muitos segmentos
religiosos aprende-se a ser bastante rígido consigo mesmo.
CONCLUINDO
Nenhum dos três atos avaliativos, sinalizados acima
--- cujo critério que possibilita a sua tipificação é o sujeito que avalia ---,
heteroavaliação, auto-avaliação e avaliação por opinião do participante de uma
atividade deve ser descartado. Cada um deles tem sua validade, desde que se
tenha presente as possibilidades de distorções na qualificação da realidade,
assim como que se tenha presente os cuidados necessários para evitá-las.
Os três tipos de atos avaliativos, sinalizados neste
estudo, que tem por base o “sujeito da prática avaliativa”, são importantes,
cada um em sua modalidade. Importa que, ao praticá-los, se mantenha os cuidados
necessários com a nuances que podem desviar cada um deles de suas significativas
contribuições para a investigação da qualidade da realidade, subsidiando
decisões e investimentos construtivos.
Muito bom, professor. Avaliação é um tema que me inspira, tenho muito a aprender.
ResponderExcluirObrigada, professor, pela inspiração e colaboração com meu processo formativo!
ResponderExcluirParabéns professor sou sua fã e queria muito lê seu livro avaliação da aprendizagem componente do ato pedagogico, porém não estou encontrando
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