terça-feira, 27 de janeiro de 2015

86 - Avaliação da aprendizagem na educação infantil.


Avaliação da aprendizagem na educação infantil.
Cipriano Carlos Luckesi
Doutor em educação


Distorções básica na compreensão do uso da avaliação na educação infantil

As falas cotidianas sobre a prática da avaliação da aprendizagem no espaço da educação escolar infantil sofrem as consequências das distorções da compreensão e da prática da avaliação da aprendizagem presentes nos outros níveis de escolaridade. Isso ao menos ocorre no Brasil. Não sei se isso vale para Portugal, assim como para outros países usuários da língua portuguesa, onde este artigo possivelmente poderá ser lido.

É possível que as compreensões, aqui expostas, também valham no espaço educacional escolar desses países, desde que todos, no ocidente, somos herdeiros da mesma matriz histórica europeia dos séculos XVI e XVII, no que se refere à educação escolar, além de outros componentes da vida social.

Em função de razões históricas, já sinalizadas por mim em variados escritos anteriores, assim como por outros pesquisadores, avaliação da aprendizagem escolar tem sido confundida com exames escolares e, de forma mais radical, com notas escolares. 

Então, nesse contexto, se afirma, numa linguagem cotidiana e de senso comum, que “na educação infantil não existe avaliação, devido não se usar notas nesse nível de escolaridade”, como também devido “não ocorrer o fenômeno da aprovação ou reprovação” e falas assemelhadas.

Essas afirmações, entre outras, expressam uma inadequada compreensão do que seja avaliação, como também do seu significado, seu uso e de sua prática.

Em primeiro lugar, importa observar que “nota escolar” significa simplesmente uma forma de registrar o testemunho do educador ou da educadora de que ele (ela) acompanhou o educando e está testemunhando oficialmente a qualidade detectada de sua aprendizagem e de seu desempenho em determinada tarefa.

Poder-se-ia fazer um registro desse testemunho através de um relato, todavia nada impede ele que seja feito por um recurso sintético, como um número ou uma letra, com a condição de que o significado desse símbolo numérico ou alfabético tenha sido pactuado previamente.

Então, registro de desempenho escolar (notas, relato...) não corresponde ao conceito de avaliação, que se configura por concepção e metodologia próprias. O mesmo ocorre com a identificação de avaliação como as modalidades de ação pedagógica de “aprovar ou reprovar” um educando num determinado segmento de sua vida escolar. Os atos de aprovar ou reprovar, por si, são alheios --- externos --- à prática educativa. A prática educativa tem a ver com “ensinar e aprender”, desde que a única função digna da atividade escolar é ensinar para que o educando efetivamente aprenda, em qualquer nível de escolaridade.

Conceitualmente, a avaliação é uma prática que necessariamente está presente em todos os atos humanos. Ela é subsidiária da busca do melhor resultado em qualquer ação humana. Ninguém age para conseguir um resultado insatisfatório. Todos agimos para chegar ao melhor resultado. Então, após um primeiro resultado, a avaliação nos grita no ouvido e na mente: “Rapaz, o resultado não está satisfatório. Se deseja um bom resultado, tem que investir mais; tem que fazer de novo”. Ou, então, caso o resultado de nossa ação já seja satisfatório, nos diz: “Que maravilha. Chegou a um belo resultado”.

Então, a avaliação é a parceira de cada um de nós, em nossa ação, seja ela qual for, para chegarmos ao melhor resultado. Atua como o “grilo no ouvido de Pinóquio”, indicando o que está satisfatório e o que não está satisfatório, sinalizando cuidados necessários se desejamos chegar ao resultado desejado.

No caso que nos interessa neste texto, a avaliação é um recurso necessário em todos os níveis da ação educativa, o que, sem sombra de dúvidas inclui a educação infantil, primeira fase de desenvolvimento do ser humano, ainda que nela não existam os fenômenos tanto da “nota escolar”, como da prática de “aprovar/reprovar” o educando.

Reafirmando, quase que à exaustão, não existe ação humana sem prática avaliativa, seja ela conscientemente assumida, ou não, no cotidiano. No caso da educação infantil, necessita ser praticada com consciência explícita do que se está fazendo e com o uso de recursos metodológicos próprios, adequados e consistentes.


Então, o que é o ato de avaliar?

Avaliar é o ato de investigar a qualidade da realidade, o que subsidia, se necessário, a decisão de uma intervenção tendo em vista obter um resultado mais satisfatório da nossa ação; mais satisfatório do que o já conquistado.  Essa compreensão conceitual, sinteticamente como se encontra exposta, exige desdobramentos.

Em primeiro lugar, importa esclarecer o que se compreende quando se diz que a avaliação é uma prática de “investigar a qualidade da realidade”. Investigar significa pesquisar, o que implica em revelar o que se encontra oculto --- não revelado, não compreendido --- na realidade pesquisada. À semelhança da ciência, que revela o que se esconde sob a aparência da realidade, a avaliação revela a qualidade daquilo que está à nossa frente, qualidade que está oculta sob a aparência dos fatos. Enquanto a ciência tem por objetivo revelar como a realidade funciona, a avaliação tem por objetivo revelar a qualidade da realidade.

Essas duas práticas investigativas identificam-se sob a ótica de que ambas se manifestam como investigação, mas divergem quanto ao seu destino, quanto ao que buscam; afinal, seus objetivos. A ciência se destina a compreender como a realidade funciona, e, a avaliação tem como destino compreender a qualidade da realidade.


Recursos metodológicos e técnicos da avaliação da aprendizagem

A avaliação, do ponto de vista epistemológico, se configura como uma investigação da qualidade da realidade. Como em toda e qualquer investigação, na avaliação, há a necessidade de se proceder por dois passos básicos: (01) descritiva da realidade a ser conhecida, (02) leitura da realidade descrita, que, no caso da avaliação se traduz por “leitura da qualidade da realidade”.

Antes de iniciar o tratamento da compreensão propriamente epistemológica da avalição e dos seus passos metodológicos, importa ter ciência de que ela exige que, anteriormente à sua prática, se tenha definido:

· o que se vai avaliar (planejamento da ação), assim como
· o padrão da qualidade que deverá apresentar os resultados da ação, para que sejam aceitáveis.

Comecemos pelo planejamento. Inicialmente, importa ter clareza que, nos casos de projetos de ação, como é o caso na prática educativa, inicia-se com um ato que é prévio à ação --- o planejamento, isto é, inicia-se pela configuração do que se deseja obter com a ação (os objetivos), seguindo-se pela configuração das mediações (procedimentos) que serão utilizadas para se chegar aos resultados desejados, chegando, por último, à configuração do padrão de qualidade, em comparação com o qual os resultados obtidos serão aceitáveis, ou não.

O planejamento do ensino é o pano de fundo da avaliação, à medida que ele traduz todas as decisões previas da prática educativa, que deverão orientar o educador em sua sala de aula, tendo por base conhecimentos provenientes de variadas disciplinas:

  •   da psicologia que permite compreender o educando em sua faixa de idade e em seu estágio de desenvolvimento;
  •   da sociologia, que permite compreender o educando em seu meio sociocultural e econômico;
  •    da história da educação, que permite compreender se o educador está atuando com recursos do presente ou ainda do passado;
  •  da didática que possibilita selecionar mediações adequadas para os diversos conteúdos a serem trabalhados.

Essa configuração prévia do que se vai fazer para se obter determinados resultados deverá estar presente à frente do educador, permanentemente orientando-o em sua ação, inclusive na prática avaliativa. Deverá executar o que foi planejado para se chegar ao resultado desejado. O planejamento é o guia da ação do gestor, que, como gestor, investe na construção dos resultados desejados.

No caso da educação infantil, importa que, nesse plano de ensino, servindo-se de todos os recursos científicos acima indicados, se estabelece as condutas --- entre as possíveis para crianças na faixa etária com a qual trabalhamos --- que darão direção à nossa atividade. Em relação a todas as faixas etárias, se sabe, hoje, quais são as características de seu nível de desenvolvimento, fato que possibilita traçar o que se deseja obter em cada faixa de idade, o que, por sua veza, possibilita também estabelecer as atividades (mediações) para que essas crianças se desenvolvam como devem se desenvolver.

Essas definições comporão o pano de fundo para a prática da avaliação na educação infantil, pois que, no caso, dever-se-á saber se atingiram esses determinados padrões de conduta, ou não; e com que qualidade (satisfatória ou insatisfatória).

Em segundo lugar, ainda que já tenha sinalizado acima a necessidade do padrão de qualidade, vale ainda um comentário. Não há como praticar a avaliação sem que tenha claro o padrão de qualidade desejável dos resultados da ação.

Quando se planeja uma ação, sabe-se, de antemão, que qualidade deve ter os resultados para que sejam aceitáveis. Por exemplo, desejo construir uma casa. Que qualidade deve ter essa casa para ser aceitável? Desejo uma calça nova. Que qualidade deve ter essa calça nova para ser aceitável? Desejo oferecer uma bebida na recepção de amigos em minha residência num final de semana qualquer próximo final de semana. Que qualidade deverá ter essa bebida para ser aceitável?

O padrão de qualidade indica qual é a qualidade que tem, no caso de algo já existente e que estamos avaliando; ou que deverá ter a realidade que estará sendo avaliada, isto é, os resultados desejados da ação.

Quando se diz que uma determinada realidade tem “determinada qualidade”, essa revelação provém da comparação da realidade (descrita por suas características próprias “físicas) com um determinado padrão qualidade, que é assumido como aceitável.

Vamos exemplificar. Como se sabe que uma pepita de ouro tem a qualidade de 13 quilates, 18 quilates ou de 24 quilates? (a) Pela descritiva das características de uma determinada pepita de ouro que temos em mãos, e, a seguir, (b) pela comparação das características físicas dessa pepita com o que se considera ter a qualidade ouro 13, 18 ou 24 quilates. De forma semelhante, mas sob uma outra ótica, ouro, prata e chumbo são metais, no entanto, por padrões de qualidade --- sociológica e historicamente embelecidos ---, a sociedade definiu que uma peça em ouro é mais valiosa que uma peça em prata, como também mais valiosa que uma peça em chumbo.

Então, para se saber a qualidade de alguma realidade, seja ela qual for (presente ou futura), importa ter uma descritiva dessa realidade e, a seguir, proceder a comparação dessa realidade descrita com um determinado padrão de qualidade.

No que se refere à educação infantil, importa ter o padrão do que será aceitável na conduta de uma criança com a determinada faixa de idade, com a qual estamos trabalhando, assim como o que não é aceitável; o que consequentemente, implicará em mais atenção para uma ou várias crianças que esteja (estejam) ainda carente em relação ao padrão esperado de conduta.

Esses dois componentes --- planejamento da ação (adequada ao nível de desenvolvimento do educando) e estabelecimento do padrão aceitável de qualidade (também em relação ao mesmo nível de idade) --- são fundamentais para a prática avaliativa.

No caso da educação infantil, tanto as ações pedagógicas planejadas, quanto o padrão de qualidade aceitável dos resultados, deverão emergir das necessidades, assim como das possibilidades de aprendizagem, de crianças na referida faixa de idade.

Isso posto, podemos retomar a compreensão da prática avaliativa propriamente dita, isto é, à sua compreensão epistemológica e aos recursos técnicos necessários à sua prática.

Importa, aqui, uma sinalização a respeito do fato de que a avaliação, por si, não resolve nada. Ela simplesmente revela (diz em alto e bom som) ao gestor da atividade pedagógica em sala de aula (educador) que sua ação foi (ou não foi) suficientemente bem sucedida.

Em caso, positivo, aceita-se o resultado da ação como satisfatório; em caso, negativo, a avaliação lembra ao gestor que, se ele deseja melhores resultados, haverá que decidir por nova ou novas intervenções, tendo em vista obter os resultados desejados. A avaliação somente revela a qualidade dos resultados; quem toma a decisão é o gestor; no caso, o educador em sala de aula ou na escola em geral.

Para facilitar o prosseguimento da compreensão da prática avaliativa, vamos repetir o conceito anteriormente exposto: Avaliação, do ponto de vista epistemológico, se configura como uma investigação da qualidade da realidade. Aqui importa esclarecer que, para o exercício de toda e qualquer investigação, cujo objetivo final impreterivelmente é a revelação de uma compreensão da realidade --- seja ela científica ou avaliativa ---, exige dois passos metodológicos:

· a descritiva da realidade investigada;
· a leitura dos dados da realidade descrita, que, no caso da avaliação, implica em uma leitura da sua qualidade.

Iniciemos pela descritiva. Não existe possibilidade de investigação sem uma descritiva da realidade investigada, seja sob ótica científica ou avaliativa. Sem a descritiva, pode-se ter, usualmente, uma expressão de caráter emocional, isto é, pode-se ter opiniões sobre a realidade, mas, investigação não.

Vamos supor que dois amigos nossos decidem participar do show de uma banda musical em nossa cidade. Após o show, encontramos com um deles e perguntamos: “Como foi o show?” E, recebemos a resposta de que teve uma qualidade ruim, decepcionante. Logo depois, encontramos o outro amigo, que também fora assistir ao show e repetimos a pergunta. Este nos responde: “Foi uma maravilha, não poderia ter perdido este show, de forma alguma”. Como saber, entre essas duas opiniões, se o show teve boa qualidade ou foi de qualidade insatisfatória?

Ocorre que ambos estão expressando opiniões emocionais; não existem descritivas do show que poderiam sustentar o que afirmam. A única possibilidade que temos de nos aproximar da qualidade do evento, será solicitar a cada um deles que “descreva o que ocorreu no show”, afim de que possamos ter algum senso da qualidade efetiva do evento. Opiniões são somente opiniões, não avaliação.

Desse modo, a avaliação depende de uma adequada descritiva da realidade a ser avaliada, fato que, por sua vez, depende de uso adequado de recursos metodológicos. O que implica, em primeiro lugar, em ter clareza sobre o que se deseja avaliar; no caso da aprendizagem, o que se deseja avaliar (objeto da avaliação) deve estar configurado no planejamento do ensino; configurado, evidentemente, pelas variáveis constitutivas do ensino planejado, em conformidade com observações anteriores neste texto.

Para proceder a descritiva, cientes de nossa limitada capacidade de observação da realidade, para descrever a realidade, dependemos do uso de instrumentos de coleta de dados. No caso da aprendizagem, sem sombra de dúvidas há necessidade de recursos técnicos de coleta de dados, pois que a realidade a ser avaliada (aprendizagem) é interna ao educando. Só poderemos ter ciência do que aprendeu se ele o demonstrar.

Podemos até perguntar ao estudante: “Aprendeu o que lhe ensinei?” Ele poderá responder que “sim”. Mas, como saberei se esse “sim” garante que ele efetivamente aprendeu o que ensinei? Não há como ter essa certeza a não ser que o estudante demonstre a conduta aprendida, através de atos. Então, à resposta “Sim, aprendi”, importa que se lhe peça “Demonstre que aprendeu”. Um teste, questionário ou outro recurso técnico de coleta de dados sobre a aprendizagem do educando não é nada mais que isso: um pedido ao educando para que demonstre que aprendeu alguma coisa que lhe fora ensinado.

Para as crianças, em mais tenra idade, onde esse diálogo --- usualmente feito por escrito --- não fará sentido, os educadores necessitarão de estabelecer meios (no caso, atividades, ações, desempenhos...) através dos quais poderão certificar-se de que o educando adquiriu determinada habilidade ou conhecimento. Então, nesse caso, haverá necessidade de observação do que ocorre quando a criança, nas mais variadas circunstâncias, que permitem a sua expressão. 

Crianças na pré-escola --- como em qualquer outro estágio da vida ---- aprendem e, por isso mesmo, se desenvolvem. Aos educadores que acompanham crianças importa saber se estão conseguindo ter aprendizagens --- e, pois, desempenhos --- compatíveis com seu nível de desenvolvimento. Para tanto, necessitará de recursos de observação, que minimamente será uma lista de condutas estabelecidas para serem aprendidas que guiará o educador atento em suas relações com a criança, que, afinal, orientará a observação.

Na educação infantil, importa estabelecer que condutas revelarão que as crianças estão aprendendo e se desenvolvendo. E, aqui, vale voltar a relembrar que o planejamento do ensino será guia fundamental para essa tarefa.

O segundo passo ---- com os dados decorrentes da coleta de dados em mãos --- será a qualificação da realidade (a leitura qualitativa dos dados coletados). Como sinalizamos acima, esse passo é cumprido comparando-se a realidade descrita com um determinado padrão de qualidade, que permite dizer se os resultados alcançados já são aceitáveis, ou não.

A qualidade não existe por si, ela sempre representa uma atribuição a realidade. Epistemologicamente, se diz que a qualidade “não existe por si, mas sempre em outro”, ou seja, ela não é substantiva, mas adjetiva.

Por último, o ato de avaliar é o “conselheiro do gestor”, à medida que, com sua capacidade de revelar a qualidade da realidade, oferece ao gestor a possibilidade de tomar decisões de investir mais na realidade e, desse modo, produzir um resultado de qualidade mais aceitável, ou mais satisfatória. A qualificação da realidade subsidia o gestor na intervenção, se necessária, tendo em vista a correção dos rumos da ação, tendo como meta a obtenção de resultados compatíveis com o planejado.

Não podemos nos esquecer que o educador em sala de aula é o gestor da sala de aula, isto é, aquele que “gera os resultados desejados”. O educador pode e deve ter o sacerdócio como modo de ser --- um cuidador ---, todavia necessita ser um gestor, à medida que dedica-se a “gestar” os resultados pretendidos.


Para tanto, deverá ter presente todas as variáveis presentes no âmbito de sua ação --- 01. as variáveis presentes na sua capacidade de se relacionar com os educandos e, com eles, atuar tendo em vista os resultados desejados; 02. as variáveis relativas ao educando, sua faixa etária, suas possibilidades, suas limitações; 03. as variáveis constitutivas da circunstância onde se atua. Não há como ser gestor de uma situação sem que se tenha presente todas essas variáveis. 

Caso não se tenha consciência e não se leve em consideração essas variáveis, será fácil cair na lamentação, que possibilita que, ao invés de investir em soluções, o educador permaneça fixado na lamentação da impossibilidade de se obter melhores e mais significativos resultados

Concluindo sobre avaliação da aprendizagem

Em qualquer nível de ensino (pré-escola, ensino fundamental, médio, superior, pós-graduação), a avaliação --- como investigação da qualidade da realidade --- será a parceira do gestor na busca e obtenção dos resultados desejados, desde que estará revelando-lhe se os resultados de sua ação já atingiram um padrão aceitável ou se serão necessários mais investimentos a fim de que se obtenha o que fora expresso no planejamento da ação, como um desejo necessário.

De fato, em todos os níveis de ensino --- também na educação infantil --- a avaliação será sempre diferente do ato de examinar.

Os exames destinam-se, por si mesmos, a uma prática seletiva --- quem entra e quem não entra: entra quem “já está pronto” para tanto; ao passo que a avaliação atua sempre na perspectiva da inclusão, todos que estão envolvidos numa determinada ação educativa já estão dentro do processo e, por isso, devem ser cuidados, tendo em vista atingirem o melhor nível de aprendizagem e, consequentemente, de desempenho desejados.

Numa prática avaliativa, não há espaço para uma prática seletiva (isto é, que exclui), pois que a prática avaliativa, por si, se define como inclusiva, construtiva.


Formação de professores para cuidar da avaliação na educação infantil

O avaliador --- em quaisquer um dos níveis de escolaridade --- será formado, em primeiro lugar, pelo autocuidado pessoal, isto é, por prestar atenção em si mesmo, nos modos pessoais de se conduzir na vida e nas relações com outras pessoas, especialmente, no caso da pratica educativa, em relação ao educando. Esse é um ponto de partida imprescindível para quem trabalha em educação, pois que a essência dos seus atos tem a ver com relação interpessoal.

No caso, não podemos nos esquecer que temos uma biografia, que marca nosso modo de ser e, em conformidade com o que ocorreu em nossas vidas, mas do receptivos ao educando, podemos ser reativos, o que inviabiliza qualquer ato de educar.

Em segundo lugar, o educador, em sua formação, deverá aprender ter presente o educando com todos as suas caraterísticas, sejam elas quais forem.

O ponto de partida do ato de educar é o acolhimento do educando. Sem esse ponto de partida, não haverá educação, pois que o educando não estará sendo reconhecido no seu ser e no seu modo de ser. Qualquer conduta que se possa ter junto ao educando dependerá desse ponto.

A partir dele, educador e educando caminharão juntos, sendo que o educador é o adulto da relação pedagógica. David Boadella, criador da Biossíntese --- uma prática psicoterapêutica somática --- diz que é a “receptividade viva de outro ser humano” que nos cura, ou, no caso, nos educa.

Não há outra possibilidade na prática educativa, para que efetivamente seja educativa. Isso implica que o educador se cuide, como dissemos acima, para que seja parceiro do educando e não reativo a ele.

Em terceiro lugar, estudar muito. O educador não pode atuar com base no senso comum --- opiniões e crenças cotidianas, não-críticas ---, mas sim com base no mais consciente senso crítico, ou seja, com base naquilo que as ciências da educação vêm oferecendo, no presente, no que se refere à constituição do ser humano e seu modo de agir, além dos estudos relativos ao presente sociocultural no qual vivemos.

Por último, uma prática docente consistente, aprendida em estágios, assim como em práticas cotidianas analisadas por um senso crítico válido e permanente, observando o que é compatível e o que não é compatível com o status de educador na educação infantil (no caso deste artigo, na educação infantil; contudo, as mesmas observações se aplicam para a formação de educadores para todos os outros níveis de escolaridade).

Só uma honesta e cuidadosa observação do que ocorre no cotidiano nos forma do melhor modo possível. Nesse caso, sempre necessitaremos do nosso senso crítico pessoal, mas, sem sombra de dúvidas, também do olhar do outro que possa nos sinalizar uma percepção diferente daquela que estamos tendo. Não se trata de uma censura, mas de um diálogo, onde existe acolhimento e partilha entre observador e observado. “Dialogo” significa chegar a um consenso entre dois, mediados por uma experiência que se dá na realidade.

Em síntese o educador infantil --- como qualquer outro educador --- forma-se nos cuidados consigo mesmo, nos cuidados com a relação com o outro, nos estudos aprofundados das ciências que fundamentam o seu modo de agir e na prática cotidiana, seja em estágios supervisionados, seja no cotidiano do trabalho.

Leituras complementares

Para estudos complementares, que esclarecem e aprofundam todos os conceitos apresentados e elaborados neste texto, sugiro meus livros, assim como textos publicados em meu site www.luckesi.com.br. Livros:
Cipriano Carlos Luckesi, Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições, Cortez Editora, São Paulo, 2012, 22ª edição (importa que seja esta edição, que contém revisão e acréscimos em relação às edições anteriores desse livro)
___________________, Avaliação da aprendizagem: componente do ato pedagógico, Cortez Editora, São Paulo, 2011, 1ª edição.
___________________, Sobre notas escolares: distúrbios e possibilidades, Cortez Editora, São Paulo, 2014.


__________________, Filosofia da educação, Cortez Editora, São Paulo, 2011, 3ª edição.







segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

85 - A questão da subjetividade ou da objetividade do ato de avaliar a aprendizagem dos aprendizes



Cipriano Luckesi


Usualmente, em nosso cotidiano, seguindo o senso comum, dizemos que toda avaliação é subjetiva. Acredito que vale a pena um cuidado epistemológico com essa compreensão.

Todo juízo, que atribui qualidade a alguma coisa, pessoa, situação, projeto de ação..., tem por base um parâmetro.

Um juízo de qualidade não é “substantivo”, ou seja, ele não descreve a realidade, não lhe atribui “ser”; ele é “adjetivo”, isto é, atribui uma qualidade à realidade, tendo por base um parâmetro.

A qualidade, por si, epistemologicamente, não existe; ela expressa uma atribuição feita por um sujeito a alguma realidade, através de sua comparação com um parâmetro. Por exemplo, o que existe é “uma mulher”, todavia considerar que ela possui a “qualidade de bonita” dependerá da comparação de suas características com um padrão que se considere de beleza. O mesmo ocorre com valores morais, religiosos, de sabor, da aprendizagem, e tudo o mais... (ver "OBS" ao final desse texto)

A qualidade atribuída a alguma realidade pode se expressar também de forma coletiva, como, por exemplo, um “valor” atribuído por uma comunidade a uma determinada realidade; no caso, uma atribuição de qualidade que, ao longo de um tempo, se tornou coletiva.

Então, para que haja uma prática avaliativa, há que se ter um parâmetro de qualidade, ao qual a realidade é comparada, tendo em vista afirmar sua qualidade frente a esse determinado parâmetro. Ele pode ser subjetivo, mas, sem ele não haverá avaliação.

Se subjetivo, terá a validade do padrão subjetivo de quem atribui a qualidade com base em seu parâmetro pessoal, interno. Essa avaliação poderá ter validade ou ser questionada? Claro que sim, pois que o parâmetro é subjetivo, pertence a quem produz o juízo qualitativo. Nesse fundamento está o pedido que fazemos aos nossos interlocutores, quando solicitamos que expressem os critérios que utilizam para afirmar a qualidade que atribuem a uma determinada realidade. Ou seja, solicitamos o parâmetro de qualificação.

Que parâmetro de qualidade um determinado sujeito utilizou para proceder a determinado juízo de qualidade? Todos poderemos discordar do critério; ou concordar com ele. O que importa é que ele--- subjetivo ou objetivo --- está na base da qualificação e necessitamos de saber qual é esse critério.

Importa ter clareza que, constitutivamente, não há juízo de qualidade sem algum parâmetro, desde que a qualidade não é “substantiva”, mas “adjetiva”, isto é, não existe por si, mas como atribuição a algo existente, como sinalizamos acima.

Os currículos escolares estabelecem um parâmetro objetivo que serve de base, em primeiro lugar, para a atividade de ensinar e, subsequentemente, para o ato de avaliar, que, por si estará a serviço do ensino, sinalizando se ele já atingiu a qualidade esperada ou se há necessidade de mais investimento para se chegar ao que se deseja.

 Um currículo escolar descreve o que se vai ensinar e o que o estudante deve aprender. Então, ele, ao lado de configurar o que deve ser ensinado, estabelece base, o parâmetro, para a atribuição de qualidade ao desempenho dos aprendizes.

Em alguns campos de conhecimento, como no campo da arte, poder-se-á dizer que a ela é puramente subjetiva. Nem tanto. Há possibilidade de se aquilatar o uso de formas e cores, contrastes, degradês, claro/escuro; cinzas, preto/branco, expressões expressivas da realidade, cópias da realidade... O mesmo poder-se-á dizer a atividade de ensinar e aprender a atividade teatral ou em relação a qualquer das áreas artísticas. Importa estar ciente de que todas elas têm bases na realidade.

Contudo, importa ter presente que o mesmo ocorre nas áreas científicas e tecnológicas. Existem parâmetros do que se considera válido ou não válido, numa determinada altura histórica e cultural, que, por si, comporão os currículos escolares, com a mesma função de orientar tanto o ensino quanto a avaliação.

Um professor, sendo o adulto da relação pedagógica (aquele que já fez o caminho) pode ajudar o aprendiz a ver de forma diferente aquilo que conseguiu produzir com tal aprendizagem até o momento em que está ocorrendo a prática avaliativa, incidente sobre o resultado do seu desempenho.

Por si, a função da avaliação não é aprovar ou reprovar --- funções dos exames --- que, indevidamente, temos atribuído à avaliação; a função da avaliação é diagnosticar, o que possibilita “confrontar” o educando --- fato que implica em acolher e sinalizar ao educando, se necessário novas possibilidades ---, ato diferente de “antagonizar”, que, no caso, significa julgar e excluir.

Quem julga coloca-se “de fora” de um processo, um educador, para praticar a avaliação, necessita colocar-se “de dentro” da situação. Ele, na prática do ensino, não é juiz que julga, condena ou absolve. É um parceiro de jornada na construção de uma aprendizagem.  No seu caminhar pela vida, o educador aprendeu, ou seja, recebeu de outros o que sabe; agora, é sua vez de ensinar, isto é, distribuir o que aprendeu para o seu bem e dos outros. Bert Hellinger, um psicoterapeuta alemão, diz que a forma de agradecer o que recebemos é distribuir.

É nesse contexto que o ato de avaliar, que é um ato de investigar a qualidade da realidade, implica em ter:

(01) um objeto de avaliação (o que se vai avaliar, com a variáveis que o caracterizam; que no caso do ensino devem estar explícitas nos currículos e nos planos de ensino);

(02) uma coleta de dados, que tem presente as variáveis definidas nos currículos e planos de ensino orientado o que se deve ensinar e o que deve ser aprendido;

(03) comparar a descritiva, obtida pela coleta de dados, com o parâmetro de satisfatoriedade, estabelecido nos currículos e nos planos de ensino;

(04) caso a aprendizagem já seja satisfatória, ótimo; caso seja insatisfatória, ensinar de novo um determinado conteúdo até que o educando aprenda.



Essa consideração tem sua base no fato de que o único e fundamental objetivo de uma escola é que o educando aprenda e, consequentemente, se desenvolva. Tudo o mais é condição para que o ensino e aprendizagem sejam satisfatórios.

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OBS - Se o leitor desejar compreender epistemologicamente a forma de se manifestar dos valores, e, consequentemente, da qualidade, poderá ver o texto de minha autoria, que está publicado em INEP/Série Documental/Textos para Discussão, com o título “Educação, avaliação qualitativa e inovação”, onde se encontram, de um lado, uma abordagem da qualidade, e, de outro, indicações de abordagens epistemológicas dos valores e, pois, da qualidade, realizadas por filósofos variados.








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84 - Artigo sobre avaliação em educação infantil



Cipriano Luckesi

A Revista Interacções (Brasil e Portugal) publicou online um número especial, tratando exclusivamente sobre "Avaliação nas Primeiras Idades" --- v. 10, n. 32 (2014).

Publiquei um artigo nesse número. Para acessar, colocar no buscador Google ---

v. 10, n. 32 (2014) NÚMERO ESPECIAL - A Avaliação nas Primeiras Idades 


Na lista de sites, aparecerá como endereço --- v. 10, n.32 (2014) - RCCAP


Clicar nesse endereço, então, se chegará ao índice da revista número 32, onde estão vários artigos sobre avaliação na educação infantil, inclusive o meu.

Também poderá acessar o artigo pelo link - http://revistas.rcaap.pt/interaccoes/issue/view/NÚMERO%20ESPECIAL%20-%20A%20Avaliação%20nas%20Primeiras%20Idades 


Escolher o artigo que interessa e clicar em "PDF" que se encontra indicado em cada um dos artigos. Se necessário, seguir instruções do próprio site.




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