domingo, 26 de julho de 2020

134 - AVALIAÇÃO COMO INVESTIGAÇÃO E BASE PARA SUCESSIVAS E AJUSTADAS DECISÕES


134 - AVALIAÇÃO COMO INVESTIGAÇÃO E BASE PARA SUCESSIVAS E AJUSTADAS DECISÕES
Cipriano Luckesi




Já sinalizei aqui, em post anterior, que existem três atos que todos os seres humanos, universalmente, praticam nos mais variados rincões do Planeta. São eles: (1) investigar o que é a realidade e como ela funciona; (2) investigar a qualidade da realidade; (3) tomar decisões e agir tendo por base os resultados das duas investigações anteriormente assinaladas. Esses três atos praticados por todos os seres humanos decorrem de sua constituição evolutiva.

No caso, o ato de avaliar a aprendizagem de nossos estudantes em sala de aula faz parte da segunda área de atuação do ser humano, assinalada acima, que é conhecer valores, qualidades, base para escolhas.

A avaliação da aprendizagem, no caso do ensino escolar, se realiza como um ato de investigar a qualidade da aprendizagem dos estudantes, revelando-a.  A “decisão de agir”, tendo por base o resultado revelado por essa investigação, já não pertence mais ao “ato de avaliar”, mas sim ao “ato de tomar decisões” e, em consequência, agir.

O ato de avaliar subsidia as decisões do sujeito da ação, que, com base no conhecimento da qualidade da realidade, escolhe tanto agir, como também o modo de agir.

Ao longo dos anos da escolaridade no Ocidente, do século XVI aos nossos dias, a avaliação da aprendizagem, vagarosamente, tornou-se independente em relação aos atos de planejar e executar o ensino em nossas escolas.

Nas “teorias pedagogias” propostas ao longo desse período, os atos avaliativos da aprendizagem sempre foram compreendidos como subsidiários dos atos de ensinar e aprender, Porém, vagarosamente na História Moderna, e, “sem estar assentada nas teorias pedagógicas” elaboradas e defendidas por correntes pedagógicas ou autores, os atos avaliativos praticados no sistema escolar e em nossas salas de aula foram se tornando independentes dos atos de ensinar e aprender.

Informo, porém, que, mesmo tendo buscado informações, não consegui identificar uma referência explícita entre os historiadores da educação assim como entre os historiadores da avaliação da aprendizagem a respeito da “data histórica” em que o ato de avaliar a aprendizagem na escola e o uso dos seus resultados para aprovar ou reprovar estudantes em seu percurso de escolaridade tornaram-se independentes dos atos pedagógicos de ensinar e aprender, como ocorre em nossos dias.

O professor José Carlos Libâneo --- em sua Dissertação de Mestrado, sob o título “A prática pedagógica de professores da escola pública”, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Educação, PUC/SP, cuja defesa ocorreu no ano de 1984 --- registrou, com base em depoimentos coletados junto a educadores escolares da cidade de São Paulo, o modo  independnte e autônomo como os atos avaliativos da aprendizagem eram praticados em sala de aula com relação às propostas pedagógicas anunciadas como orientadoras do ensino em sala de aula.

Com base nos depoimentos dos participantes da investigação, foi possível classificá-los em tradicionais, escolanovistas e tecnicistas; contudo, a prática avaliativa era realizada por todos os participantes da pesquisa de modo equivalente, ou seja, “exclusivamente” para aprovar/reprovar os estudantes em sua escolaridade.

Ainda que, do ponto de vista pedagógico, os participantes da referida investigação informassem orientar suas ações segundo uma determinada concepção pedagógica, e, por isso, se diferenciavam entre si, no que se referia às práticas avaliativas, todos agiam de forma equivalente, servindo-se das provas e dos exames, modalidade de conduta predominante em nossas atividades escolares.

No caso, vale observar que o período de tempo entre 1984, quando a coleta de dados para a investigação acima citada fora realizada, e a presente data, perfazendo um total de 36 anos, ocorre uma quantidade expressiva de anos do ponto de vista individual, mas não do ponto de vista histórico-social, desde que a sociedade demanda muito tempo para viabilizar uma mudança de conduta em grande número de pessoas.

A independência da prática avaliativa da aprendizagem em relação às proposições pedagógicas passou, no decurso do tempo em nosso cotidiano escolar, a representar um recurso de atemorização aos estudantes, tendo em vista supostamente levá-los a estudar e aprender. Todos nós, quando estudantes, tivemos medo em relação “às provas e aos exames”.

Nessas ocasiões, como expressão desse temor, tínhamos um suor frio entre nossos dedos ou em nossas axilas. Constantemente, ouvíamos na sala de aula expressões como: “Estudem! As provas vêm aí”. “Se preparem! Verão as questões que estou preparando para vocês responderem”. “Estão brincando?!... Verão no dia das provas...”. “Se preparem, as provas estão próximas”. Expressões que repercutiam --- e certamente ainda repercutem --- em nossos ouvidos, assim como em nossas residências e famílias.

Em texto anterior, no espaço deste blog, sinalizei que, na história da escola no decurso da Modernidade, não se encontra uma só teoria pedagógica que tenha prescrito o uso dos resultados da investigação avaliativa da aprendizagem escolar “exclusivamente” para os atos de aprovar/reprovar os estudantes nas séries da escolaridade organizacionalmente estabelecida, assim como não se encontra uma “teoria pedagógica, filosófica e cientificamente estabelecida,” que tenha proposto o uso das provas e dos exames como recursos importantes para “estimular os estudantes a se dedicarem aos estudos”. Mas, eu e todos os leitores deste texto, ao longo de nossa escolaridade, ouvimos recomendações semelhantes, e, certamente, já as utilizamos também repetindo inconscientemente aquilo que aconteceu com cada um de nós.

Foi o uso dos resultados da investigação avaliativa da aprendizagem exclusivamente para os atos de aprovar/reprovar os estudantes que conduziu ao desaparecimento no cotidiano escolar de sua compreensão como prática investigativa e base para decisões pedagógicas construtivas nos atos de ensinar e aprender, como estava proposto na “Ratio Studiorum” ou nas “Leges Scholae bene ordenate”, publicações já referenciadas em textos anteriores desse blog. Historicamente sobreviveu, de modo predominante, seu uso classificatório-probatório, possibilitando seu uso ameaçador.

A meu ver, nós, educadores escolares, fomos constituídos para o exercício de nossa atividade profissional --- para além de nossas formações acadêmicas --- no seio de práticas comuns cotidianas vivenciadas por todos nós a respeito do aprovar/reprovar. E, à medida que vivenciamos esse contexto, ele se tornou tão comum em nossas vidas de tal forma que nem mesmo nos demos --- ou não nos damos --- conta do significado epistemológico próprio do ato de avaliar. De modo simples e pelo senso comum, aprendemos que provas, exames e notas escolares são da forma que são, sem um aprofundamento conceitual, que sempre se faz necessário em nossas vidas.

Como consequência, o ato de avaliar a aprendizagem dos estudantes, ao longo do tempo, vem sendo praticado independente de sua característica investigativa e subsidiária de novas decisões construtivas, assumindo, dessa forma, uma característica exclusivamente classificatória-probatória. A prática cotidiana da avaliação da aprendizagem em nossas escolas não tem sido a de investigar a qualidade da efetiva aprendizagem dos estudantes em relação àquilo que fora ensinado e da forma que fora ensinado, tendo em vista reorientações, se necessárias.

Cabe, então, nesse contexto, assumir compreender e praticar a avaliação como investigação da qualidade dos resultados do ato pedagógico de ensinar em nossas escolas, cujo resultado deve subsidiar nossas decisões, seja para promover nossos estudantes na escolaridade, seja para reensiná-los, caso essa seja a necessidade, até que efetivamente aprendam e, por isso, se desenvolvam.

Caso se constate, através da avaliação, que a aprendizagem não tenha sido satisfatória, importa decidir por ensinar mais, e mais, nossos estudantes, à medida que o único resultado positivo de nossa ação de educadores escolares é que nossos estudantes efetivamente aprendam aquilo que ensinamos. Em outras profissões, buscar-se-ão outros resultados; na nossa, a aprendizagem de nossos estudantes.

A investigação avaliativa, que, no cotidiano escolar, denominamos de “avaliação”, é nossa parceira a nos avisar que investimos e nossos estudantes aprenderam, ou que investimos e somente parte de nossos estudantes aprenderam, ou que ensinamos e eles ainda não aprenderam.

Se desejamos, pois, que todos nossos estudantes aprendam e se desenvolvam como indivíduos e como cidadãos, a investigação avaliativa é nossa parceira a nos avisar a respeito da qualidade de suas aprendizagens, fator que nos possibilita tomar a decisão de considerar que já atingimos a qualidade desejada em sua aprendizagem ou de considerar que ainda não atingimos a qualidade necessária e, por isso, decidimos investir, mais e mais, para que todos os nossos estudantes possam manifestar ter aprendido satisfatoriamente aquilo que vieram aprender através de nossos atos pedagógicos em sala de aula. Então, poderemos nos dar por satisfeitos com nossa capacidade de ensinar.






quinta-feira, 16 de julho de 2020

133– AVALIAÇÃO A SERVIÇO DO SUCESSO NA APRENDIZAGEM DOS ESTUDANTES



133 – AVALIAÇÃO A SERVIÇO DO SUCESSO NA APRENDIZAGEM DOS ESTUDANTES
Cipriano Luckesi



O modelo de escola com ensino coletivo e simultâneo tem uma história de quase cinco séculos, de meados do século XVI aos nossos dias, e, durante esse período, de modo intermitente, variadas propostas pedagógicas sinalizaram a importância de cuidados a favor da aprendizagem satisfatória por parte de todos os estudantes.

No espaço desses quase quinhentos anos de História, naquilo que se refere à avaliação da aprendizagem, os exames escolares aparecem exclusivamente no seio de duas propostas pedagógicas, situadas no início desse longo período de tempo, sendo importante sinalizar que sua prática estava posta “para além” dos cuidados com a aprendizagem satisfatória por parte de todos os estudantes no decurso do ano letivo, estava posta ao seu final, como veremos a seguir.

A primeira dessas propostas foi a jesuítica, portanto, de vertente católica, cuja sistematização fora tornada pública em 1599, através do documento “Ratio atque institutio studiorum Societatis Jesus” (Ordenamento e institucionalização dos estudos na Sociedade de Jesus), usualmente conhecido por “Ratio Studiorum”.

E, a outra, a proposta de vertente protestante, que fora partilhada publicamente, de modo especial, pelas obras de John Amós Comênio, um bispo tcheco da Ordem dos Irmãos Morávios, sendo uma delas a “Didática magna”, cuja primeira versão é de 1632, na Língua Tcheca, vertida para a Língua Latina pelo próprio autor e publicada em 1657, e a outra denominada “Leis para a boa ordenação da escola”, datada de 1653. Esta última obra está constituída por uma normatização da educação escolar, através de prescrições sob a forma de itens, semelhante à forma de redação da “Ratio Studiorum”.

Os interessados em manusear e estudar esses documentos poderão, de um lado, servir-se da obra “O método pedagógico dos jesuítas --- O Ratio Studiorum: introdução e tradução”, da autoria do padre Leonel Franca,  Rio de Janeiro, Editora Agir, 1952, onde se encontra o texto do documento original traduzido do Latim para o Português  pelo autor dessa publicação; e, de outro lado, servir -se da obra “Leges scholae bene ordinatae”, relativa às prescrições para a organização escolar no seio da comunidade protestante, com tradução do Latim para o Italiano, realizada por Giuliana Limiti, sob o título de “Norme per un buon ordinamento delle scuole”, publicado em “Studi e Testi Comeniani”, Roma, Edizione dell’Ateneo, 1965, p. 47-107.


Na “Ratio Studiorum”, no que se refere ao ensino nas denominadas Classes de Estudos Inferiores, equivalentes ao hoje Ensino Fundamental no Brasil, os exames estavam prescritos para serem realizados “por uma única vez” no decurso do ano letivo, ao seu final.


Para o acompanhamento dos estudantes no decurso dos meses do ano letivo, havia a “Pauta do Professor”, uma Caderneta, contendo o nome de cada um dos estudantes da turma de alunos, na qual o professor deveria fazer anotações relativas às aprendizagens e condutas de cada estudante, assim como em relação aos seus progressos; anotações que, por sua vez, seriam obrigatoriamente utilizadas pela Banca de Exames, ao final do ano letivo, por ocasião dos exames escritos e orais. A Pauta do Professor era o recurso de acompanhamento e de registro da vida de cada estudante no decurso dos dias do ano letivo.


Nas obras de Comênio, que tratam da vida escolar, em especial na  Leges scholae bene ordinatae” (Leis para a boa ordenação da escola), está definido que, na escola, haveriam exames ao final de cada aula, ao final de cada dia de aula, ao final de cada semana, de cada quinzena, de cada mês, no meio e ao final do ano letivo.


Contudo, vale sinalizar que Comênio, nessa prescritiva constante de exames, entendia que haveria que ocorrer uma intermitência no seu uso tendo em vista sinalizar para os estudantes a necessidade e importância de estudar e aprender constantemente, afinal, no decurso de todas as aulas. Frente a essa recomendação, somente os exames semestrais e anuais seriam utilizados como base para as decisões de aprovação/reprovação dos estudantes em suas aprendizagens. Os exames diários, semanais, quinzenais, mensais tinham a função sinalizar para os estudantes a necessidade da atenção e dos cuidados necessários com os estudos e consequentes aprendizagens.


A “Didática magna”, por sua vez, é uma obra voltada mais para temas pedagógicos gerais, ainda que eventualmente faça referência à questão dos exames escolares.


Outros autores, ao longo da História Moderna, para além dos séculos XVI e XVII, como Johann Friedrich Herbart, final do século XVIII e início do XIX; Maria Montessori e John Dewey, final do século XIX e primeira metade do século XX;  Ralph Tyler, Benjamin Bloom, Norman Gronlund, segunda metade do século XX; todos propõem que os atos avaliativos da aprendizagem na escola sejam recursos utilizados para diagnosticar e tomar decisões a respeito do desempenho dos estudantes em seus estudos, tendo em vista a busca do seu sucesso e não como recurso de aprovação/reprovação nos anos de escolaridade.


Importa registrar que, em nossas escolas, no seu cotidiano, os exames escolares, quando praticados ao longo do ano letivo, recebem a denominação de provas --- como ocorre nas expressões: “provas semanais”, “provas mensais”, “bimensais” ... --- permanecendo a denominação de “exames” para sua prática ao final do ano letivo.


Frente aos registros anteriores, qual a origem da prática com a qual nos deparamos hoje em nossas escolas relativa ao uso permanente e sucessivo das provas e dos exames na vida escolar, tanto no decurso dos meses, como ao final do ano letivo?


Não tenho referência, por mais que tenha procurado, de quando e como se tomou a decisão do uso dos resultados das provas e dos exames de modo exclusivo para a arpovação/reprovação dos estuidantes escolares; evidentemente, se é que essa foi uma decisão tomada em um determinado momento no tempo. Parece ter sido uma prática que se tornou habitual, sem um marco temporal específico para seu início. Contudo, caso algum leitor tenha informação relativa “ao momento histórico em que passamos ao uso quase que exclusivo das provas e exames”, ficaria agradecido por essa informação.


O fato é que esse modo de agir com a prática das provas e dos exames, de modo quase que exclusivo em nossas escolas, emerge no decurso da sociedade moderna --- na qual, socialmente, os cidadãos estão classificados em classe alta, classe média e classe baixa, sendo que as grandes massas populacionais se encontram classificadas na classe baixa ---, repetindo o modelo das classes sociais, ou seja, poucos aprovados e muitos reprovados, o que significa poucos incluídos e muitos excluídos.


Nesse contexto, a universalização dos exames, também denominados de provas no decurso do ano letivo, parece ser uma prática instituída ao longo do tempo no seio do modelo social moderno no qual vivemos, sem um ponto específico no tempo, no qual teria sido tomada a decisão de agir segundo essa modalidade de conduta.


Provas e exames escolares, estatisticamente no Brasil, estão na base de uma larga exclusão social de estudantes via a escola, através de múltiplas e sucessivas reprovações, justificadas pelas baixas notas escolares obtidas no decurso do ano letivo. Evidentemente, uma larga exclusão social daqueles que tiveram a possibilidade de ingressar em nossas escolas, à medida que existe um quantitativo de crianças e adolescentes que nem mesmo tiveram ou têm acesso à escolaridade em nosso país.


Estatisticamente, de cada 100 crianças que ingressam na primeira série do Ensino Fundamental, em nosso país, 16 anos depois --- tendo passado pelas séries do Ensino Fundamental, pelos anos de escolaridade do Ensino Médio e pelos anos de estudos universitários --- em média, aproximadamente, 20 estudantes, ou menos que isso, obtém um diploma universitário, fator que representa uma devastadora exclusão social via a escola.


Então, se desejamos investir em um modo social inclusivo em nosso meio social com as contribuições da escola, importa que nós educadores escolares --- do Ensino Fundamental à Universidade ---, cuidemos da efetiva aprendizagem e consequente desenvolvimento de nossos estudantes.


Nesse contexto, a avaliação será a parceira de todos e de cada um de nós “a nos avisar” se nossas atividades de ensino estão produzindo os resultados desejados junto aos estudantes com os quais trabalhamos pedagogicamente, ou não. E, ter ciência daquilo que ocorre na realidade, em termos de sua qualidade, permite decidir, sendo necessário, a investir mais e mais na busca dos resultados desejados No caso do ensino, investir mais e mais em nossos estudantes para que efetivamente aprendam e se integrem na vida social com a melhor qualidade possível.


Em síntese a avaliação não deve estar posta, de modo autônomo, para aprovar/reprovar estudantes em nossas escolas, do Ensino Fundamental à Universidade, mas sim como nossa auxiliar --- nossa parceira --- a nos avisar se os estudantes, aos quais dedicamos nossos atos de ensinar, já atingiram o nível desejado de aprendizagem ou a nos avisar que eles “ainda não atingiram esse nível”, razão pela qual importa escolher investir mais, e mais, em sua aprendizagem, na busca da satisfatoriedade por parte de “todos” os estudantes que se encontram sob nossa responsabilidade.


No país, da pré-escola à Pós-graduação, somos aproximadamente dois milhões e quatrocentos mil educadores atuando em nossas escolas, da creche à universidade. Temos um poder em mãos que necessitamos reconhecer e utilizar em função da qualificação de todos, como seres humanos e como cidadãos, tendo em vista uma vida social saudável para todos.


A avaliação da aprendizagem, por si, não resolve essa ou qualquer outra questão pedagógica ou social, mas ela --- se praticada de modo adequado --- é a parceira a nos avisar a respeito do sucesso ou do insucesso de nossa atividade profissional, que está vinculada à aprendizagem e ao desenvolvimento de nossos estudantes.


Não é o ato avaliativo, que, por si, decide sobre a vida dos estudantes, mas sim nós os educadores, gestores de nossas salas de aula, que decidimos investir mais ou investir menos em suas aprendizagens. A aprendizagem é um fator essencial para desenvolvimento de cada um, assim como para sua integração social como cidadão.


A história nos convida a agir a favor da aprendizagem e a favor da consequente cidadania para todos que vivem nesse imenso país e a avaliação, no âmbito escolar, é a parceira a nos sinalizar --- a nós educadores escolares --- se estamos conseguindo contribuir para esse objetivo ou se importa investir mais e mais para que todos nossos estudantes aprendam, se desenvolvam e adquiram recursos formativos tendo em vista uma vida saudável para si mesmos e para todos.






domingo, 12 de julho de 2020

132 -- AVALIAR COMO UM DOS TRÊS ATOS UNIVERSAIS PRATICADOS PELO SER HUMANO


132 - AVALIAR COMO UM DOS TRÊS ATOS UNIVERSAIS PRATICADOS PELO SER HUMANO
Cipriano Luckesi





Josef-Léon Cardijn, fundador, em 1923, na Bélgica, da organização católica Juventude Operária Católica (JOC), estabeleceu como seu slogan “Ver, julgar e agir”. Esses três verbos representam os três atos universais que todo ser humano pratica cotidianamente, 24 horas por dia: “conhecer fatos e seu funcionamento”, “conhecer valores” e “agir”.

(01) “Ver” significa conhecer o que é a realidade e como ela funciona; (02) “julgar” significa investigar e reconhecer qual a qualidade da realidade; e (03) “agir”, significa, com base no conhecimento do que é e como funciona a realidade, assim como de sua qualidade, tomar decisões e agir.

Pois bem, o “ver” está comprometido com o conhecimento da realidade, estudando o que ela é, e seu funcionamento, seja pelo senso comum, seja pela ciência. Já  o ato de avaliar é o ato de investigar a qualidade da realidade, que traduz o ato de “julgar” do slogan da JOC, que, por sua vez, subsidia o “ato de tomar decisões e agir”. Desse modo, o ato de avaliar se realiza exclusivamente como um ato de investigar e revelar a qualidade da realidade. O “agir” pertence ao gestor da ação que, com base no conhecimento da qualidade da realidade, “toma decisões a respeito do que fazer, propriamente do agir”.

Tomando essa compreensão a respeito do ato de "investigar a qualidade" da realidade (avaliação) e, com base nos seus resultados investigativos, a consequente "tomada de decisões" (agir), facilmente chegamos à compreensão de que quem toma decisão não é o avaliador, mas sim o gestor da ação. A investigação avaliativa encerra sua ação no momento que revela a qualidade da realidade. E o uso dos resultados dessa investigação pertence ao âmbito de decisão do seu gestor.

Transpondo essa compreensão para as atividades de ensino-aprendizagem na escola e na sala de aula, onde múltiplos atos avaliativos ocorrem, importa que, no cotidiano, consigamos em nossas ações ter presente que esses dois atos --- avaliar e tomar decisão --- pertencem a dois diferentes personagens, ainda que praticados pela mesma pessoa. Um ato pertence ao avaliador --- investigar a qualidade da realidade --- e o outro ao gestor da ação --- tomar decisão.

O professor/a em sala de aula exerce os dois papéis: de gestor/a e de avaliador/a. Gestor/a da sala de aula, desde que responsável por "administrar" tudo o que ocorre nesse espaço pedagógico, mas ao mesmo tempo "avaliador/a", desde que o ato de avaliar pertence ao modo de ser de cada um de nós nas 24 horas do dia, como também em nossas ações profissionais. Avaliar e gerir são dois atos diferentes do mesmo personagem, que, no caso da sala de aula é o professor/a.

Na história da educação escolar, do século XVI para cá, vagarosamente o ato de avaliar, que ao longo desses anos se denominou “examinar”, deixou de ser um ato subsidiário dos atos de ensinar-aprender, como, de forma epistemologicamente adequada, se encontra exposto nos documentos pedagógicos dos séculos XVI e XVII, para ser exclusivamente um ato de aprovar/reprovar os estudantes.

Na “Ratio Studiorum”, documento de 1599, que ordenou a Pedagogia Jesuítica, havia a obrigação do uso da “Pauta do Professor”, uma caderneta na qual o professor deveria registrar diariamente, no decurso do ano letivo inteiro, a vida escolar de cada estudante. Esse era o recurso de “acompanhamento do estudante durante o ano letivo”. Os exames ocorriam por uma única, ao final do ano letivo, que, na Europa, ocorria antes das férias da Páscoa. Já John Amós Comênio --- em sua obra “Diática Magna”, publicada na língua tcheca em 1627, conhecida como “Didática Tcheca”, e traduzida para o latim pelo próprio autor. em 1657, sob o título “Didática Magna” --- propôs os exames escolares, que com mais especificação, foram configurados na obra “Leis para a boa ordenação da escola”, de 1653.

No caso, os exames escolares, na proposta comeniana, mais que uma forma de aprovar/reprovar, eram recursos a serem utilizados para estimular os estudantes a se dedicarem aos estudos e à aprendizagem. Propôs exames a serem praticados ao final de cada aula, ao final de cada dia letivo, ao final de cada semana. aos sábados (daí a denominação conhecida de todos nós, “sabatina”), de cada quinzena, de cada mês, de semestre em semestre e ao final do ano letivo. De fato, para a aprovação/reprovação subsidiavam os exames semestrais e anuais, os outros tinham como destino manter os estudantes atentos às suas aprendizagens.

O modelo do uso de exames com destino exclusivo à aprovação/reprovação dos estudantes em nossas escolas foi sendo constituído ao longo do tempo nos variados sistemas escolares, chegando a nós, seja como estudantes (que fomos), seja como professores (que somos).

Se efetivamente desejamos auxiliar “todos os nossos estudantes” a atingirem a maestria nas aprendizagens dos conteúdos com os quais trabalhamos no ensino, importa tomar um novo caminho --- diverso dos exames escolares conhecidos de nós todos --- vinculado ao conceito epistemológico do ato de avaliar, que é “subsidiar a busca do melhor resultado decorrente de nossa ação”.

É dessa forma que agimos no dia a dia. Sempre buscamos resultados positivos em nossas ações. Por que não na sala de aula? Católicos e protestantes dos séculos XVI/XVII investiram nisso. Qual a razão para não retomarmos a meta do sucesso da aprendizagem de “todos os nossos estudantes”?

O investimento nessa meta será saudável para todos para todos os nossos estudantes, nós como profissionais da educação institucional, assim como para a sociedade como um todo.

Se dessa forma agirmos, estaremos fazendo jus à epistemologia do ato de avaliar, que é subsidiar decisões adequadas tendo em vista a obtenção de resultados satisfatórios desejados decorrentes de nossas ações.