112 - REFINANDO OS CONCEITOS DOS ATOS DE EXAMINAR E DE AVALIAR NA PRÁTICA ESCOLAR
Cipriano Luckesi
Em dois recentes
textos, publicados neste blog, tratei de questões relativas às denominações que
atribuímos ao ato de avaliar em educação, na perspectiva de torná-las mais
delimitadas epistemologicamente. Foram eles --- “Tipificação da avaliação em
educação: uma questão epistemológica” e “Heteroavaliação, auto-avaliação e
avaliação por opinião: cuidados metodológicos necessários”, textos com os
números 109 e 110 neste blog, que podem facilmente ser acessados e lidos.
Nesta
oportunidade, desejo aprofundar um pouco mais a relação que estabelecemos entre
avaliação --- que representa um diagnóstico --- e os usos dos seus resultados
como base para decisões variadas. Práticas que geraram as variadas
denominações, que conhecemos, atribuídas à avaliação em educação, como, por
exemplo, as distinções, das quais participei longamente, sobre os atos de “examinar”
e “avaliar” na escola.
No passado,
juntamente com outros pesquisadores da área da avaliação da aprendizagem,
compreendi que os atos de “examinar” e de “avaliar” eram diversos e até mesmo
opostos entre si. Como eram conceituados se manifestavam conceitos e práticas
diversos, e, mesmo opostos, sem mediação entre eles.
Hoje, refinando a
observação e a compreensão da fenomenologia do ato de avaliar em educação --- e
em especial na área da aprendizagem escolar ---, passo a compreender que, tanto
para aquilo que compreendíamos como examinar como para aquilo que
compreendíamos como avaliar, o pano de fundo de ambas as práticas --- a base
conceitual e epistemológica --- é a da avaliação.
Nesse momento,
estou compreendendo que o fator que distingue esses dois modos de agir no
acompanhamento do ensino-aprendizagem escolar, de fato, é o destino --- o uso --- que fazemos dos resultados do ato avaliativo.
Então, (01) aquilo
que usualmente denominamos de “exame” corresponde a um ato de avaliar, cujos
resultados são utilizados para classificar,
selecionar e excluir estudantes; e, (02) aquilo que, comumente, denominamos
de “avaliação da aprendizagem” corresponde também a um ato de avaliar, mas,
cujos resultados são utilizados para reorientar
a ação pedagógica e a aprendizagem dos estudantes escolares, tendo em vista a
obtenção de resultados satisfatórios.
Em ambas as
situações, a base de dados é a mesma --- uma investigação da qualidade da
realidade ---, contudo, os destinos, os usos dos resultados são distintos; e,
no caso, até mesmo opostos, desde que os atos avaliativos denominados de
“exames” excluem e os atos avaliativos que vem sendo denominados de “avaliação”
incluem.
Sintetizando, o
ato de avaliar, então, segue sendo sempre o mesmo, conceitual e
metodologicamente; o fator que distingue uma prática da outra está comprometido
com o uso que se faz dos seus resultados.
No passado,
parecia-me que os atos de examinar e avaliar eram diversos e opostos. Não se
compreendia, naquele momento, que aquilo que era --- e que ainda é ---
denominado de “exame escolar” refere-se ao uso dos resultados de um diagnóstico,
acrescido de uma decisão do gestor da ação pedagógica, no caso, usados para
“classificar, selecionar e excluir”. “Gestor”, aqui, está sendo compreendido
amplamente, seja como o professor em sala de aula, como o diretor da
instituição de ensino, como o sistema de ensino. Afinal, gestor está sendo
compreendido como aquele que dá direção aos destinos do que ocorre na escola.
Então, passo a
compreender que aquilo que denominávamos --- e denominamos ainda --- de “ato de
examinar” expressa um tipo de uso que se fez no passado, e ainda se faz no
presente, do ato de avaliar na ação pedagógica, no caso, usando-o para a
“classificação, seleção e exclusão” de estudantes. Dessa forma, o ato de
examinar não deixa de ser um ato avaliativo.
Meu objetivo,
nesse texto, é tornar compreensível que o ato de avaliar se presta a variadas
possibilidades de usos, tais como: (a) para “classificar, selecionar e excluir”
(comumente denominado de “exame”), (b) para “reorientar a ação”, tendo em vista
seu sucesso (usualmente denominado de avaliação), (c) como também para “premiar
alguém”, ou (d) como para “castigar alguém”; entre outros possíveis destinos.
Em síntese, o ato
de avaliar --- que é único do ponto de vista conceitual e metodológico --- está
na base de múltiplos usos que os gestores da educação (ou gestores de outras
áreas de ação) já fizeram dos seus resultados e que ainda certamente virão a
fazer.
Para uma síntese:
Denominação
|
Ato avaliativo
|
Uso dos
resultados
|
Futuro da ação
|
Exame
escolar
|
Diagnóstico
da aprendizagem, pela investigação de sua qualidade
|
Classificar,
selecionar e excluir
|
Ação
pedagógica encerrada no passo anterior
|
Avaliação
escolar
|
Diagnóstico
da aprendizagem, pela investigação de sua qualidade
|
Reorientar
o ensino e a aprendizagem em busca da satisfatoriedade dos resultados
|
Aberto
a sucessivos investimentos em busca do sucesso
|
Nesse contexto, os
exames escolares, compreendidos no contexto teórico que estamos expondo neste
texto, se davam --- e, ainda se dão --- como uma prática avaliativa, cujos
resultados eram, e ainda são utilizados para “classificar” e, em consequência, para
“selecionar” os estudantes que aprenderam daqueles não aprenderam, destinando
estes últimos à exclusão, praticada predominantemente pela retenção
(reprovação) na passagem de uma classe para a outra, ou, como denominamos hoje,
de uma série para outra mais adiantada curricularmente.
O convite que
tenho feito, em meus escritos e em minhas falas, dirigido a mim mesmo e a todos
os educadores escolares é para que “transitemos do ato de examinar para o ato
de avaliar”, agora, de forma conceitual mais refinada, o convite passa a ser
para transitarmos do uso da avaliação “para classificar, selecionar e excluir”
em direção ao seu uso “para decisões construtivas”, a favor de uma prática
pedagógica consistente e eficiente. Um convite a passar do uso “excludente”
para o uso “inclusivo” dos resultados do ato avaliativo.
Na prática, o
convite não sofre modificações essenciais; contudo, possibilita uma compreensão
mais refinada, conceitual e epistemologicamente, desse componente do ato
pedagógico, que é a avaliação.
Ainda que, há
muitos anos, venha usando a distinção entre examinar e avaliar, como se não
tivessem uma base conceitual e epistemológica comum, sentia dentro de mim um
incômodo por compreender que, de alguma forma, os atos examinativos escolares também
estavam assentados sobre um diagnóstico (ainda que nem sempre realizado com o
rigor metodológico necessário).
Neste momento,
consigo perceber com mais clareza que quilo que distingue as condutas são os
usos que se fazem dos resultados do ato avaliativo: de um lado, “classificar,
selecionar e excluir” e de outro “reorientar os atos de ensinar e aprender”,
tendo em vista a obtenção de resultados satisfatórios.
Certamente que tão
cedo não modificaremos as denominações de “examinar” e “avaliar”, porém,
importa tomar consciência de que o elemento que os diferencia é o uso que
fazemos dos resultados da investigação da qualidade da realidade, no caso, da
aprendizagem dos nossos estudantes.
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