segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

98. CONDIÇÕES DE ENSINO E ATIVIDADE PEDAGÓGICA

Cipriano Luckesi


Ainda que componentes da prática educativa escolar --- condições de ensino e atividade pedagógica --- estejam intrinsecamente comprometidos entre si, são distintos. Caso não consigamos, a meu ver, conscientemente praticar essa distinção, pior para a prática pedagógica n a sala de aula, que demanda atenção e cuidados.

“Distinto” não quer dizer “separado”. Distinto, no caso, quer dizer que --- condições de ensino e a atividade pedagógica --- são componentes diferentes na prática da educação escolar, ainda que articulados. E, nesse contexto, que podem e --- creio eu --- devem, por vezes, ser abordados conjuntamente e, por vezes, ser abordados por focos e momentos diferentes.

Por condições de ensino, vamos compreender as políticas públicas voltadas para a educação escolar; as condições físicas e materiais de nossas escolas (prédio escolar, mobiliário escolar, biblioteca, recursos necessários para a gestão da escola, manutenção dos prédios, manutenção dos espaços físicos para atividades como merenda escolar, sanitários...); política de contratação de profissionais para a educação; recursos materiais de ensino; a manutenção e salários dos professores; entre outras. Por prática pedagógica, vamos compreender o que ocorre e deve ocorrer no espaço escolar como um todo: pátios, jardins, campos de esporte, corredores, sanitários...; e, sem sombra de dúvidas, especificamente, dentro das salas de aula, lugar onde educadores e educandos investem nos atos de ensinar-aprender conteúdos curriculares, cognitivos, afetivos e psicomotores.

No caso, nós, profissionais do ensino, necessitamos estar atentos aos dois grupos de componentes da prática educacional escolar, seja àqueles que se destinam a subsidiar condições para o ato pedagógico, seja àqueles que se destinam ao ato pedagógico propriamente dito.

Ainda que esses componentes estejam comprometidos com todos os educadores, as instâncias que respondem por esses componentes dão-se em espaços físicos e administrativos diferentes.

Não tem como reivindicar melhores condições de ensino e de salários dentro das salas de aula, enquanto praticamos a docência; como, por outro lado, não temos como ministrar aulas aos nossos estudantes nas reuniões dos nossos sindicatos ou nas reuniões dos grupos organizados da sociedade civil (partidos políticos, sociedades civis, igrejas...). Em síntese, ainda que articuladas, as atividades organizativas/reivindicatórias e as atividades pedagógicas dão-se em espaços e momentos organizacionais diferentes.

Acredito que devemos manter e sustentar nosso movimento organizado para garantir condições satisfatórias para a educação escolar, como também devemos nos mobilizar para que nossos atos pedagógicos se realizem com a melhor qualidade possível. Não podemos realizar nossas reivindicações por melhores condições de ensino no espaço da sala de aula, em si; por outro lado, também não podemos dar aulas, comprometidas com o currículo escolar, nos espaços socialmente destinados às atividades de organização da categoria profissional, ou de organizações políticas.

Em síntese, a meu ver, ainda que esses componentes --- condições de ensino e ato pedagógico --- existam de modo articulado, são distintos e merecem tratamentos distintos em espaços distintos. A sala de aula não será o lugar mais adequado para o ativismo político e social, como também as organizações da sociedade civil e os sindicatos não serão espaços para atividades didático-pedagógicas curriculares.

Desse modo, vamos reivindicar melhores e mais adequadas condições para o ensino (necessitamos delas, com certeza) e vamos atuar pedagogicamente na sala de aula, para que nossos educandos aprendam, da melhor forma possível, aquilo que necessitam aprender, configurado nos currículos escolares.

No contexto dessa compreensão, a meu ver, nossa militância política e a militância no espaço de nossa categoria profissional se darão nos espaços das organizações da sociedade civil e nos sindicatos; nossa atividade pedagógica se dará dentro da sala de aula.

A meu ver, ainda que sejamos o mesmo sujeito, com a mesma formação e a mesma postura político-social, esses dois tipos de atuação estarão se dando em espaços distintos e com finalidades distintas.
Então, cabe a pergunta: que papel político exerce a sala de aula sobre a cidadania, se ela atua, de modo distinto, ainda que não separado, da busca de melhores condições para o ensino?

No espaço interno da sala de aula, não haverá eco nem possíveis respostas para nossas reivindicações. Nossos estudantes não poderão responder a elas. Então, alguém poderá dizer: “Mas, estarão do nosso lado”. E eu diria: “Do nosso lado, mas sem cumprir o que vieram fazer dentro da sala de aula, que é aprender os conteúdos curriculares, tendo em vista se formarem como sujeitos e cidadãos”.

Então, poder-se-á, revidar mais uma vez: “Como aprenderão a ser sujeitos e cidadãos com os conteúdos curriculares?” Então, retorno ao que sinalizei na terceira parte do último post deste perfil no Facebook --- “Aprendizagem e operação conjunta dos três segmentos funcionais do cérebro” ---, onde propus que importa ao educador atuar em sala, integrando todos os segmentos funcionais do cérebro ou com as três camadas embrionárias, de modo integrado e harmônico. Desse modo, cada conteúdo do ensino-aprendizado será a base para a formação do sujeito e do cidadão como um todo. Conteúdos ensinados e aprendidos dessa forma subsidiarão cada estudante para ser o que deve ser em sua vida adulta.

Então importa, como educadores, tanto investirmos significativamente nas instâncias reivindicatórias como na sala de aula. Como educador, sempre participei das duas instâncias; hoje, na condição de professor aposentado, menos na sindical. Como estudioso e pesquisador, ainda que sempre tivesse presente os componentes condicionantes do ensino, dediquei-me a compreender e a encontrar entendimentos, como também práticas, que dessem suporte à atividade pedagógica; daí que meus escritos e comunicações estejam mais focados nessa faceta do ensinar-aprender.

Esse posicionamento tem um significado. Não será a primeira vez que estarei tocando nesse tema, assim como tocaram outros pesquisadores em educação, tais como Carlos Roberto Jamil Cury, Dermeval Saviani, José Carlos Libâneo, entre outros. Também já escrevi sobre esse tema em outras ocasiões.

A educação, por si, não salva a sociedade; nem, por si, é o seu único reprodutor. Ele se dá no seio da trama de todas as interações sociais e, desse modo, tanto pode colaborar para a reprodução social, como pode atuar a favor de sua transformação. Dependerá da filosofia que seja traduzida através dos atos pedagógicos diários.

Como outros --- e creio estar acompanhado dos autores que citei acima e, de mais um, o militante político Antônio Gramsci –- acredito que uma educação, onde os educandos “aprendam a conhecer” (aquisição de conhecimentos emergentes das diversas áreas científicas e culturais), “aprendam a fazer” (fazeres práticos necessários ao cotidiano e à sobrevivência), “aprendam a viver juntos” (aprendizagem da convivência e do respeito ao outro e ao diferente, seja pela etnia, nacionalidade, religião, país...), e, por último “aprendam a ser” (aprendizagem que, em cada ato, integra segmentos cerebrais reptiliano, límbico e neocortex, num todo de cognição, afeto e ação) (nota 01).

E, então, educandos que efetivamente se apropriem de aprendizagens com as qualidades indicadas pelos educadores, reunidos pela Unesco, tendo em vista traçar objetivos para a educação no século que se iniciava, terão em suas mãos recursos que contribuirão para a busca da equalização social. A educação escolar, com a qualidade satisfatória em termos das aprendizagens dos educandos, não fará sozinha a transformação social, mas será um dos fatores importantes para tanto.

Daí o fato de tantos pesquisadores em educação investirem no âmbito da compreensão e da prática pedagógica, como eu, ao lado de muitos outros que investem no âmbito das condições de ensino. Há lugar para todos e necessitamos de todas essas contribuições para compreender e atuar em educação.


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(01)    Ver o texto “Educação: um tesouro a descobrir”, relatório da Unesco para a educação do século XXI, para a elaboração do qual representantes de educadores do mundo todo se reuniram para traçar uma direção para o século que estamos vivendo, onde estão indicados esses quatro objetivos, aqui mencionados.


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OBSERVAÇÃO – Na aba direita deste blog está publicado o índice de todos os textos publicados neste perfil. O leitor poderá cotejá-lo, escolhendo conteúdos que possam interessar-lhe.








sábado, 5 de dezembro de 2015

97. APRENDIZAGEM E OPERAÇÃO CONJUNTA DOS TRÊS SEGMENTOS FUNCIONAIS DO CÉREBRO.

Cipriano Luckesi

INTRODUÇÃO

Nos textos que postei recentemente aqui no facebook, como também no blog que mantenho na rede, tenho sinalizado a importância da articulação funcional entre os três segmentos funcionais do cérebro humano, tomando por base a teoria do cérebro trino, elaborada por Paul MacLean. Quando cada um dos segmentos evolutivos do nosso sistema nervoso atua por si mesmo, em separado, ele produz algum resultado, contudo ele não se apresenta nem como o melhor nem como o mais rico dos resultados, caso que ocorreria se os três segmentos atuassem articuladamente.

Então, a aprendizagem será o recurso que poderá auxiliar-nos no uso mais rico dos três segmentos funcionais do cérebro de modo articulado e harmônico, possibilitando, ao mesmo tempo, compreender, teorizar e projetar o que fazer (neocortex), com tonalidades afetivas que conduzem a ação para a frente e com vitalidade para o movimento. Com os três segmentos atuando conjuntamente, temos uma ação plena do ser humano, entendimento, sentimento e ação.

Essa compreensão do funcionamento harmônico dos três segmentos cerebrais nos remete fenômeno das três camadas embrionárias do ser humano: endoderma, mesoderma e ectoderma.

O endoderma, no processo formativo no decorrer do percurso da gravidez --- passando do embrião ao bebê, com a mediação do estágio do feto ---, forma nossas vísceras, que David Boadella (nota 01) sinaliza ser a sede de nossos sentimentos. O mesoderma é responsável pela formação do nosso esqueleto e nossas massas musculares; recursos de nossa sustentação e de nossos movimentos. E, por último, ectoderma, responsável pela formação do nosso sistema nervoso, incluindo a capacidade de pensar, refletir e projetar.

Pensar (ectoderma), sentir (endoderma) e agir (mesoderma) são componentes fundamentais da vida humana. Sem pensar, nosso modo de viver não teria significado e direção; sem sentir, nosso agir --- seja ele qual for --- será sem sabor; sem o movimento, nosso agir não existiria, desde que ele depende de forças tendo em vista garantir a ação.

Hoje, adultos, necessitamos do funcionamento harmônico dessas três camadas embrionárias do ser humano, que correspondem aos três segmentos funcionais do nosso sistema nervoso --- reptiliano (movimento) límbico (sentimentos e emoções), neocortex (pensamento, razão).

Quando não estão harmônicos, tanto os segmentos funcionais do cérebro, como as camadas embrionárias constitutivas do ser humano, cada um por si atua, quebrando a harmonia. O pensamento vai para um lado, o sentimento para outro e o agir (coitado!) endoidece. Ou seja, nada de harmonia.

Qual o caminho para criar a harmonia entre os segmentos funcionais do cérebro, assim como entre as três camadas embrionárias que deram forma ao nosso corpo, assim como ao nosso modo de ser e de viver? A meu ver, a aprendizagem. Afinal, somos e agimos como aprendemos a ser e a agir.

A aprendizagem pode decorrer das exigências do meio ambiente, a ação educativa de nossos pais, parentes, vizinhos, padres, pastores, professores, professoras, agentes comunitários... Entre todos os agentes do ensino, nós, educadores escolares, temos uma responsabilidade a mais: somos contratados e destinados profissionalmente a ensinar. Esse é o nosso papel.

Então, desejo sinalizar alguns cuidados necessários nos atos de ensinar, que conduzem ao aprender.

Aprender significa “tomar posse conceitualmente da realidade”, isto é, compreender o que é determinada realidade, como ela funciona, qual a sua qualidade, como é possível atuar com ela.
A investigação esclarece a realidade (traz luz, traz o “claro” sobre ela); a aprendizagem se apossa da compreensão da realidade, que emerge do esclarecimento. Ensinar significa que alguém, tendo a posse da compreensão da realidade, possibilita que o outro também tenha a posse do mesmo esclarecimento.

Portanto, para que alguém ensine, importa que ele tenha a posse do conteúdo que ele ensina. Não há como alguém ensinar o outro, se não tem a posse do conhecimento que deseja ensinar, seja esse conhecimento teórico ou prático. Existe um ditado popular que diz que “ninguém dá o que não tem”.


PASSOS NO ENSINAR-APRENDER

Então, como se dá o algoritmo do ensino-aprendizagem? É um caminhar que vai da ação predominante de quem ensina para a ação predominante de quem aprende. No início, há o predomínio de quem ensina, e, no final, o predomínio de quem aprende. Nos atos de ensinar-aprender, ocorre um trânsito do predomínio de quem ensina para o de quem aprende (nota 01).

Ensina quem transmite um conhecimento. Então, ensina o professor na sala de aula, cuja mediação é sua fala e sua orientação; ensina o autor de um livro, que partilha seu conhecimento através de uma comunicação escrita e impressa; ensina o autor de um dicionário, de uma matéria de jornal.... Afinal, o ensino pode ocorrer através de muitas mediações. Em síntese, ensina quem já detém a posse de um conhecimento e o transmite a alguém que vai aprender.

Todavia, importa esclarecer, que o ensino, na sala de aula, tem uma nuance que as outras formas de ensino, acima citadas, não têm --- a orientação para aprender. Na sala de aula, o professor não só transmite o conhecimento (seja através de sua fala, seja através da proposição de uma leitura, de um estudo, a assistência de um documentário...), mas, ao mesmo tempo, está presente e atuante, para que, o estudante se aproprie compreensiva e praticamente do que está transmitindo.


I - O PRIMEIRO PASSO NO ATO DE ENSINAR-APRENDER É A EXPOSIÇÃO DO CONTEÚDO A SER APRENDIDO.

O ato de ensinar de inicia pela exposição. Expor significa “colocar diante de...”; expressão que tem sua origem no verbo latino “exponere” (que significa “colocar diante de...”).

Todavia, importa estar ciente de que “expor” não significa “ensinar”. Exposição nada mais significa que exposição, isto é “colocar alguma coisa diante de alguém”.

Nesse passo do ato de ensinar-aprender, o educador tem o papel predominante: ele traz o conteúdo e o expõe, seja por que meio de comunicação for; o meio mais comum na escola é sua fala e sua orientação de e para o estudo; ele conduz a apresentação do tema. Ele coloca diante do estudante o conteúdo a ser aprendido. Esse “colocar o conteúdo diante do estudante” poderá ser realizado também pela orientação de uma leitura, pela assistência de um documentário, de um filme, pela consulta a uma enciclopédia, entre outros meios. Evidentemente que essa exposição deve se processar de forma didática, isto é, de forma facilitada à compreensão e a assimilação do conteúdo exposto, a fim de que o estudante possa acompanhar os passos da apresentação do conteúdo.


II – O SEGUNDO PASSO É A ASSIMILAÇÃO DO CONTEÚDO EXPOSTO

Esse é o segundo passo do ato de ensinar-aprender, que poderá ocorrer de forma articulada e simultânea com o primeiro passo, ou seja, enquanto se expõe um determinado conteúdo, simultaneamente, se auxilia o educando a compreender o que está sendo exposto. Essa arte dependerá de cada educador, assim como do meio de comunicação que está utilizando para proceder a assimilação do conteúdo. Em todo caso, importa estar ciente de que a exposição de um conteúdo exposto e não assimilado, do ponto de vista do ensino, é uma inutilidade.

O termo “assimilar” significa “tornar igual a si”; o termo “assimilar” vem do latim “a-simile”, que equivale a “tornar semelhante a si”. Quando se fala em “assimilar um alimento” entende-se que “o alimento se tornou igual ao sujeito que dele se alimentou” (o alimento ingerido tornou-se plasma, assim como outros componentes vitais do corpo de que o assimila). Assimilar um conteúdo significa torná-lo semelhante a si mesmo, para seu próprio uso; n o caso do ensinar-aprender, assimilar um conteúdo significa torná-lo próprio, através dos próprios recursos de entendimento e de linguagem.

No cotidiano, quando alguém está nos explicando alguma coisa, dizemos: “ Espera um pouco; deixa ver se entendi bem o que você está falando”; então, repetimos o que o outro comunicou com nosso entendimento e nossa linguagem; e, nosso interlocutor nos dirá, “Correto, é isso mesmo” ou nos dirá “Você ainda não compreendeu bem o que lhe expus, vou expor de novo”; e, então, nesse caso, nos exporá de novo sua compreensão, criando condições para que assimilemos aquilo que está a nos dizer.

Jean Piaget denominava esse processo de “assimilação-acomodação”, o que desejava dizer que, à medida em que um sujeito assimila um conteúdo (= tornado igual si), acomoda-se à uma nova experiência (= a conduta aprendida). Sai do estágio de entendimento em que se encontra e acomoda-se num novo patamar.

Aliás, esse é verdadeiro significado do termo “didática”, cuja origem etimológica vem do verbo grego “didasko”, que significar ensinar, isto é, “facilitar a apropriação de um determinado conhecimento”, ou esclarecimento da realidade.

Muitos poemas gregos foram caracterizados como “didáticos” devido terem por finalidade facilitar a aprendizagem dos seus respectivos conteúdos. Os poemas da “Odisseia” e da “Ilíada”, da autoria do Homero, tinham por objetivo facilitar a apropriação dos acontecimentos fundamentais da mítica história grega; e, dessa forma, deveriam, como cânticos didáticos, ensinar ao povo grego o seu caminhar pelo tempo e a sua glória.

Nesse passo do processo de ensinar e aprender, existe uma dança entre ensinante e aprendente, um diálogo, de tal forma que o aprendente se apropria daquilo que o ensinante expõe. Não basta só a exposição, mas sim a interlocução entre quem ensina e quem aprende.

Nesta situação, o centro de força de atuação dos personagens no processo de ensinar-aprender deixa de ser exclusivamente de quem ensina e é divido com que aprende. Importa, pois, que, simultaneamente, o ensinante esteja apresentando um conteúdo e o aprendente compreendendo-o, assimilando-o, tornando-o seu.

Sem esse ponto de partida constituído pelos dois primeiros passos do ato de ensinar-aprender --- apresentação/compreensão/assimilação do conteúdo --- não haverá aprendizagem. Um aprendente só aprende aquilo que compreende e assimila, isto é, propriamente, torna seu, igual a si.

Então, tendo em vista efetivamente ensinar, o educador necessitará estar atento a esse passo da dinâmica de ensinar-aprender, isto é, que, efetivamente, seu aprendiz tenha se apropriado compreensivamente do que expôs (por qualquer meio que tenha ocorrido a exposição).

Reafirmando, nesse passo do ensinar-aprender deve ocorrer um equilíbrio na dinâmica entre educador e estudante. Educador e estudante brincam numa gangorra em termos de quem está mais, ou menos, ativo; em um momento o ensinante e, no momento seguinte, o aprendente e, desse modo, sucessivamente.

Deste passo em diante, no processo do ensinar-aprender, o predomínio do sujeito ativo no binômio ensinante-aprendente será do aprendente. Ele deverá ser sempre o sujeito ativo, de tal forma que “torne efetivamente seu o conteúdo que está sendo ensinado e que está aprendendo”. 

Desse momento, em diante, o educador terá um papel auxiliar, observando o desempenho do aprendiz (avaliação) e reorientando-o quantas vezes forem necessárias, até que o necessário estabelecido curricularmente seja aprendido. O educador --- como educador --- já deve ter a posse do conteúdo que ensina; quem aprende esse determinado conteúdo é o estudante; por isso, no processo de ensinar-aprender, deste passo em diante, o ator fundamental é o estudante, pois que é ele quem deve aprender. O educador passa a ser seu auxiliar no caminho da aprendizagem. O estudante será o sujeito ativo de sua aprendizagem.


III - O TERCEIRO PASSO DO ATO DE ENSINAR-APRENDER: A EXERCITAÇÃO.

Após assimilado um determinado conteúdo, para que ele se torne uma compreensão ou uma habilidade do aprendente, importa que ele seja exercitado. Não existe aprendizagem verdadeira sem exercitação, sem sua apropriação ativa. O ser humano é um ser ativo e, por isso, aprende ativamente.

A estrutura neurológica do ser humano é complexa, como vimos sinalizando nos últimos posts deste perfil no Facebook. Nosso sistema nervoso é composto por aproximadamente 100 milhões de células nervosas --- neurônios --- e cada uma delas pode realizar mil conexões, --- sinapses ---, que criam o algoritmo neurológico que sustenta uma aprendizagem, um hábito; propriamente a memória de um entendimento ou de um modo de agir ou de fazer alguma coisa (registro permanente de um conhecimento, de uma habilidade que, na necessidade, pode ser acessado).

Os algoritmos de nossas aprendizagens constituem-se de sequências, lineares ou ramificadas, de conexões entre os neurônios, constituindo nossa memória, que para tanto, exigem muitas e muitas atividades. À medida que necessitamos de um desses conhecimentos, tendo em vista responder a uma solicitação externa --- venha ela de uma pessoa ou de uma circunstância ---, toda a rede neurológica relativa a ele se “acende” e, então, “respondemos”, o que significa agir com os recursos do que fora aprendido.

Cada um de nós possui múltiplos conhecimentos e múltiplas habilidades, que constituem nossas capacidades, que, quando necessário lançamos mão delas. Elas foram construídas pela exercitação articulada com a compreensão, permanecem latentes e são “acordadas” nos momentos que delas necessitamos.

Existem pelo menos três modalidades de exercitação: (01) a exercitação de aquisição e fixação de uma aprendizagem (exercitação repetitiva); (02) a exercitação de aplicação (quando, após uma aprendizagem, experimenta-se aplicar esse conhecimento em experiências paralelas); e (03) a exercitação de recriação (quando o estudante é estimulado a agir e arrisca a recriar alguma coisa com base naquilo que aprendeu).


01 - Exercitação de aquisição e fixação de uma aprendizagem.

À medida que um conteúdo qualquer foi (01) exposto e (02) compreendido, para que ele se sedimente na memória neurológica, importa que ele seja (03) exercitado para a garantia da aquisição e fixação como um algoritmo na memória do aprendente. Então, quando necessário, poderá ser acessado.

O leitor poderá tomar qualquer conteúdo que conhece e que sabe agir a partir dele e verá que o aprendeu pela compreensão/exercitação e poderá acessá-lo quando dele necessitar. Esse conhecimento pode ser dirigir um automóvel, utilizar uma máquina fotográfica, um celular, fazer uma exposição, escrever uma carta, escrever um bilhete, dirigir-se a algum lugar da cidade, consultar um mapa, fazer uma determinada cirurgia no caso de um médico-cirurgião; fazer um implante dentário, no caso de um odontólogo...

Frente a isso, nós, educadores, necessitamos estar cientes que não basta expor um determinado conteúdo para que os estudantes tenham, de fato, aprendido. Para além da exposição, há necessidade da compreensão e da exercitação, em primeiro lugar, de “repetição”, repetição compreendida, evidentemente, de um determinado conteúdo. Muito para além de uma repetição mecânica, a exercitação de aquisição e fixação de um conteúdo é ativa e compreendida. Nada de mecânica.

No início, qualquer aprendizagem é exigente. Lembrem-se de quanto se iniciaram na escrita e na leitura. Como era complicado escrever letras como “q”, “b”, “f”. Hoje, adultos, cada um de nós escreve ao seu jeito e sem nenhuma necessidade de pensar como são essas letras. A escrita tornou-se habitual. Mas... no período de nossa alfabetização, essas letras não eram nada fáceis de serem grafadas.

Como professores, ensinando em sala de aula, importa subsidiar os estudantes com exercícios em torno dos conteúdos com os quais trabalhamos, se desejamos que, efetivamente, eles aprendam, isto é, que tomem posse do conhecimento. Os estudantes aprenderão (adquirirão) um determinado conteúdo através da articulação entre recepção do conteúdo, sua assimilação e sua exercitação.


02 - Exercitação de aplicação

O segundo modo de exercitação é a aplicação. Após ter aprendido um determinado conteúdo, um determinado modo de fazer alguma coisa, importa ampliar as possibilidades desse conhecimento adquirido e isso pode e deve ser realizado pelos exercícios de aplicação. Aplicar significa que já detém um conhecimento ou uma habilidade e, por isso, pode-se aplica-lo ou aplica-la

Após ensinar e um estudante aprender, nós educadores em sala de aula, podemos e devemos propor exercícios de aplicação. Exercícios que possibilitem ampliar a compreensão já adquirida, alargando as possibilidades de uso.

Por exemplo, o estudante aprendeu a operar com a adição e já exercitou praticar essa operação na solução de alguns problemas. Então, a pergunta é: que novos problemas podem ser solucionados com essa operação? O estudante aprendeu a analisar sintaticamente uma oração com verbo transitivo direto, que outra (ou outras orações) poderá analisar com esse recurso? Alguém aprendeu fazer bolo com suco de maçã; será possível fazer um bom bolo com suco de cenoura? Como?

Exercícios de aplicação implicam que o estudante, após adquirir um conhecimento, aplica-o em problemas paralelos àquele com o qual o adquiriu. A aplicação amplia e sedimenta a possibilidade de um determinado conhecimento adquirido.


03 - Os exercícios de recriação

Para além dos exercícios de aplicação, existem as possibilidades de recriar o que já fora criado no passado, ensinado e aprendido. Essa recriação possibilita que o aprendiz observe o algoritmo de criação de alguma coisa desde os seus inícios. Os exercícios de aquisição e fixação de conhecimento, como também o de aplicação, ocorrem devido o professor ter elaborado e posto o desafio para que o aprendiz o resolva, ao passo que o exercício de recriação implica que o estudante se coloque a possibilidade de recriar a solução já aprendida frente a algum desafio novo, que se apresenta a ele como um desafio ou que ele coloca a si mesmo.

O professor, então, não deverá propor problemas que exijam recriação? Claro que sim. Deverá saber quando propor essas questões, desde que devem ser compatíveis com as possibilidades dos estudantes. Deve mesmo ter consciência da necessidade desse passo na aprendizagem e, então, propor aos estudantes problemas que possibilitem e recriação de determinados conhecimentos.

Evidentemente que a recriação de um conhecimento exige muito mais do que a simples exercitação para aquisição e fixação do conhecimento, como também exigirá muito mais que os exercícios de aplicação. Aqui haverá necessidade do conhecimento e da exercitação de um processo por inteiro e não de partes de um todo. Este exercício implica no algoritmo inteiro de um conteúdo ou de uma ação, o que exige muito mais do que a dedicação à uma ou outra de suas partes.


IV – O QUARTO PASSO É A CRIAÇÃO DE ALGO NOVO

O cabedal de conhecimentos que foi construído e sedimentado ao longo do tempo serve de base para vivermos bem, como também de base para novas aquisições e para novas criações; porém, aqui e acolá, ouvimos também dizer que alguém, que nunca estudou, criou alguma coisa muito nova. De fato, temos um ou outro episódio em que um sujeito tem uma intuição, contudo, não sabe como realiza-la.

Nesse caso, terá que buscar as bases (conhecimentos) que possibilitem dar “materialidade”, forma e consistência, à sua intuição.  As criações novas ou se assentam sobre uma base cognitiva já existente do seu autor, ou vai exigir esforço para que essa base seja construída. Não há como sustentar uma intuição nova sem base cognitiva.

Na história humana, existem exemplos das duas possibilidades. De um lado, estão aqueles que, de tanto se dedicarem a um campo de conhecimentos, passaram a servir-se de seus próprios conhecimentos, já sedimentados, para criar novas e novas soluções. Se diz, popularmente, que um talento atrai outro talento.

De outro lado, existem aqueles que tem intuições, mas não tem a posse de suportes teóricos e práticos para dar corpo à sua intuição. Nesse caso, necessitará de investimentos para adquirir essa base ou solicitará auxílio de outro que poderá dar suporte à materialização da sua intuição. Uma intuição, para ganhar forma, necessitará de suporte cognitivo e, portanto, de investimento.

Tendo presente esses dois lados, sabemos que um sujeito que se especializou em algum campo de conhecimento terá muitas e muitas possibilidades de, de um lado, identificar carências de conhecimentos, lacunas, e, de outro, criar soluções novas no seu campo de atuação. No outro extremo, o sujeito que tem uma intuição, mas não tem a posse de compreensões teórico-práticas suficientes para levar à frente sua intuição, ou vai solicitar ajuda de quem pode dar-lhe suporte, ou vai aprender os conhecimentos necessários para que sua intuição ganhe forma e materialidade.

Não existe criação do nada. Se diz teologicamente que Deus criou o mundo do nada. Mas, isso só teria se dado uma vez. Após esse ponto de partida, toda criação se sustenta numa base anterior existente. Caso não conheça uma solução para minha intuição, necessito buscá-la.

Nosso investimento, como educadores escolares, tem a ver com o fato de garantirmos aprendizagens significativas aos nossos estudantes, de tal forma que eles as possam utilizar no momento em que tiverem necessidade delas. Se diz que Bill Gates e Steve Jobs fugiram da escola e foram, ou são, empresários bem-sucedidos. Importa lembrar que as intuições de ambos sempre foram sustentadas por conhecimentos de engenheiros e técnicos que deram forma às suas percepções, visões e intuições. No caso, não devemos, creio eu, apostar nas exceções, mas sim na totalidade dos nossos educandos, por isso, seguir o algoritmo do ensinar-aprender, aqui exposto, pode ser um caminho consistente para atuar junto aos nossos estudantes, a fim de que, em aprendendo, tornem-se o que terão que se tornar na vida adulta.

Então, em síntese, o caminho do ensinar-aprender vai do expor (01), passando pelo compreender/assimilar (02), exercitar (de forma repetitiva, aplicativa e re-criativa)(03), chegando a criação do novo conhecimento(04).

Cada educador deverá ter o bom senso de saber quando passar de um passo para om outro --- especialmente os passos relativos aos exercícios de re-criação de conhecimentos anteriores, assim como aqueles relativos à criação de novos conhecimentos --- desde que esses são passos mais exigentes em termos de base, invenção e materialização de algo novo.


APRENDIZAGEM E ARTICULAÇÃO ENTRE OS TRÊS SEGMENTOS DO CÉREBRO

A aprendizagem necessita ser ativa, desde que o ser humano é ativo, mas, ao mesmo tempo, necessita ser harmônica em termos da integração, seja dos três segmentos cerebrais, seja das três camadas embrionárias constitutivas o ser humano.

Em cada prática de ensinar e aprender, importa que reptiliano, límbico e neocortex estejam atuando ao mesmo tempo e harmonicamente. O mesmo deve ocorrer com as três camadas embrionárias; “pensar, sentir e agir” necessitam atuar conjuntamente, a fim de a aprendizagem não se torne um frankstein: “pensamento, sem sentimento”; “sentimento sem pensamento”; “pensamento sem sentimento e sem ação”; “ação, sem sentimento e sem pensamento”... À medida que o ser humano é um todo, como um todo deve funcionar.

Para tanto, o educador é peça fundamental; na função de liderança --- Secretaria, escola, grupo, sala de aula ---, sua instituição terá a sua qualidade.

A sala de aula será o que o educador for. Se ele for melancólico, suas classes serão melancólicas; se ele for indisciplinado, suas classes serão indisciplinadas; se ele for autoritário e rígido, todos os seus estudantes terão medo... e assim por diante.

Numa escola, esteja no posto que estiver, o educador é o líder e o líder “dá o tom” ao movimento dos seus liderados.

Nesse contexto de compreensão, os passos de ensinar-aprender, acima expostos, não podem ser utilizados de forma mecânica, isto é, sem que integrem, ao mesmo tempo, pensar, sentir e agir, ou reptiliano, límbico, neocortex.

Se os passos, acima indicados, forem utilizados de forma mecânica, a aprendizagem dos educandos não se fará de modo satisfatório, desde que se dará ao “modo fankstein” assinalado, isto é, dissociadas: o pensar de um lado, o sentir de outro e o agir de outro mais. Ocorrendo dessa forma, a aprendizagem não dará suporte à integração seja dos três segmentos funcionais do sistema nervoso, seja à integração das três camadas embrionárias constitutivas o ser humano; e isso refletirá no agir cotidiano de cada. Então, alguém poderá ter uma informação, mas sua conduta será diversa da sua compreensão, desde que o verdadeiro afeto está separado da simples cognição. Vemos isso todos os dias nos noticiários jornalísticos, assim como no nosso entrono.

O educador necessitará estar consciente e agindo de forma integrada em sua vida, a fim de que seus estudantes aprendam esse modo de ser. Se o líder “pensa, mas não sente”; “se sente, mas não pensa”; “se pensa, mas não age”; “se age, sem pensar”; “ se sente, mas não age”; “se age, mas não sente”, seus estudantes aprenderão a viver dessa forma com os seus segmentos cerebrais funcionais ou com suas camadas embrionárias, isto é, em desarmonia interna e externa.

O educador necessitará “ter o olho brilhando” pelo que faz, pela sua forma de agir. Então, seus educandos o seguirão, seja estudando matemática, língua portuguesa, língua estrangeira, geografia, física, química, história, sociologia, ou qualquer outra área de conhecimentos. No ato de ensinar, como no ato de aprender, reptiliano, límbico, neocortex, como endoderma, mesoderma e ectoderma necessitam funcionar harmonicamente, desde que cada um deles expressa uma faceta do modo de ser do ser humano; todas elas atuando conjuntamente configuram quem é o ser humano na expressão mais evoluída da natureza.

Os três segmentos cerebrais, assim como as três camadas embrionárias, atuarão harmonicamente na aprendizagem se o ensinante atuar dessa forma. Caso contrário as aprendizagens dar-se-ão de modo mecânico, e, pois, sem vida, sem vibração, sem a integração necessária para que a vida seja como a natureza a criou.

Não adiantará seguir todos os passos do ensinar-aprender sinalizados se eles forem praticados mecanicamente. Necessitarão ser praticados com vida, entusiasmo, prazer, alegria.
Um líder desanimado produz liderados desanimados, um líder melancólico estimulará a melancolia...; mas, um líder que ama e gosta do que faz estimulará o amor e o gosto de todos por iniciar-se a fazer o que ele faz e da forma como ele faz, à medida que é vivo e belo.

Repetindo, para concluir, os passos do ensinar-aprender não servirão para muita coisa se forem praticados de modo mecânico, mesmo que seguindo fielmente todos os detalhes sugeridos. Importa que os detalhes sejam utilizados com vida, entusiasmo, vibração, alegria, prazer.

Em síntese, se os olhos do educador brilhar pelo que faz, os olhos dos seus educandos também brilharão. Se seus olhos forem mortiços, os olhos dos estudantes também o serão. Aprendente aprende na relação com o outro, com o campo de energia circulante.


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(01) Em outro momento, abordei esse tema em Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições, Cortez Editora, São Paulo, 22ª edição, 1ª reimpressão, 2012, capítulo “Por= uma prática docente crítica e construtiva”, páginas 139-170.

(02) David Boadella é um pesquisador inglês que criou a Biossíntese, área psicoterapêutica e educativa que tem por objetivo cuidar do ser humano, buscando reequilibrar a harmonia entre as camadas embrionárias, e, pois, entre o pensar, sentir e agir. No Brasil existem dois livros seus publicados --- Nos Caminhos de Reich e Correntes da vida: introdução à Biossíntese, ambos publicados pela Summus Editorial, SP.









segunda-feira, 30 de novembro de 2015

96. COMO O CÉREBRO EVOLUIU E A IMPORTÂNCIA DA APRENDIZAGEM


No texto anterior, abordei a questão do cérebro trino e a necessidade de, via ensino e aprendizagens, associar cada vez mais límbico (setor emocional do sistema nervoso) com o neocórtex (seu setor racional), a fim de que possamos unir cada vez mais as duas qualidades --- afeto e razão ---, tendo em vista garantir uma vida mais saudável à humanidade e a nós todos.


Esse será o caminho para compreendermos que, acima de nacionalidades, culturas, religiões está o fato de que, universalmente, somos todos seres humanos. É importante que pertençamos aos variados grupos humanos --- nacionalidade, etnia, cultura, religião ---, porém, para além as distinções, está o fato universal de que somos todos seres humanos e, dessa forma somos iguais e unos. Ninguém melhor nem pior, nem acima nem abaixo, todos humanos.

O texto que se segue foi transcrito do livro Inteligencia emocional, da autoria de Daniel Goleman, Rio de Janeiro, Editora Objetiva, 51ª edição, páginas 24-26. Um aperitivo para que cada um adentre na leitura da obra inteira, do início ao seu final.

O texto sinaliza, sinteticamente, o percurso evolutivo do nosso sistema nervoso e deixa clara a necessidade da articulação entre límbico e neocórtex, a fim de que, com as contribuições desses segmentos cerebrais, possamos conviver inteligentemente (= saudavelmente) conosco mesmos, com os outros e com o ambiente.

A educação, em todas as suas modalidades, é o caminho para esse projeto. Vamos ao texto de Goleman, que trata de “Como o cérebro evoluiu”.


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“Para melhor entender o enorme domínio das emoções sobre a razão — e por que sentimento e razão entram tão prontamente em guerra — vejamos como o cérebro evoluiu. O cérebro humano, com um pouco mais de um quilo de células e humores neurais, é três vezes maior que o dos nossos primos ancestrais, os primatas não-humanos. Ao longo de milhões de anos de evolução, o cérebro cresceu de baixo para cima, os centros superiores desenvolvendo-se como elaborações das partes inferiores, mais antigas. (O crescimento do cérebro no embrião humano refaz mais ou menos esse percurso evolucionário.)

“A parte mais primitiva do cérebro, partilhada por todas as espécies que têm mais de um sistema nervoso mínimo, é o tronco cerebral em volta do topo da medula espinhal. Esse cérebro-raiz regula funções vitais básicas, como a respiração e o metabolismo dos outros órgãos do corpo, e também controla reações e movimentos estereotipados. Não se pode dizer que esse cérebro primitivo pense
ou aprenda; ao contrário, ele se constitui num conjunto de reguladores pré-gramados que mantêm o funcionamento do corpo como deve e reage de modo a assegurar a sobrevivência. Esse cérebro reinou supremo na Era dos Répteis: imaginem o sibilar de uma serpente comunicando a ameaça de um ataque.


“Da mais primitiva raiz, o tronco cerebral, surgiram os centro emocionais. Milhões de anos depois, na evolução dessas áreas emocionais, desenvolveu-se o cérebro pensante, ou “neocortex”, o grande bulbo de tecidos ondulados que forma as camadas superiores. O fato de o cérebro pensante ter se desenvolvido a partir das emoções muito revela acerca da relação entre razão e sentimento; existiu um cérebro emocional muito antes do surgimento do cérebro racional.


“A mais antiga raiz de nossa vida emocional está no sentido do olfato, ou, mais precisamente, no lobo olfativo, células que absorvem e analisam o cheiro. Toda entidade viva, seja nutritiva, venenosa, parceiro sexual, predador ou presa, tem uma assinatura molecular distintiva que o vento transporta. Naqueles tempos primitivos, o olfato apresentava-se como um sentido supremo para a sobrevivência.


“Do lobo olfativo, começaram a evoluir os antigos centros de emoção, que acabaram tomando-se suficientemente grandes para envolver o topo do tronco cerebral. Em seus estágios rudimentares, o centro olfativo compunha-se de pouco mais de ténues camadas de neurônios reunidos para analisar o cheiro. Uma camada de células recebia o que era cheirado e o classificava em categorias relevantes: comestível ou tóxico, sexualmente acessível, inimigo ou comida. Uma segunda camada de células enviava mensagens reflexivas a todo o sistema nervoso, dizendo ao corpo o que fazer: morder, cuspir, abordar, fugir, caçar.


Com o advento dos primeiros mamíferos, vieram novas camadas, chave do cérebro emocional. Estas, em torno do tronco cerebral, lembravam um pouco um pastel com um pedaço mordido embaixo, no lugar onde se encaixa o tronco cerebral. Como essa parte do cérebro cerca o tronco cerebral e limita-se com ele, era chamada de sistema "límbico", de Umbus, palavra latina que significa "orla". Esse novo território neural acrescentou emoções propriamente ditas ao repertório do cérebro. Quando estamos sob o domínio de anseios ou fúria, perdidamente apaixonados ou transidos de pavor, é o sistema límbico que nos tem em seu poder.


“À medida que evoluía, o sistema límbico foi aperfeiçoando duas poderosas ferramentas: aprendizagem e .memória. Esses avanços revolucionários possibilitavam que um animal fosse muito mais esperto nas opções de sobrevivência e aprimorasse suas respostas para adaptar-se a exigências cambiantes, em vez de ter reações invariáveis e automáticas. Se uma comida causava doença, podia ser evitada da próxima vez. Decisões como saber o que comer e o que rejeitar ainda eram, em grande parte, determinadas pelo olfato; as ligações entre o bulbo olfativo e o sistema límbico assumiam agora as tarefas de estabelecer distinções entre cheiros e reconhecê-los, comparando um atual com outros passados e discriminando, assim, o bom do ruim. Isso era feito pelo “rinencéfalo", literalmente o "cérebro do nariz", uma parte da fiação límbica e a base rudimentar do neocórtex, o cérebro pensante. 


“Há cerca de 100 milhões de anos, o cérebro dos mamíferos deu um grande salto em termos de crescimento. Por cima do ténue córtex de duas camadas — as regiões que planejam, compreendem o que é sentido, coordenam o movimento —, acrescentaram-se novas camadas de células cerebrais, formando o neocórtex. Comparado com o antigo córtex de duas camadas, o neocórtex oferecia uma extraordinária vantagem intelectual. 


“O neocórtex do Homo sapiens, muito maior que o de qualquer outra espécie, acrescentou tudo o que é distintamente humano. O neocórtex é a sede do pensamento; contém os centros que reúnem e compreendem o que os sentidos percebem. Acrescenta a um sentimento o que pensamos dele — e permite que tenhamos sentimentos sobre ideias, arte, símbolos, imagens. 


“Na evolução, o neocórtex possibilitou um criterioso aprimoramento que, sem dúvida, trouxe enormes vantagens na capacidade de um organismo sobreviver à adversidade, tornando mais provável que sua progênie, por sua vez, passasse adiante os genes que contêm esses mesmos circuitos neurais. A vantagem para a sobrevivência deve-se ao dom do neocórtex de criar estratégias, planejar a longo prazo e outros artifícios mentais. Além disso, os triunfos da arte, civilização e cultura são todos frutos do neocórtex.


“Esse acréscimo ao cérebro introduziu novas nuanças à vida emocional. Vejam o amor. As estruturas límbicas geram sentimentos de prazer e desejo sexual, emoções que alimentam a paixão sexual. Mas a adição do neocórtex e suas ligações ao sistema límbico criaram a ligação mãe-filho, que é a base da unidade familiar e do compromisso, a longo prazo, com a criação dos filhos, o que torna possível o desenvolvimento humano. (Espécies que não têm neocórtex, como os répteis, carecem de afeição materna; quando saem do ovo, os recém-nascidos têm de se esconder para que não sejam canibalizados.) Nos seres humanos, é o instinto de proteção que os pais têm em relação aos filhos que vai assegurar a prossecução de grande parte do amadurecimento durante a infância, período em que o cérebro continua a se desenvolver.


“À medida que subimos na escala filogenética do réptil ao rhesus e ao ser humano, o volume do neocórtex aumenta; com esse aumento, ocorre um incremento de proporções gigantescas nas interligações dos circuitos cerebrais. Quanto maior o número dessas ligações, maior a gama de respostas possíveis. O neocórtex abriga a sutileza e complexidade da vida emocional, como a capacidade de ter sentimentos sobre nossos sentimentos. Há uma maior proporção de neocórtex para sistema límbico nos primatas que nas outras espécies — e imensamente mais nos seres humanos —, o que sugere que podemos exibir uma gama muito maior de reações às nossas emoções, e mais nuanças. Enquanto um coelho ou um rhesus possuem um repertório bastante restrito de respostas típicas para o medo, o neocórtex humano, maior, coloca à nossa disposição um repertório muito mais ágil — chamar a polícia, por exemplo. Quanto mais complexo o sistema social, mais essencial é essa flexibilidade — e não existe nenhuma forma de organização social mais complexa do que a nossa.


Mas esses centros superiores não controlam toda a vida emocional; nos problemas cruciais que dizem respeito ao coração e, mais especialmente, nas emergências emocionais, pode-se dizer que eles se submetem ao sistema límbico. Como tantos dos centros superiores se desenvolveram a partir do âmbito da região límbica, ou a ampliaram, o cérebro emocional desempenha uma função decisiva na arquitetura neural. Como raiz da qual surgiu o cérebro mais novo, as áreas emocionais entrelaçam-se, através de milhares de circuitos de ligação, com todas as partes do neocórtex. Isso dá aos centros emocionais imensos poderes de influenciar o funcionamento do resto do cérebro — incluindo seus centros de pensamento.”

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O texto é um convite para nosso investimento cotidiano na aprendizagem, desenvolvimento e formação de nossos educandos para que aprendam a integrar afeto e razão na compreensão, assim como na orientação e realização de suas ações cotidianas.



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