Cipriano
Luckesi
Como
temos explicitado em posts anteriores deste blog, a avaliação é um ato de
investigar a qualidade da realidade, revelando-a. Isso significa que o ato de
avaliar se encerra no momento em que revela a qualidade da realidade, de modo
semelhante ao que ocorre com a ciência, que encerra seu papel quando revela o
que é a realidade ou como ela funciona.
As decisões
e intervenções tecnológicas com base no uso dos resultados da ciência, assim
como as tomadas de decisão por parte do gestor de uma ação com base nos
resultados da investigação avaliativa --- seja para investir mais, e mais, até
que os resultados da ação atinjam a qualidade desejada, seja para decidir não
investir mais na ação em curso, aceitando a qualidade dos resultados no nível
em que se encontra --- tem seu fundamento no conhecimento estabelecido pela
investigação.
No
caso da investigação avaliativa, o gestor da ação pode servir-se dos seus
resultados para “diagnosticar” a qualidade dos resultados da ação em andamento,
como também para “aprovar” o resultado final da ação, ou ainda para “selecionar”
pessoas ou bens em função de sua qualidade.
Em
síntese, são três os usos possíveis dos resultados da avaliação, quando ela
está sendo praticada em relação a um sujeito: uso diagnóstico, uso probatório e
uso seletivo.
O USO DIAGNÓSTICO é aquele que, frente à
qualidade dos resultados, subsidia o gestor ada ação proceder correções ou
intervenções no seu percurso tendo em vista “atingir o resultado desejado”.
O USO PROBATÓRIO ocorre quando, após a
coleta de dados e sua qualificação, o gestor da ação decide transformar o
natural processo do ato avaliativo em um ordenamento de todos os participantes,
segundo uma escala de qualidades com variação do superior para o inferior, ou,
ao contrário, do inferior para o superior, definindo uma faixa dessa escala,
dentro da qual se situam os “aprovados” e fora da qual se situam os “reprovados”.
O USO SELETIVO dos resultados da
investigação avaliativa, comumente, está presente em toda e qualquer situação,
onde ocorre a concorrência por uma vaga, como ocorre, por exemplo, nos concursos,
sejam eles públicos ou privados.
Na
sala de aula e na escola em geral, comumente, ocorreriam dois desses usos.
Nessa circunstância, não faz sentido o “uso seletivo”, desde que o estudante já
tem sua vaga garantida na escola. Ele já se encontra matriculado na escola e na
turma de estudantes. Então, restam os outros dois usos possíveis dos resultados
da investigação avaliativa: o uso diagnóstico e o probatório.
Na
sala de aula, o uso diagnóstico dos resultados do ato avaliativo necessita ser
praticado de modo constante na relação professor-estudante, tendo em vista
garantir que o estudante efetivamente se aproprie dos conteúdos ensinados ---
conhecimentos e habilidades. Para tanto, os atos avaliativos, de modo
constante, subsidiam o professor, como gestor da sala de aula, a tomar
sucessivas decisões de tal forma que os estudantes se apropriem dos conteúdos
ensinados. Afinal, essa é a meta da ação de ensinar.
A
orientação dada por Ralph Tyler, pesquisador norte-americano que cunhou, em
1930, a expressão ”avaliação da aprendizagem” era: (1) ensine alguma coisa; (2)
diagnostique a aprendizagem; (3) aprendeu? Ótimo, siga em frente; (4) não
aprendeu, ensine de novo até que aprenda.
Com
essa atitude e investimento, todos os estudantes de uma turma poderão e deverão
chegar ao padrão satisfatório desejado de qualidade. O educador criará e recriará
situações que possibilitem a todos a aprendizagem satisfatória do conteúdo ensinado,
desde que esse é o resultado desejado de sua ação. Ninguém, afinal, age para
obter resultados insatisfatórios. Todos, por natureza, desejamos que nossa ação
produza resultados satisfatórios.
Esse
é o modelo de uso dos resultados da avaliação que a natureza adotou. Nosso
sistema nervoso e todo nosso sistema orgânico adotam esse algoritmo. Mas,
também esse é o uso dos resultados da avaliação que praticamos, de modo comum e
habitual em nosso dia a dia, tendo em vista atingir os resultados que desejamos
em decorrência de nossa ação.
Em
qualquer ação cotidiana, praticada por seres humanos, verificaremos esse fato.
Constantemente, estamos tomando novas e novas decisões, com o objetivo de que
nossa ação efetivamente produza o resultado que desejamos. Basta observar uma
pessoa cozinhando e ficaremos cientes de que ela está constantemente avaliando
a comida que prepara, procedendo correções; o mesmo ocorre com um pedreiro, com
um marceneiro, como um escritor, com um artista, com um cirurgião... com nosso
movimento, andando pela rua de nossa cidade, a todo momento procedemos
correções, tendo em vista chegar ao nosso destino. E, desse modo, todas as
nossas ações.
Contudo, na educação escolar, em função de
razões históricas e sociológicas, já bastante estudadas, inclusive em textos deste
blog, praticamos, quase que com exclusividade, o uso “probatório” dos
resultados da avaliação da aprendizagem de nossos estudantes, esquecendo-nos do
seu uso diagnóstico.
Os estudos
sobre a questão do uso diagnóstico dos resultados da avaliação nos atos de ensinar-e-aprender
já se aproximem de um século. No mundo, substituindo a expressão “exames
escolares”, se fala em “avaliação da aprendizagem” desde 1930, com Ralph Tyler,
USA, e, no Brasil, desde o início dos anos 1970, com os estudos “para” e “em
torno” da Lei 5.692/71.
O
uso diagnóstico subsidia a construção dos resultados desejados; o uso
probatório aprova ou reprova os resultados de uma ação. O uso diagnóstico
subsidia uma ação chegar ao seu final de modo satisfatório, o uso probatório
encerra uma ação.
As
notas escolares --- como usadas cotidianamente, e de forma quase que exclusiva,
em nossas escolas, como recurso de registro do desempenho dos estudantes em sua
aprendizagem --- levam no seu bojo uma distorção do uso probatório dos
resultados da avaliação, no que se refere à necessária aprendizagem, de todo os
estudantes, em todos os conteúdos curriculares, assumidos como necessários à
formação do estudante. A “média de notas”, ao invés de efetivamente revelar a
satisfatoriedade na aprendizagem, revela essa distorção.
Só
para exemplificar e entender essa compreensão, vale um, exemplo. Um estudante
obtém a nota 10,0 (dez) decorrente de seu desempenho na aprendizagem do
conteúdo “adição”, no âmbito da aritmética, contudo, no conteúdo “subtração”,
ele obtém 2,0 (dois). Procedendo-se a média entre as notas obtidas, como ocorre
cotidianamente em nossas escolas, ela será 6,0 (seis), decorrente de 10,0+2,0 =
12,0, que, dividido por 2, = 6,0. Com a média 6,0, o estudante está aprovado,
porém os registros revelam que ele só aprendeu adição. Essa é a distorção do
uso probatório de modo exclusivo.
Então,
importa que nós educadores nos sirvamos, em nossas atividades escolares, da
avaliação constante da aprendizagem dos estudantes e do uso diagnóstico dos
seus resultados, tendo em vista subsidiar nossas decisões a favor da
aprendizagem satisfatória “de todos”, em “todos os conteúdos ensinados”. Então,
a aprovação do estudante em sua aprendizagem (o uso probatório) decorrerá
naturalmente da efetiva aprendizagem satisfatória por parte de todos os
estudantes, decorrente de nosso investimento cotidiano em sua aprendizagem.
O
uso seletivo dos resultados da avaliação permanecerá, como sempre ocorreu, para
os concursos, onde os candidatos concorrem à uma vaga, seja em uma instituição,
seja em uma atividade, seja em um pódio...
O convite
é para que aprendamos, em nossas escolas, a nos servir dos resultados da
avaliação da aprendizagem, como recurso subsidiário do sucesso de todos, assim
como de sua consequente inclusão social. Afinal, todos podem e devem aprender,
fator que garante seu desenvolvimento em direção à vida adulta e em direção a
vida participativa na sociedade. Uma sociedade saudável educa a todos para que
todos aprendam.
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Estava a procura de conteudo assim para o colegio zona norte sp, muito bom
ResponderExcluirMinha dissertação de mestrado vai nessa linha de avaliação. Agradeço muito professor Luckesi.
ResponderExcluirMuito pertinente ao tema que estamos estudando no grupo de estudo do mestrado. Gratidão professor.
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