Para compreender essa temática,
importa compreender o que é avaliar, o que é avaliar a aprendizagem, o
significado do currículo escolar como guia para o ensino e para a avaliação da
aprendizagem; e, por último, uma ponderação sobre a possibilidade de uma prática
da avaliação da aprendizagem na escola.
01. Que é o ato de avaliar?
O ato de avaliar é o ato de investigar a qualidade da realidade pelo
processo de “atribuir valor a”...
O termo “avaliação” tem sua fonte etimológica latina pela junção do
prefixo “a” ao verbo “valere”, que dá “avalere” e significa a “atribuir valor
a” alguma coisa, pessoa, ação...
Qualidade não existe por si, ela é adjetiva e, por isso mesmo, à
semelhança do adjetivo em gramática, ela adere a alguma realidade.
Na gramática, o adjetivo (que expressa a qualidade) adere ao
substantivo (que expressa a realidade); então, o adjetivo (atribuição de qualidade)
só pode existir como adjetivo, se efetivamente aderido ao substantivo (exemplo,
“casa bonita”). Epistemologicamente, se diz que a qualidade “existe em outro”;
ela existe aderida (atribuída) ao ser (aquilo que é), com base em algum
parâmetro.
Quando, na expressão linguística, utilizamos um adjetivo sob a forma de
substantivo --- por exemplo, "beleza" ---, esse substantivo é chamado
de “abstrato”, devido ao fato de que ele não tem realidade, não tem substância;
é uma “abstração”. No caso, é um adjetivo substantivado. O que existe na
realidade é um “objeto ou um ser belo” e não a “beleza”. Por exemplo, “mulher
bela”, “comida saborosa”. “Mulher” existe
(é real), sendo bela ou não; “comida” existe (é real), sendo saborosa ou não.
Já as qualidades --- “bela” e “saborosa”, ou outras quaisquer qualidades ---
não existem por si; são atribuídas à realidade, tendo por base um parâmetro
dessas qiualidades.
A atribuição de uma qualidade a algum objeto, pessoa, ação... decorre
de uma comparação da realidade (descrita pelo substantivo) com um padrão de
qualidade (critério de qualidade).
Por exemplo, quando dizemos “moradia humana” significa que podem
existir vários tipos de moradias; contudo, “esta moradia”, à qual estou me
referindo, é “humana”, pois que estou (01) comparando a realidade física dessa
determinada moradia com (02) um padrão (critério) do que considero “humana”.
Então, à medida que a “realidade física da moradia”, que tenho à minha frente,
“preenche os requisitos do critério do que considero humano”, essa moradia é
considerada, por mim, como qualitativamente “humana”.
Em síntese, o ato de avaliar se assenta sobre dois elementos: (01)
descritiva da realidade através de suas características; (02) atribuição de
qualidade a essa realidade descrita. A expressão “mulher bela” tem a ver com
(01) a existência de “uma mulher”, descrita por suas características, que, (02)
comparada com um critério de beleza (padrão de beleza), nos permite
atribuir-lhe a qualidade de “bela”.
Dessa abordagem epistemológica da avaliação se desprende que “o ato de
avaliar é um ato de investigar a qualidade
da realidade, (01) através de uma descritiva da própria realidade em
avaliação, por meio de suas características, e, em seguida, (02) revelando a
qualidade dessa realidade pela sua comparação com um determinado critério de
avaliação”.
Desse modo, o ato de avaliar tem seu fundamento na realidade daquilo
que se avalia; o ato de avaliar exige, pois, uma descritiva da realidade, como
sua base. Caso contrário, a avaliação será simplesmente a expressão de uma
opinião emocional. Vamos imaginar um médico que não buscasse a descritiva do
quadro físico de saúde de seu cliente e, exclusivamente na base de sua opinião,
lhe atribuísse uma configuração do seu quadro de saúde. Seria uma “opinião” e
não um diagnóstico. Para ocorrer o ato de avaliar, também não basta só
descritiva da realidade, há necessidade, ainda, de um parâmetro de qualidade
aceitável como positiva dessa realidade, a fim de que, por comparação, possa
aquilatar a realidade que tem diante de si.
A consequência do ato de avaliar é dar base para o próximo passo da
nossa ação, tendo em vista obter o melhor resultado.
Todos nós no dia a dia --- e nosso cérebro também atua por si mesmo
dessa maneira --- agimos com base numa investigação da qualidade da realidade,
possibilitando nossa escolha, por mais rápida que seja.
E, a partir da identificação --- por mais rápida que seja --- da
qualidade da realidade, tomamos a decisão de continuar no mesmo caminho que
estamos seguindo ou seguir outro caminho; nas decisões tomadas em átimos de
tempo, nosso sistema nervoso faz isso por nós (quanto ao modo de agir do
sistema nervoso, há necessidade de apropriarmo-nos de outros estudos, tendo em
vista compreender que nossos modos habituais de agir podem nos enganar quanto à
melhor decisão a ser tomada, à media que, por vezes, nossas reações são
simplesmente intempestivas)
02. Avaliação da aprendizagem
Tomando por base a compreensão epistemológica do ato de avaliar, acima
exposto, o “ato de avaliar a aprendizagem dos educandos”, na prática escolar,
implica: (01) em descrever o desempenho factual
do educando num determinado conteúdo (informação, procedimento, conduta
prática, conduta afetiva...) e, a seguir, (02) comparar essa conduta
apresentada pelo educando com um “padrão (critério) de qualidade”, previamente
estabelecido, fato que permitirá afirmar se essa aprendizagem “já é
satisfatória” ou “ainda não”. O resultado do ato de avaliar --- identificação
da qualidade da realidade --- (03) nos possibilita novas decisões no caminho de
nossa ação, tendo em vista chegar aos resultados que desejamos.
Isso significa que o ato de avaliar a aprendizagem dos educandos tem a
função de “investigar a qualidade da sua aprendizagem (aquilo que foi aprendido
e como foi aprendido)”, oferecendo suporte para novas decisões de nossa parte,
como gestores da atividade de ensinar.
Vale à pena, então, sinalizar que não há como “avaliar a aprendizagem
dos educandos” sem que se tenha uma efetiva e adequada “descrição” do seu
desempenho no conteúdo considerado (informação, procedimento, conduta), assim
como sem que se tenha um “critério”, previamente estabelecido, que permita, por
comparação, expressar a sua qualidade. Sem esse algoritmo de procedimento
metodológico, certamente, chegaremos a “opiniões” sobre as condutas dos
educandos, fator que não nos possibilitará decisões consistentes tendo em vista
subsidiar a conquista dos melhores resultados decorrentes de nossa ação.
03. Currículo escolar como orientação para o
ensino e como critério para a avaliação
O currículo escolar traz a configuração do que se vai ensinar, e, dessa
forma, orienta e determina a ação docente, ou, de forma mais simples e direta,
configura e orienta a ação docente. Ao mesmo tempo em que configura o que e como ensinar, configura também o que o educando deve aprender, ou
seja, o critério de qualidade a ser levando em conta no ato de avaliar.
O currículo define o que se vai ensinar, assim como qual qualidade da
aprendizagem será aceitável como desempenho do educando, em sua aprendizagem.
Então, a título de um exemplo ilustrativo. Do ponto de vista do ensino, nas séries escolares iniciais, o
currículo afirma que será ensinada a “operação
de adição em matemática”, ou seja, o educando será ensinado sobre os seguintes
conteúdos: (01) raciocínio aditivo, (02) operação aditiva (fórmula), (03) propriedades
da adição, (04) solução de problemas simples e (05) solução de problemas
complexos (segundo o nível de desenvolvimento dos educandos que estão sendo
ensinados).
No ato de avaliar, que acompanhará eu/ou será subsequente ao ato de
ensinar, buscar-se-á revelar se o educando adquiriu domínio sobre a (01)
“raciocínio aditivo”, (02) “operação aditiva (fórmula)”, (03) as “propriedades
da adição”, (04) solucionar problemas simples de adição, (05) solucionar
problemas complexos de dição, compatíveis com seu nível de desenvolvimento. Ou
seja, no ato de avaliar, buscar-se-á saber com que qualidade o educando atingiu
a aprendizagem desses conteúdos. E, a consequência disso é, se não atingiu a qualidade
desejada, o que se vai fazer para que atinja essa qualidade.
04. Ponderações sobre a questão da necessidade de
um padrão de qualidade na prática da avaliação da aprendizagem escolar em geral, como também na Educação Infantil
É possível praticar a avaliação da aprendizagem na escola sem que se
tenha um padrão de qualidade a ser levado em consideração para atribuir
qualidade ao desempenho do educando?
Certamente que não, a menos que
a atividade escolar não seja orientada por um currículo; e, mesmo quando se
supõe não ter um padrão ou critério de qualidade tendo em vista aquilatar os resultados
da ação pedagógica, ainda se tem um padrão de qualidade, como veremos.
O termo currículo vem da expressão latina curricula, que se referia às guias (uma guia de cada lado) que
determinavam por onde deveriam passar as bigas (carros de corrida) nas disputas
nos estádios romanos. Os curricula (guias)
davam direção por onde deveriam seguir os carros de corrida. Nossos currículos
escolares dão a direção (guia) por onde deve seguir o ensino e,
consequentemente, o que se deve levar em conta para saber se o educando
aprendeu o que foi ensinado.
Se o currículo está posto para orientar o ensino e, consequentemente, a
aprendizagem dos educandos, como também a avaliação do seu desempenho, o
educador terá como sua tarefa conduzir os educandos à aprendizagem dos
conteúdos estabelecidos (desde que ele é o gestor do ensino) e, para ter
ciência se os educandos aprenderam o que ensinou, terá que praticar a avaliação
tendo como critério de qualidade as configurações do currículo estabelecido.
Praticar a avaliação, sem que se tenha um padrão de qualidade,
configurado pelo currículo conscientemente formulado, poderá ser uma
investigação aberta sobre as condutas dos educandos, da forma como elas
ocorrem, tendo por base a ausência de
um currículo explicitamente definido.
Nesse caso, poder-se-ia dizer que o “currículo” dessa escola é “a
ausência de currículo”, pois que será essa “ausência” que guiará tanto as
atividades pedagógicas do ensino quanto as atividades da avaliação.
No caso, a avaliação, propriamente, não será uma investigação da qualidade
da aprendizagem dos educandos, mas sim uma investigação de seu modo de se
conduzir espontaneamente (isto é, sem um guia para conduzir a determinadas condutas
desejadas)
Poderá existir uma escola sem currículo? Uma escola que, como sua
filosofia, assume a abolição de um currículo que guie as condutas dos docentes
e dos discentes, assume como seu currículo “a postura de não ter currículo”, ou
seja, educadores atuarão livremente ao seu sabor, ou ao sabor do que emergir
entre os educandos, e, então, os educandos serão avaliados em suas condutas sem
um parâmetro (ou critério) preestabelecido.
No caso, levar-se-á em consideração o que estiver acontecendo e não o
que se deseja que aconteça. Mais do que uma prática avaliativa, que tem por
base, um parâmetro de qualidade, ocorrerá somente uma descritiva das condutas
emergentes.
No caso da Educação Infantil, por exemplo, de zero a dois anos (mas,
poderia ser em qualquer outra faixa etária; estamos tomando essa faixa etária,
por ser a mais tenra), poderá parecer que não existe a possibilidade de se ter
um currículo configurado, devido a tenra idade; contudo, os profissionais que
atuam nesse nível de atendimento de crianças deverão conhecer e ter presente os
parâmetros do que, através de estudos científicos, se denomina de “desenvolvimento
normal de crianças nessa idade”, tanto para (01) dar forma aos cuidados que
necessitam de realizar com essas crianças, como (02) para observar as expressões
de seu modo de ser e agir, tendo em vista, se necessário, novos e mais específicos
cuidados.
Em síntese, no ato de avaliar, não há possibilidade de não se ter um
critério ou padrão de qualidade previamente definido, seja ele plenamente consciente,
medianamente consciente ou até inconsciente, como ocorre no feeling (orientação adequada de uma
conduta) ou até mesmo no senso comum (orientação cotidiana de uma ação, sem um
senso crítico específico).
O padrão de qualidade é um componente, epistemologicamente, constitutivo do ato de avaliar
O padrão de qualidade é um componente, epistemologicamente, constitutivo do ato de avaliar
================================================
Nenhum comentário:
Postar um comentário