sexta-feira, 9 de setembro de 2016

112 - REFINANDO OS CONCEITOS DOS ATOS DE EXAMINAR E DE AVALIAR NA PRÁTICA ESCOLAR

112 - REFINANDO OS CONCEITOS DOS ATOS DE EXAMINAR E DE AVALIAR NA PRÁTICA ESCOLAR

Cipriano Luckesi




Em dois recentes textos, publicados neste blog, tratei de questões relativas às denominações que atribuímos ao ato de avaliar em educação, na perspectiva de torná-las mais delimitadas epistemologicamente. Foram eles --- “Tipificação da avaliação em educação: uma questão epistemológica” e “Heteroavaliação, auto-avaliação e avaliação por opinião: cuidados metodológicos necessários”, textos com os números 109 e 110 neste blog, que podem facilmente ser acessados e lidos.

Nesta oportunidade, desejo aprofundar um pouco mais a relação que estabelecemos entre avaliação --- que representa um diagnóstico --- e os usos dos seus resultados como base para decisões variadas. Práticas que geraram as variadas denominações, que conhecemos, atribuídas à avaliação em educação, como, por exemplo, as distinções, das quais participei longamente, sobre os atos de “examinar” e “avaliar” na escola.

No passado, juntamente com outros pesquisadores da área da avaliação da aprendizagem, compreendi que os atos de “examinar” e de “avaliar” eram diversos e até mesmo opostos entre si. Como eram conceituados se manifestavam conceitos e práticas diversos, e, mesmo opostos, sem mediação entre eles.

Hoje, refinando a observação e a compreensão da fenomenologia do ato de avaliar em educação --- e em especial na área da aprendizagem escolar ---, passo a compreender que, tanto para aquilo que compreendíamos como examinar como para aquilo que compreendíamos como avaliar, o pano de fundo de ambas as práticas --- a base conceitual e epistemológica --- é a da avaliação.

Nesse momento, estou compreendendo que o fator que distingue esses dois modos de agir no acompanhamento do ensino-aprendizagem escolar, de fato, é o destino --- o uso --- que fazemos dos resultados do ato avaliativo.

Então, (01) aquilo que usualmente denominamos de “exame” corresponde a um ato de avaliar, cujos resultados são utilizados para classificar, selecionar e excluir estudantes; e, (02) aquilo que, comumente, denominamos de “avaliação da aprendizagem” corresponde também a um ato de avaliar, mas, cujos resultados são utilizados para reorientar a ação pedagógica e a aprendizagem dos estudantes escolares, tendo em vista a obtenção de resultados satisfatórios.

Em ambas as situações, a base de dados é a mesma --- uma investigação da qualidade da realidade ---, contudo, os destinos, os usos dos resultados são distintos; e, no caso, até mesmo opostos, desde que os atos avaliativos denominados de “exames” excluem e os atos avaliativos que vem sendo denominados de “avaliação” incluem.

Sintetizando, o ato de avaliar, então, segue sendo sempre o mesmo, conceitual e metodologicamente; o fator que distingue uma prática da outra está comprometido com o uso que se faz dos seus resultados.

No passado, parecia-me que os atos de examinar e avaliar eram diversos e opostos. Não se compreendia, naquele momento, que aquilo que era --- e que ainda é --- denominado de “exame escolar” refere-se ao uso dos resultados de um diagnóstico, acrescido de uma decisão do gestor da ação pedagógica, no caso, usados para “classificar, selecionar e excluir”. “Gestor”, aqui, está sendo compreendido amplamente, seja como o professor em sala de aula, como o diretor da instituição de ensino, como o sistema de ensino. Afinal, gestor está sendo compreendido como aquele que dá direção aos destinos do que ocorre na escola.

Então, passo a compreender que aquilo que denominávamos --- e denominamos ainda --- de “ato de examinar” expressa um tipo de uso que se fez no passado, e ainda se faz no presente, do ato de avaliar na ação pedagógica, no caso, usando-o para a “classificação, seleção e exclusão” de estudantes. Dessa forma, o ato de examinar não deixa de ser um ato avaliativo.

Meu objetivo, nesse texto, é tornar compreensível que o ato de avaliar se presta a variadas possibilidades de usos, tais como: (a) para “classificar, selecionar e excluir” (comumente denominado de “exame”), (b) para “reorientar a ação”, tendo em vista seu sucesso (usualmente denominado de avaliação), (c) como também para “premiar alguém”, ou (d) como para “castigar alguém”; entre outros possíveis destinos.

Em síntese, o ato de avaliar --- que é único do ponto de vista conceitual e metodológico --- está na base de múltiplos usos que os gestores da educação (ou gestores de outras áreas de ação) já fizeram dos seus resultados e que ainda certamente virão a fazer.

Para uma síntese:
Denominação
Ato avaliativo
Uso dos resultados
Futuro da ação
Exame escolar
Diagnóstico da aprendizagem, pela investigação de sua qualidade
Classificar, selecionar e excluir
Ação pedagógica encerrada no passo anterior
Avaliação escolar
Diagnóstico da aprendizagem, pela investigação de sua qualidade
Reorientar o ensino e a aprendizagem em busca da satisfatoriedade dos resultados
Aberto a sucessivos investimentos em busca do sucesso


Nesse contexto, os exames escolares, compreendidos no contexto teórico que estamos expondo neste texto, se davam --- e, ainda se dão --- como uma prática avaliativa, cujos resultados eram, e ainda são utilizados para “classificar” e, em consequência, para “selecionar” os estudantes que aprenderam daqueles não aprenderam, destinando estes últimos à exclusão, praticada predominantemente pela retenção (reprovação) na passagem de uma classe para a outra, ou, como denominamos hoje, de uma série para outra mais adiantada curricularmente.

O convite que tenho feito, em meus escritos e em minhas falas, dirigido a mim mesmo e a todos os educadores escolares é para que “transitemos do ato de examinar para o ato de avaliar”, agora, de forma conceitual mais refinada, o convite passa a ser para transitarmos do uso da avaliação “para classificar, selecionar e excluir” em direção ao seu uso “para decisões construtivas”, a favor de uma prática pedagógica consistente e eficiente. Um convite a passar do uso “excludente” para o uso “inclusivo” dos resultados do ato avaliativo.

Na prática, o convite não sofre modificações essenciais; contudo, possibilita uma compreensão mais refinada, conceitual e epistemologicamente, desse componente do ato pedagógico, que é a avaliação.

Ainda que, há muitos anos, venha usando a distinção entre examinar e avaliar, como se não tivessem uma base conceitual e epistemológica comum, sentia dentro de mim um incômodo por compreender que, de alguma forma, os atos examinativos escolares também estavam assentados sobre um diagnóstico (ainda que nem sempre realizado com o rigor metodológico necessário).

Neste momento, consigo perceber com mais clareza que quilo que distingue as condutas são os usos que se fazem dos resultados do ato avaliativo: de um lado, “classificar, selecionar e excluir” e de outro “reorientar os atos de ensinar e aprender”, tendo em vista a obtenção de resultados satisfatórios.


Certamente que tão cedo não modificaremos as denominações de “examinar” e “avaliar”, porém, importa tomar consciência de que o elemento que os diferencia é o uso que fazemos dos resultados da investigação da qualidade da realidade, no caso, da aprendizagem dos nossos estudantes.







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