segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

129 - ESCOLA E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL


Cipriano Luckesi


Segundo dados estatísticos recentes, 1% da população brasileira detém 28% da riqueza, 9% outros 55% da riqueza do país, 40% da população, denominada de classe média, detém 32% da riqueza, e 50% da população brasileira detém 12% da riqueza do país. É excessiva à pobreza.

Que papel pode ter a educação para a transformação dessa realidade?

Também segundo dados estatísticos, no Ensino Básico brasileiro, nós somos 2.300.000 (dois milhões e trezentos mil) professores e, no ensino superior, nós somos aproximadamente 380.000 professores (trezentos e oitenta mil). Afinal um número extremamente significativo de profissionais que podem fazer a diferença nas questões da inclusão social.

A cada ano, no Brasil, ingressam na primeira série do Ensino Fundamental em torno de 5 milhões de estudantes e concluem o ensino superior, 16 anos depois, em torno de um milhão de estudantes. Ocorre, então, uma exclusão social de 80% dos estudantes nesse espaço de escolarização.

Qual a razão para que os cinco milhões de estudantes que ingressam na primeira série do Ensino Fundamental não cheguem à conclusão do ensino superior com um diploma universitário em mãos?

São ceifadas ao longo do caminho, seja pelas múltiplas reprovações, seja por um ensino sem qualidade satisfatória, seja por necessidades familiares do trabalho dos jovens para sua sobrevivência.

Em nossas mãos de educadores escolares está a possibilidade de atuar a favor desses estudantes, suprimindo a exclusão decorrente das reprovações excessivas, das exclusões pelo cansaço de não aprender.

Claro, o mais comum é sinalizar as políticas sociais são desfavoráveis. Não discordo desse ponto de vista. Contudo, não falo delas. Falo da sala de aula. Lá, somos os líderes e os responsáveis para que os estudantes aprendam. Ninguém nos impede de exercer esse papel. Importa ser proativo. Investir --- e muito! --- na aprendizagem dos estudantes que nos são confiados.

Suprimir as reprovações não significa promover os estudantes sem que eles tenham aprendido satisfatoriamente aquilo que fora ensinado. Ao contrário, importa ensinar para que efetivamente todos --- todos --- aprendam com qualidade satisfatória o ensinado.

Então, estaremos atuando, na prática educativa escolar, a favor da democratização social.

Caso garantamos, através do nosso trabalho, que 80% --- já nem penso em 100% --- dos nossos estudantes que ingressam na primeira série do Ensino Fundamental, 16 anos depois, cheguem ao diploma universitário, com qualidade positiva de aprendizagem, em 20 anos, nós teremos 80 milhões de diplomados nesse país, além  daqueles que já existem nessas condições.

Então, nenhum cidadão brasileiro estará recebendo R$965,00 de  salário por um mês de trabalho ou menos que isso, como revelam nossas estatísticas. Sairemos dessa faixa de miséria em que se encontra uma população imensamente excluída.

Temos em nossas mãos um poder, que desconhecemos, que é a educação escolar com qualidade positiva para todos os nossos estudantes que ingressam em nossas instituições de ensino.

As Faculdades de Educação têm em suas mãos a condição de formação de futuros educadores, seja através dos cursos de pedagogia, seja através das licenciaturas. Professores que atuem com o poder que tem de ensinar com qualidade positiva para todos os seus estudantes.

Repito: temos em mãos um poder que desconhecemos. Nada especial a não ser exercitar o papel profissional que temos nas escolas e nas salas de aula.


Um olhar e uma ação proativos.






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quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

128 - PROFESSOR GESTOR DA SALA DE AULA E PROFESSOR AVALIADOR


Cipriano Luckesi

Nos textos recentemente publicados neste blog, sob os números 128,129,130, foram tratados temas relativos à avaliação em educação como “subsidiária de decisões pedagógicas construtivas” da aprendizagem satisfatória dos estudantes. No presente texto, pretendemos sinalizar a necessidade e importância da distinção dos papéis do educador como avaliador e como gestor da sala de aula. Importa observar que “distinguir” não é “separar”.
O gestor é aquele que age, tendo em vista a produção de resultados satisfatórios com sua ação. O avaliador é aquele que investiga a qualidade dos resultados obtidos, subsidiando novas decisões e encaminhamentos tendo em vista a produção de resultados satisfatório, caso esse seja o desejo da gestão da ação.
No caso da sala de aula, o professor exerce os dois papéis, o de gestor da ação pedagógica e de avaliador dos resultados de sua ação.
Nas instituições complexas, esses papéis são exercidos por equipes diferentes: a da gestão e a da avaliação. A primeira realiza as atividades e a segunda subsidia a primeira, investigando e revelando a qualidade da realidade; fator que lhe possibilita tomar as medidas necessárias, reorientando as atividades, tendo em vista construir os resultados desejados.
Por vezes na sala de sula, essa fenomenologia confunde um pouco o educador, parecendo que o ato de avaliar atua por ele mesmo, produzindo resultados. Nesse contexto de compreensão, importa ter clareza que o ato de avaliar se assemelha ao ato de investigar na ciência, ou seja, ambos são atos de investigação e ambos revelam aspectos da realidade, porém não atuam em sua modificação.
A ciência revela o que é a realidade e como ela funciona, a avaliação revela a qualidade da realidade. Em ambas as circunstâncias, a produção de novos resultados dependerá da ação do gestor de uma ação. No caso, a ciência ela subsidia as múltiplas e variadas tecnologias que temos; a avaliação subsidia novas decisões do gestor frente aos objetivos de sua ação.
Como sinalizamos, na sala de aula, o professor exerce tanto o papel de gestor, ou seja, aquele que investe na ação, tendo em vista a conquista dos objetivos previamente estabelecidos e, ao mesmo tempo, exerce o papel de avaliador, tendo em vista verificar a qualidade dos resultados de sua ação. Nesse contexto, é fácil a confusão em acreditar que a avaliação, por si, é autônoma e produziria resultados.
De fato, ela não é autônoma; ela subsidia a gestão da ação. A avaliação, na sala de aula, como em qualquer outro âmbito de ação, revela a qualidade da realidade. Com essa informação em mãos, o gestor da ação toma decisões.
No caso da sala de aula, as decisões, decorrentes dos atos avaliativos, têm a ver com:
(01) admitir que os resultados obtidos apresentam a qualidade satisfatória, e, pois, preenchem todos os requisitos propostos no planejamento de ensino para a aprendizagem dos estudantes (uso probatório dos resultados da avaliação);
(02) admitir que os resultados ainda não atingiram o nível de satisfatoriedade, fator que pode conduzir o gestor da ação a duas opções:
(a) assumir a qualidade revelada --- ainda que não satisfatória --- como final e não proceder nenhuma nova intervenção na ação, “deixando as coisas como estão” (uso probatório dos resultados da avaliação. Ainda que os resultados sejam insatisfatórios, o gestor decide por encerrá-la no nível em que se encontram);
(b) assumir a qualidade da realidade, revelada pela avaliação, como ainda não-satisfatória, e, pois, intermediária, o que implica na tomada de novas, e novas, decisões, a fim de que os resultados da ação atinjam a qualidade desejada (uso diagnóstico dos resultados da investigação avaliativa).
A compreensão exposta, acima, auxilia o educador em sala de aula a entender que ele é, ao mesmo tempo, tanto o gestor da sala de aula, como o avaliador dos resultados de sua ação.
Como avaliador, busca revelar a qualidade dos resultados de sua ação, tendo em vista subsidiar o seu lado de gestor a tomar decisões, as mais ajustadas, tendo em vista a conquista do objetivo final que é o de que sua atividade produza a aprendizagem satisfatória por parte de todos os estudantes colocados sob sua responsabilidade.
Quanto a compreensão, aqui exposta, importa ter um olhar proativo, isto é, um olhar voltado para o futuro, com o desejo de construí-lo.
Não serve para nada olhar para o passado a não ser como diagnóstico daquilo que já ocorreu e necessita ser ultrapassado e integrado. Olhar para o passado como justificativa para não investir proativamente na ação, implica em um uso inadequado dos atos avaliativos. A natureza inventou a avaliação, a fim de que nos sirvamos de seus recursos de forma construtiva, ou seja da forma saudável.

Tendo em vista estar ciente de quando, em sala de aula, estamos atuando no papel de gestor ou de avaliador, importa estar atento a esses papéis. A gestão da sala de aula é a responsável pela produção de resultados satisfatórias. A avaliação é a subsidiária que revela à gestão: “você já conquistou o resultado desejado”, “você ainda não conquistou o resultado desejado”. Cabe ao gestor decidir o que fazer.



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domingo, 3 de dezembro de 2017

127 - USO DOS RESULTADOS DA AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO: DIAGNÓSTICO, PROBATÓRIO, SELETIVO


Cipriano Luckesi


Como temos explicitado em posts anteriores deste blog, a avaliação é um ato de investigar a qualidade da realidade, revelando-a. Isso significa que o ato de avaliar se encerra no momento em que revela a qualidade da realidade, de modo semelhante ao que ocorre com a ciência, que encerra seu papel quando revela o que é a realidade ou como ela funciona.
As decisões e intervenções tecnológicas com base no uso dos resultados da ciência, assim como as tomadas de decisão por parte do gestor de uma ação com base nos resultados da investigação avaliativa --- seja para investir mais, e mais, até que os resultados da ação atinjam a qualidade desejada, seja para decidir não investir mais na ação em curso, aceitando a qualidade dos resultados no nível em que se encontra --- tem seu fundamento no conhecimento estabelecido pela investigação.
No caso da investigação avaliativa, o gestor da ação pode servir-se dos seus resultados para “diagnosticar” a qualidade dos resultados da ação em andamento, como também para “aprovar” o resultado final da ação, ou ainda para “selecionar” pessoas ou bens em função de sua qualidade.
Em síntese, são três os usos possíveis dos resultados da avaliação, quando ela está sendo praticada em relação a um sujeito: uso diagnóstico, uso probatório e uso seletivo.

O USO DIAGNÓSTICO é aquele que, frente à qualidade dos resultados, subsidia o gestor ada ação proceder correções ou intervenções no seu percurso tendo em vista “atingir o resultado desejado”.
O USO PROBATÓRIO ocorre quando, após a coleta de dados e sua qualificação, o gestor da ação decide transformar o natural processo do ato avaliativo em um ordenamento de todos os participantes, segundo uma escala de qualidades com variação do superior para o inferior, ou, ao contrário, do inferior para o superior, definindo uma faixa dessa escala, dentro da qual se situam os “aprovados” e fora da qual se situam os “reprovados”.
O USO SELETIVO dos resultados da investigação avaliativa, comumente, está presente em toda e qualquer situação, onde ocorre a concorrência por uma vaga, como ocorre, por exemplo, nos concursos, sejam eles públicos ou privados.

Na sala de aula e na escola em geral, comumente, ocorreriam dois desses usos. Nessa circunstância, não faz sentido o “uso seletivo”, desde que o estudante já tem sua vaga garantida na escola. Ele já se encontra matriculado na escola e na turma de estudantes. Então, restam os outros dois usos possíveis dos resultados da investigação avaliativa: o uso diagnóstico e o probatório.
Na sala de aula, o uso diagnóstico dos resultados do ato avaliativo necessita ser praticado de modo constante na relação professor-estudante, tendo em vista garantir que o estudante efetivamente se aproprie dos conteúdos ensinados --- conhecimentos e habilidades. Para tanto, os atos avaliativos, de modo constante, subsidiam o professor, como gestor da sala de aula, a tomar sucessivas decisões de tal forma que os estudantes se apropriem dos conteúdos ensinados. Afinal, essa é a meta da ação de ensinar.
A orientação dada por Ralph Tyler, pesquisador norte-americano que cunhou, em 1930, a expressão ”avaliação da aprendizagem” era: (1) ensine alguma coisa; (2) diagnostique a aprendizagem; (3) aprendeu? Ótimo, siga em frente; (4) não aprendeu, ensine de novo até que aprenda.
Com essa atitude e investimento, todos os estudantes de uma turma poderão e deverão chegar ao padrão satisfatório desejado de qualidade. O educador criará e recriará situações que possibilitem a todos a aprendizagem satisfatória do conteúdo ensinado, desde que esse é o resultado desejado de sua ação. Ninguém, afinal, age para obter resultados insatisfatórios. Todos, por natureza, desejamos que nossa ação produza resultados satisfatórios.
Esse é o modelo de uso dos resultados da avaliação que a natureza adotou. Nosso sistema nervoso e todo nosso sistema orgânico adotam esse algoritmo. Mas, também esse é o uso dos resultados da avaliação que praticamos, de modo comum e habitual em nosso dia a dia, tendo em vista atingir os resultados que desejamos em decorrência de nossa ação.
Em qualquer ação cotidiana, praticada por seres humanos, verificaremos esse fato. Constantemente, estamos tomando novas e novas decisões, com o objetivo de que nossa ação efetivamente produza o resultado que desejamos. Basta observar uma pessoa cozinhando e ficaremos cientes de que ela está constantemente avaliando a comida que prepara, procedendo correções; o mesmo ocorre com um pedreiro, com um marceneiro, como um escritor, com um artista, com um cirurgião... com nosso movimento, andando pela rua de nossa cidade, a todo momento procedemos correções, tendo em vista chegar ao nosso destino. E, desse modo, todas as nossas ações.
 Contudo, na educação escolar, em função de razões históricas e sociológicas, já bastante estudadas, inclusive em textos deste blog, praticamos, quase que com exclusividade, o uso “probatório” dos resultados da avaliação da aprendizagem de nossos estudantes, esquecendo-nos do seu uso diagnóstico.
Os estudos sobre a questão do uso diagnóstico dos resultados da avaliação nos atos de ensinar-e-aprender já se aproximem de um século. No mundo, substituindo a expressão “exames escolares”, se fala em “avaliação da aprendizagem” desde 1930, com Ralph Tyler, USA, e, no Brasil, desde o início dos anos 1970, com os estudos “para” e “em torno” da Lei 5.692/71.
O uso diagnóstico subsidia a construção dos resultados desejados; o uso probatório aprova ou reprova os resultados de uma ação. O uso diagnóstico subsidia uma ação chegar ao seu final de modo satisfatório, o uso probatório encerra uma ação.
As notas escolares --- como usadas cotidianamente, e de forma quase que exclusiva, em nossas escolas, como recurso de registro do desempenho dos estudantes em sua aprendizagem --- levam no seu bojo uma distorção do uso probatório dos resultados da avaliação, no que se refere à necessária aprendizagem, de todo os estudantes, em todos os conteúdos curriculares, assumidos como necessários à formação do estudante. A “média de notas”, ao invés de efetivamente revelar a satisfatoriedade na aprendizagem, revela essa distorção.
Só para exemplificar e entender essa compreensão, vale um, exemplo. Um estudante obtém a nota 10,0 (dez) decorrente de seu desempenho na aprendizagem do conteúdo “adição”, no âmbito da aritmética, contudo, no conteúdo “subtração”, ele obtém 2,0 (dois). Procedendo-se a média entre as notas obtidas, como ocorre cotidianamente em nossas escolas, ela será 6,0 (seis), decorrente de 10,0+2,0 = 12,0, que, dividido por 2, = 6,0. Com a média 6,0, o estudante está aprovado, porém os registros revelam que ele só aprendeu adição. Essa é a distorção do uso probatório de modo exclusivo.
Então, importa que nós educadores nos sirvamos, em nossas atividades escolares, da avaliação constante da aprendizagem dos estudantes e do uso diagnóstico dos seus resultados, tendo em vista subsidiar nossas decisões a favor da aprendizagem satisfatória “de todos”, em “todos os conteúdos ensinados”. Então, a aprovação do estudante em sua aprendizagem (o uso probatório) decorrerá naturalmente da efetiva aprendizagem satisfatória por parte de todos os estudantes, decorrente de nosso investimento cotidiano em sua aprendizagem.
O uso seletivo dos resultados da avaliação permanecerá, como sempre ocorreu, para os concursos, onde os candidatos concorrem à uma vaga, seja em uma instituição, seja em uma atividade, seja em um pódio...
O convite é para que aprendamos, em nossas escolas, a nos servir dos resultados da avaliação da aprendizagem, como recurso subsidiário do sucesso de todos, assim como de sua consequente inclusão social. Afinal, todos podem e devem aprender, fator que garante seu desenvolvimento em direção à vida adulta e em direção a vida participativa na sociedade. Uma sociedade saudável educa a todos para que todos aprendam.




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quinta-feira, 30 de novembro de 2017

126- RECRIANDO O ATO AVALIATIVO PRATICADO PELA NATUREZA: MODALIDADES SUCESSIVA E PONTUAL


Cipriano Luckesi
 ccluckesi@gmail.com


No texto anterior deste blog, abordei a questão de como nosso sistema nervoso central se serve da rede de fibras nervosas do nosso corpo, assim como das conexões entre os seus neurônios, para receber informações, processá-las e comandar soluções, de modo intermitente.
No texto que se segue, desejo sinalizar como, em nossas ações, cotidianamente e de maneira habitual, agimos de modo semelhante, contudo, quando passamos para ações no âmbito profissional, os atos avaliativos podem e devem ganhar, de modo casado, as formas sucessiva e pontual.
No dia a dia, todos nós agimos comumente, sem estarmos atentos ao fato de que todos os nossos atos são precedidos de um ato avaliativo. A seguir, ofereço exemplos de algumas práticas avaliativas cotidianas, exclusivamente para ficarmos cientes de que o ato avaliativo precede todas as nossas escolhas e, pois, nossas ações.
De manhã, em frente ao espelho, investigamos a qualidade de nossa aparência e, em consequência, tomamos variadas, rápidas e sucessivas decisões. Decidimos melhorar a aparência de nosso rosto, de nosso penteado, da roupa que vestimos.... Fora do espelho, avaliamos os sapatos que calçamos, sua combinação com todas as peças de roupas que vestimos, sua adequação ao ambiente para onde nos dirigiremos, seu conforto.... Enfim, mesmo sem prestarmos atenção a esses modos de agir, estamos, de modo habitual, e de algum modo inconsciente, praticando atos avaliativos e fazendo uso dos seus resultados, na perspectiva de obter melhores e m ais significativos resultados.
O leitor, por si mesmo, poderá prestar atenção aos seus atos cotidianos e constatar que atos avaliativos são praticados a todos os momentos, colados ao nosso viver cotidiano. Afinal, em síntese, não agimos, sem que nossos atos sejam precedidos de um ato avaliativo, sempre na perspectiva de tomar a decisão e o consequente encaminhamento na perspectiva de obter o melhor resultado. No caso, repetimos a prática avaliativa do nosso sistema orgânico, em torno do qual tecemos observações no texto anterior deste blog.
Então, o ato avaliar, que representa um dos três atos universais do ser humano [tema anteriormente tratado neste blog: (01) investigar o que é e como funciona a realidade, (02) investigar a qualidade da realidade, (03) agir como base nas duas formas de conhecimento], além de ser utilizado espontaneamente, pode e necessita ser utilizado de forma consciente e metodologicamente orientado.
Então, existem duas possibilidades: (a) praticar a avaliação de modo sucessivo e (b) praticar a avaliação em momentos pontuais da ação.
A “pratica sucessiva” é aquela que é realizada constantemente no percurso de uma ação --- contudo, de forma consciente ---, tendo em vista constatar a qualidade dos resultados que estão sendo obtidos e, no caso, se necessário, proceder intervenções corretivas na ação, cujo objetivo é a busca do resultado satisfatório desejado.
A “prática pontual” da avaliação é aquela que é praticada ao final de um percurso de ação, tendo em vista classificar o seu resultado ou ainda --- além de classificá-lo --- aprová-lo/reprová-lo.

As práticas sucessiva e pontual da investigação avaliativa são realizadas tendo como base os princípios da lógica formal (princípio de identidade - "a = a"; princípio de contradição - "a não pode ser não-a"; e princípio do terceiro excluído - "entre 'a' e 'não-a', não existe outra possibilidade), ou seja, "um objeto de investigação de cada vez", daí ela ter as características de sucessiva  (vezes sucessivas, mas uma por vez) e pontual (uma só vez).
Transitando dessas compreensões gerais sobre avaliação para a compreensão da avaliação no âmbito do ensino-aprendizagem escolar, a “prática sucessiva” é aquela que o educador, em múltiplos e sucessivos momentos de sua ação pedagógica, realiza investigações avaliativas a respeito dos resultados de sua ação pedagógica, que é expressa pela aprendizagem dos estudantes.
Por exemplo:
(a) no início do tratamento de um tema novo em sala de aula, com o objetivo de ter consciência de quantos de seus estudantes já tem domínio no assunto a ser tratado;
(b) no decurso de um horário de aula, tendo em vista aquilatar as compreensões (ou não) que os estudantes estão adquirindo do conteúdo abordado;
(c) ao final de um horário de aula, para aquilatar o quanto os estudantes se aproximaram da compreensão necessária do conteúdo trabalhado;
(d) no início de um horário de aula subsequente, com o objetivo de constara a qualidade da apropriação do conteúdo trabalhado anteriormente;
(e) após o encerramento do tratamento de um determinado conteúdo, tendo em vista aquilatar como está o desempenho dos estudantes a respeito do tema, cujo tratamento se encerrou. Essas entre outras possibilidades.
Atos sucessivos de avaliação subsidiam o educador a diagnosticar e intervir mais, e mais, tendo em vista garantir que todos os estudantes tenham aprendido o conteúdo ensinado.
Então, a avaliação será a “parceira” do educador, a lhe sinalizar, de modo sucessivo, a qualidade dos resultados de sua ação, o que implica em tomadas de decisão de investir mais, e mais, em caso de necessidade, ou prosseguir para novas tarefas, desde que a anterior já produziu resultados com a qualidade desejada.
A “prática pontual” se dará em momentos específicos da ação pedagógica, usualmente ao seu final, desde que tem por destino proceder a “classificação” dos resultados, tendo por base a qualidade atingida. No caso do estudante, a qualidade de sua aprendizagem, manifestada através de seu desempenho em uma tarefa ou em um teste para verificar conhecimentos e habilidades adquiridos.
Casando a “prática sucessiva” com a “prática pontual”, observaremos que a primeira subsidia o educador a chegar ao final de sua ação com resultados de aprendizagem qualitativamente satisfatórios, desde que as decisões de intervenção corretiva foram sendo realizadas ao longo do percurso da ação pedagógica. Por outro lado, se a qualidade do resultado da aprendizagem dos estudantes foi sendo construído ao longo de uma unidade de ensino, será natural que, “pontualmente”, ao seu final, eles (todos) apresentem resultados satisfatórios, permitindo sua classificação no topo da escala de qualidades, e, pois, uma qualidade probatória positiva.
Desse modo, nós educadores necessitamos incorporar em nosso modo de agir pedagógico cotidiano, que as práticas “sucessivas” e “pontuais” --- “casadas” --- da avaliação da aprendizagem em sala de aula. Elas não se opõem nem se excluem; se somam. Importa servirmo-nos das duas da forma mais criativa possível, a fim de que “todos” os nossos estudantes efetivamente aprendam o necessário.
Dessa forma, estaremos contribuindo para a democratização da sociedade, via a educação escolar. Hoje, a cada cinco milhões de estudantes que ingressam na 1ª série do Ensino Fundamental, dezesseis anos depois, somente um milhão obtém um diploma universitário, ou seja, quatro milhões de estudantes (= 80% deles) são ceifados por variadas razões, mas especialmente em decorrência das múltiplas e sucessivas não- aprendizagens e, consequentes, reprovações.
É certo que não temos em nossas mãos “individuais” a possibilidade de reverter políticas públicas (nesse âmbito, só podemos atuar “coletivamente”), contudo, em nossa sala de aula, somos autônomos para investir mais, e mais, a fim de que todos os nossos estudantes aprendam e, com isso, tenham recursos para inserir-se nos mais variados processos de democratização social. Sucesso para nós todos em nossas salas de aula.




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quarta-feira, 29 de novembro de 2017

125 - AVALIAÇÃO COMO UM ATO NATURAL NO SER HUMANO: O QUE APRENDER COM ELE?


Cipriano Luckesi



Iniciemos pela compreensão conceitual dos processos avaliativos na vida humana em geral.
O ato avaliativo, como tenho sinalizado em outras oportunidades, é universal. Pertence à natureza humana, como lhe pertence também o ato de conhecer factualmente, assim como de agir com base nas duas áreas cognitivas citadas (tecnologia). O ato de avaliar é praticado de modo natural e habitual por nosso organismo, e, de forma semelhante, o praticamos no cotidiano via o senso comum. Contudo, em variadas circunstâncias --- como as profissionais ---, para ser significativo, necessitamos praticá-lo de modo consciente e decidido.
Neste texto, abordaremos a questão de como o ato de avaliar pertence à natureza humana e é universal.
O resultado do ato avaliativo, como investigação, revela a qualidade da realidade, de maneira semelhante como a ciência revela o que é a realidade e seu funcionamento. O agir, por sua vez, usufrui de ambas as formas de conhecimentos --- factual e avaliativo ---, realizando as ações necessárias à dinâmica da vida. A ciência oferece suporte às variadas tecnologias; a avaliação às escolhas, que, subsidiam decisões a respeito de investir, ou não, na ação, e, em qual ação.
Ao tempo que nosso organismo “intermitentemente” pratica atos avaliativos, também ele faz usos intermitentes dos seus resultados, de forma fisiológica e habitual, orientando ações que nosso corpo executa por si mesmo, na busca de garantir sua sobrevivência e bem-estar, assim como ações que realizamos cotidianamente, no espaço e tempo em que vivemos, para nossa sobrevivência no planeta, que, todos nós desejamos que seja a melhor possível. Fato que significa um uso diagnóstico dos resultados desse ato avaliativo intermitente, à medida que a natureza inventou essa modalidade de avaliação constante para garantir tomadas de decisão a favor da vida.
Nosso sistema nervoso é uma central de administração do nosso corpo, que, a todos os instantes, recebe milhares e milhares de informações, originárias de todas as áreas de nosso corpo, também de forma instantânea, processa essas informações e envia comandos para variados pontos de nosso organismo, tendo em vista garantir nossa sobrevivência. O sistema nervoso autônomo (SNA) se expressa como a mais fantástica central de administração da vida, coletando informações, processando-as, enviando-as de imediato para os mais variados rincões do corpo, exigindo soluções, sob pena de colapso, seja de imediato ou a longo prazo. Nosso sistema nervoso é incansável como central de recepção de informação, seu processamento e sua utilização.
Dentro dessa perspectiva --- da avaliação praticada pelo sistema nervoso central e do uso dos seus resultados ---, não há ato humano que não seja precedido de uma avaliação, incluindo os atos de funcionamento inconsciente em nosso corpo, atos próprios do funcionamento natural do nosso sistema orgânico.
Do ponto de vista fisiológico, podemos citar, como um exemplo, a administração da necessidade de oxigênio para garantir a sobrevivência do nosso organismo; ou as decisões instantâneas entre fuga e permanência frente a acontecimentos que garantem ou ameaçam a integridade de nosso corpo ou de nossa vida; entre muitíssimos outros exemplos que poderíamos relembrar.
Podemos, ainda --- só para exemplificar entre as infinitas possibilidades ---, lembrar que, a todos os instantes, nosso sistema proprioceptivo está em atuação permanente, avaliando todos os nossos movimentos, conduzindo à busca permanente do nosso equilíbrio frente a múltiplos fatores intervenientes, sempre na perspectiva de manutenção de um estado corporal saudável. Por vezes, a solução intempestiva, que emerge, não será satisfatória, mas foi essa a “intenção” do nosso sistema orgânico que recebeu informações, avaliou a situação e nos induziu, de imediato, à alguma ação, que, por si, deveria ser compensatória.
Frente às avaliações intermitentes de nosso organismo, de imediato e de forma intempestiva, agimos com base nos seus resultados. Usualmente, tendo em vista nos salvar de alguma situação ameaçadora ou desagradável.
Então, seja para nossa vida cotidiana, seja para nossa vida profissional, há que se aprender com o modo de agir do nosso sistema orgânico, e, dentro dela, de modo especial com nosso sistema nervoso autônomo. Isto é avaliar sempre e constantemente, se desejamos orientar nossa ação, tendo em vista resultados satisfatórios.
Esse entendimento nos leva a compreender que o ato de avaliar é nosso parceiro intermitentemente na busca de resultados satisfatórios, seja nos subsidiando a encontrar o caminho adequado para nossa ação, seja nos sinalizando a necessidade de praticar correções de rumos, tendo em vista a conquista dos resultados satisfatórios que desejamos.
Nosso organismo usa a avaliação e seus resultados exclusivamente sob a modalidade diagnóstica. A natureza inventou essa modalidade de uso para que pudéssemos viver da melhor forma possível, ou seja, atuar na perspectiva da obtenção de resultados satisfatórios.
Claro, podemos não estar atentos aos sinais parceiros da avaliação natural e sistêmica do nosso corpo, fato que nos conduz a múltiplos desvios em nosso estado de saúde.
Creio que, para nossa prática educativa cotidiana, temos muito a aprender com nosso sistema orgânico no que se refere à avaliação como recurso intermitente de investigar a qualidade da realidade e, dessa forma, subsidiar decisões, tendo em vista a obtenção de resultados satisfatórios em decorrência da ação.
Em próximo texto, tratarei da avaliação no âmbito profissional dos educadores, no desejo de que aprendamos fazer dessa prática uma parceira em nossa jornada diária em busca de resultados satisfatórios em decorrência de nossa ação. Afinal, a natureza nos ensina que o ato de avaliar, por si, está sempre ao nosso lado e ao nosso dispor, tendo em vista o sucesso de nossa ação em termos de resultados satisfatórios.



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sábado, 25 de novembro de 2017

124 - COMPREENSÃO DO SIGNIFICADO DO ATO DE AVALIAR EM EDUCAÇÃO: BUSCA DE RESULTADOS SATISFATÓRIOS


Cipriano Luckesi
ccluckesi@gmail.com



Em minha última publicação neste Blog, sinalizei que três são os atos cognitivos que se dão na vida de todos os seres humanos, por isso, são universais. A respeito desse fato, expressei-me como se segue:


“Existem três condutas no ser humano que pertencem à sua natureza: (1) conhecer factualmente a realidade, seu modo de ser e seu modo de funcionamento; (2) conhecer a qualidade da realidade; (3) agir tendo por base tanto o seu conhecimento factual como o conhecimento da sua qualidade. O conhecimento factual garante saber como agir; o conheci mento da qualidade permite a escolha e o agir garante os resultados desejados.

Podemos distinguir essas facetas do ser humano, contudo, elas não são separadas. Atuam conjuntamente. Tendo em vista “praticar o conhecimento factual”, há necessidade de escolhas; tendo em vista “fazer escolhas”, há necessidade de descritivas factuais da realidade, que sustentam as qualidades; e, por último, “para agir”, necessitamos dos conhecimentos tanto dos dados factuais da realidade, que nos permitem cognitivamente conduzir nossa ação da melhor e mais adequada forma, quanto das qualidades da realidade, que se encontra à nossa frente, e exige de cada um de nós escolhas.

Conhecer factualmente, avaliar e agir são três atos universais disponíveis e necessários a cada um de nós na vida, de tal forma que os praticamos, usualmente, de modo habitual”

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Desejo, nessa oportunidade, esclarecer um pouco mais o papel da avaliação, como um dos atos cognitivos universais do ser humano, especialmente no que se refere à sua função no cotidiano de todos nós e no cotidiano escolar.

O ato de avaliar incide tanto sobre aquilo que nos cerca como sobre os resultados de nossa ação. Para este texto, focarei a atenção no uso dos resultados da investigação avaliativa, tendo em vista a busca da satisfatoriedade nos resultados de nossos atos.

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Em sã consciência, ninguém age para conseguir resultados insatisfatórios. Podemos até chegar a resultados insatisfatórios, mas esse episódio não decorre de uma escolha e de um desejo conscientes de nossa parte, mas sim de possíveis ações ou usos de meios que não levam ou não levaram aos resultados desejados.

Em si, o ser humano aposta no sucesso de sua ação, até mesmo quando a ação é eticamente inadequada. Como se diz popularmente, o agente “deseja se dar bem”, isto é, atua, na esperança e no desejo de obter um resultado satisfatório, mesmo que seja só para si e, no caso, até em detrimento dos outros. Afinal, essa é uma questão de compreensão ética e não da epistemologia da ação. Quando estamos abordando a questão da avaliação, neste texto, estamos nos referindo ao seu algoritmo epistemológico e não ético.

A função do ato universal de avaliar, quando está incidindo dobre os resultados de uma ação, é subsidiar o seu gestor a obtê-los com a característica de “satisfatórios”, se este for efetivamente o seu desejo, sua intenção e seu investimento.

O ato de avaliar, neste caso, revela a qualidade dos resultados obtidos com o investimento na ação. Com esse conhecimento em mãos, o gestor da ação tem duas opções:

(01)    aceitar a qualidade dos resultados de sua ação “como está” (seja ela positiva ou negativa) e, dessa forma, encerrar o seu projeto de ação;

(02)      ou assumir que a qualidade do resultado obtido ainda não está satisfatória e, então, decidir investir mais, e mais, até que o resultado atinja o nível de satisfatoriedade. Afinal, não investimos numa ação para obter resultados insatisfatórios.

Com essa compreensão em mãos, podemos nos voltar para o ato de avaliar a aprendizagem de nossos educandos em sala de aula.

O que desejamos com nossa atividade em sala de aula? Naturalmente, nosso desejo seria que nossos estudantes aprendam, de modo satisfatório, aquilo que ensinamos. Sua aprendizagem é o resultado de nossa ação de ensinar. Então, qual seria a razão para apostarmos no insucesso de nossa ação pedagógica? Epistemológica e psicologicamente, não temos razão para tal, desde que, em princípio, de modo compatível com a natureza do agir humano, desejamos o sucesso de nossa ação, traduzido em resultados satisfatórios.

Nos âmbitos gerais de nosso cotidiano, sempre buscamos o resultado mais satisfatório em decorrência de nossa ação. Por exemplo, quando estamos cozinhando nossa comida, constantemente, estamos experimentando como ela se encontra, para que, afinal, “chegue no ponto desejado”; quando levamos um tecido ao alfaiate ou à costureira para coser uma roupa para nós, antes da costura final, experimentamo-la, tendo em vista proceder os ajustes necessários, para que “fique bem em nosso corpo”; quando estamos preparando nossa casa, tendo em vista receber amigos, permanecemos atentos a cada detalhe do ambiente onde vivemos, tendo em vista colocar “cada coisa no seu lugar e de forma esteticamente agradável”. E, dessa forma, tudo o mais. Buscamos sempre a satisfatoriedade dos resultados de nossa ação.

Poderá ocorrer que algo não fique bem? Certamente. Porém, “não como um desejo intencional”, mas sim como uma “carência” devido nossa incompetência para produzir o resultado desejado ou devido os limites dos recursos que temos para atingir o resultado desejado. Contudo, sempre investimos mais e com os melhores e mais significativos recursos que temos em mãos para que o resultado seja satisfatório. A natureza humana, em si, tem como meta: “desistir da qualidade satisfatória, nunca”.

Tomemos essas compreensões e meditemos um pouco sobre a sala de aula. Nós educadores escolares nos dirigimos à sala de aula com o objetivo (desejo) de ensinar nossos estudantes. O resultado desejado dessa ação é que eles aprendam “satisfatoriamente” aquilo que ensinamos. O estudante, por seu turno, vem à sala de aula para aprender e, por isso, desenvolver-se. O resultado desejado de sua parte é sua aprendizagem e, em consequência, seu desenvolvimento.

Então, nesse caso, como em todas as outras situações onde nos encontramos agindo para obter um resultado satisfatório decorrente de nossa ação, nosso objetivo e desejo é de que o resultado de nossa ação seja satisfatório, ou seja, que o estudante efetivamente aprenda aquilo que ensinamos, de modo satisfatório.

No caso, o ato de avaliar --- como ato de investigar a qualidade do resultado de nossa ação --- se expressa como o parceiro a nos alertar para o fato de que “já atingimos” o resultado satisfatório desejado, “ou não”. Se atingimos, ótimo. Se não atingimos o resultado desejado, temos duas opções: (a) aceitar a qualidade insatisfatória de nossa ação, admitindo que ela já se encontra encerrada e não há, pois, mais o que fazer; (b) decidir investir mais, e mais, na ação, que se encontra em movimento construtivo, até que o resultado satisfatório seja alcançado.

O desejo de investir mais, e mais, numa sala de aula não implica em “ensinar tudo de novo”. Muitas vezes, dizemos ser impossível “ensinar tudo de novo”. Certamente que sim. Todavia, ocorre que uma boa e significativa coleta de dados sobre o desempenho dos estudantes em sua aprendizagem nos revela “onde” e “o que” eles não aprenderam, de tal forma que podemos e devemos rever somente “aquilo que não aprenderam” e não “tudo o que fora ensinado”.

Para tanto, nosso instrumento de coleta de dados sobre o desempenho do estudante deverá ter características básicas de um “instrumento e coleta de dados para a investigação científica”, ou seja, deverá:
·    “ser sistemático”, o que quer dizer --- cobrir todos os conteúdos (conhecimentos, habilidades e valores) próprios do desempenho que estamos avaliando. Por exemplo, para saber se alguém aprendeu adição, necessitamos de coletar dados sobre raciocínio aditivo, fórmula da adição, propriedades da adição, solução de problemas simples, solução de problemas complexos. Nem mais nem menos, desde que essas são as variáveis necessárias para se ter uma noção se o estudante aprendeu, ou não, adição. Claro, essas variáveis deverão ser ajustadas ao nível de ensino e ao currículo e plano de ensino que estivemos adotando para atuar junto a esses estudantes em torno dos quais estamos praticando atos avaliativos.
·  “ser expresso em linguagem compreensível”. O estudante deverá compreender aquilo que estamos solicitando. Nada de linguagem rebuscada ou incompreensível, de tal forma que o estudante não compreenda aquilo que lhe está sendo perguntado. Só podemos responder com adequação a pergunta que compreendemos.
·  “manter compatibilidade entre ensinado e aprendido”, em termos de conteúdos, habilidades, metodologia de raciocínio, nível de dificuldade, nível de complexidade. Nem mais nem menos do que o ensinado. Compatibilidade total. Não podemos desejar saber se o estudante aprendeu algo diferente daquilo que fora ensinado. Se desejamos algo diferente, deveríamos ter ensinado esse algo diferente.
·  “ter precisão”. Educador e estudante devem compreender uma pergunta de forma equivalente. Nada de dubiedade ou possibilidade de compreensões variadas da mesma pergunta. Por exemplo, em história, perguntar: “O que fez D. Pedro I?” Ele poderá ter feito tantas e tantas coisas. Importa precisar a questão --- “O que fez D. Pedro I no denominado ‘Dia do Fico’, em relação à sua permanência, ou não, no Brasil, diante das exigências de seu pai, o Rei de Portugal, de que retornasse à sua terra?” Então, só haverá uma resposta possível.
Um instrumento de coleta de dados com tais qualidades, possibilitará ao educador, no papel de avaliador, aquilatar se seu estudante aprendeu, ou não, aquilo que deveria ter aprendido. Se sim, ótimo. Caso contrário, desde que o conteúdo é essencial na aprendizagem do estudante, ensinar de novo “aquilo que não fora aprendido”, através de um estudo a mais, de um exercício a mais, de uma atividade de grupo a mais..., afinal, o educador, em sala de aula, saberá como superar esse impasse de uma não-aprendizagem.

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Em síntese, nesse contexto, a avaliação será “nossa parceira” nos subsidiando com conhecimentos sobre a qualidade da aprendizagem de nossos estudantes, fator que nos permitirá tomar novas e sucessivas decisões, de tal forma que o processo de ensinar e aprender em nossas escolas atinja seu efetivo objetivo, que é de que “todos” aprendam satisfatoriamente aquilo que tem a aprender, segundo o currículo estabelecido.

O padrão de qualidade a ser atingido pelo estudante é a satisfatoriedade na aprendizagem daquilo que está posto para ser ensinado, tanto nos currículos como nos planos de ensino. Importa que “todos” aprendam aquilo que devem aprender. Esse será um dos recursos para a democratização da sociedade --- todos aprenderem aquilo que necessitam aprender. Não é a solução plena para a equalização social, contudo, é um recurso fundamental para tanto.




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sexta-feira, 24 de novembro de 2017

123- AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL


Cipriano Luckesi
ccluckesi@gmail.com


01. Uma introdução à questão da avaliação em educação

Existem três condutas no ser humano que pertencem à sua natureza: (1) conhecer factualmente a realidade, seu modo de ser e seu modo de funcionamento; (2) conhecer a qualidade da realidade; (3) agir tendo por base tanto o conhecimento factual da realidade como o conhecimento da sua qualidade. O conhecimento factual garante saber como agir; o conheci mento da qualidade permite a escolha e o agir garante os resultados desejados.
Podemos distinguir essas facetas do ser humano, contudo, elas não são separadas. Atuam conjuntamente. Tendo em vista praticar o conhecimento factual, há necessidade de escolhas; tendo em vista fazer escolhas, há necessidade de descritivas factuais da realidade, que sustentam as qualidades; e, por último, para agir, necessitamos dos conhecimentos tanto dos dados factuais da realidade, que nos permitem cognitivamente conduzir nossa ação da melhor e mais adequada forma, quanto das qualidades da realidade, que se encontra à nossa frente, e exige de cada um de nós escolhas.
Conhecer factualmente, avaliar e agir são três atos universais disponíveis e necessários a cada um de nós na vida e os praticamos, usualmente, de modo habitual e inconsciente. Para ter ciência deles e de como funcionam, importa, conscientemente, parar e investigar cada um deles, de forma distinta, seus lugares e papéis em nossa vida, inclusive o modo pelo qual podemos nos servir de cada um deles, de modo produtivo e satisfatório.
As compreensões expostas acima nos guiarão nos passos subsequentes do texto que se segue, tratando da avaliação na educação infantil, compreensão que, afinal, poderá e deverá estender-se para todos os outros níveis de escolaridade.
As crianças crescem, naturalmente, em direção à vida adulta. O destino comum e natural de todos nós é sermos concebidos no seio de nossas mães, nascermos, vivermos nossa infância, pré-adolescência, adolescência, vida adulta, maturidade, velhice e um dia... vem o falecimento. Em princípio, a educação formal tem por tarefa cuidar de todos os seres humanos ao longo da existência, mas, de modo especial, na infância, pré-adolescência, adolescência, início da vida adulta.
E, no contexto da educação formal, temos uma proposta de atividade educativa a ser levada em conta, denominada de “currículo”, uma prática educativa institucional que traduz o currículo em ações pedagógicas, que devem ser eficientes. E, no contexto das práticas pedagógicas, temos a avaliação. Currículo significa um guia para a ação. Curriculum, factual e historicamente, era composto pelas guias, uma de cada lado das pistas, entre as quais transitar os atletas que corriam com as bigas romanas (carros de corrida), ou seja, não podiam corre por onde desejassem, mas somente entre as guias. Hoje, na prática educativa, currículo é a guia que deve dar direção à ação dos professores em sua ação pedagógica. O currículo delimita o que deve ser ensinado e aprendido, evitando esparramar-se pela quase infinita amplitude de conhecimentos hoje disponíveis científica e culturalmente.
Acima, sinalizamos que o ato de avaliar expressa uma das faces universais do ser humano, sua necessidade de investigara qualidade da realidade, tendo em vista servir-se desse conhecimento como base para suas tomadas de decisão e sua consequente ação, cuja finalidade, em sã consciência, é obter resultados desejados de forma bem-sucedida.
Nesse contexto, vale sinalizar que todos os atos praticados pelo ser humano, por si, destinam-se a produzir resultados positivos. Então, a avaliação, que tem por base uma descritiva da realidade e sua consequente qualificação, tem o papel de “alertar” cada sujeito agente para a qualidade dos resultados que estão sendo produzidos em decorrência de sua ação. Caberá, pois, a cada sujeito, em sua ação, “escutar” --- ou não --- esse alerta (esse aviso) da avaliação, e, se desejar, corrigir os rumos da ação que administra, tendo em vista, efetivamente obter os resultados desejados. Esse é o papel do ato avaliativo, que, por si, é natural e constitutivo do ser humano.
De modo universal, “portanto sem exceção”, não existe ação humana que não seja precedida por um ato avaliativo. Ato que lhe indica a qualidade da realidade, em função da qual, pode decidir pelo caminho a seguir, tendo em vista construir o resultado que deseja.
Essa é a constituição e esse é o papel fundamental do ato avaliativo, que, em princípio, deveria também configurar o modo de agir de todo educador, afinal, um sujeito agente na atividade educativa.
Contudo, vale sinalizar que, historicamente, inventaram-se outros usos para os resultados da investigação avaliativa quando utilizada para qualificar condutas do ser humano, tais como a classificação com desdobramentos nas aprovações/reprovações, assim como nas premiações e nos castigos.
O uso classificatório dos resultados da investigação avaliativa, propriamente não pertence à avaliação, mas, sim, ao âmbito dos usos dos seus resultados. E esse uso, também de forma histórica, trouxe distorções, de modo especial na prática educativa formal escolar, com decisões de aprovação, reprovação, premiações e castigos.
O convite deste texto é para que nós educadores, ainda que possamos nos servir dos resultados da avaliação para classificar, aprovar/reprovar, premiar e castigar, nos sirvamos, em primeiríssimo lugar, dos seus resultados de modo diagnóstico, tendo em vista orientar nossas tomadas de decisão na perspectiva de subsidiar a efetiva produção dos resultados desejados de nossa ação, traçados no currículo de nossa área de ensino, como em nossos planos de ação.
No cotidiano de nossas vidas, a todos os instantes, segundo a segundo, nos servimos de atos avaliativos na perspectiva de reorientar nossa ação na busca do sucesso dos seus resultados. Assim age a mulher ou o homem que, logo pela manhã, diante do espelho de sua toilete residencial, se prepara para sair para a rua ou para o trabalho. Todos nós nos colocamos diante do espelho e nos auto-avaliamos, tendo em vista tomarmos decisões para apresentar-nos junto aos outros com a melhor aparência possível; todas as pessoas que preparam alimentos nos fogões de suas casas, constantemente, estão a experimentar o alimento em cozimento, tendo em vista conduzi-lo à satisfatoriedade; todo artista de teatro, em seus ensaios, busca autoavaliar-se e até mesmo solicita a seus pares para que o assistam e sinalizem possibilidades de melhorar seu desempenho; e, dessa forma, todos as práticas do seres humanos, universalmente, passam pelo crivo da avaliação, sempre tendo em vista a obtenção do melhor resultado. Deseja-se sempre chegar ao melhor resultado. Essa é uma conduta quase que automática na vida de todos nós.
Todavia, na escola, ao invés do permanente uso diagnostico dos resultados do ato avaliativo, tendo em vista conduzir todos os estudantes à obtenção do melhor e mais significativo resultado, herdamos o caminho da classificação, da aprovação/reprovação, premiação e castigo, práticas presentes cotidianamente em nossas salas de aula.
Estamos, pois, convidando os leitores deste texto, certamente educadores escolares, a inverter a ordem dos usos cotidianos dos resultados dos atos avaliativos, presentes em nossas escolas. Colocar em primeiríssimo lugar, o uso diagnóstico como um parceiro para nos guiar a investir mais, e mais, em nossos estudantes, de tal forma que efetivamente aprendam aquilo quem se encontra nos currículos correspondentes aos seus níveis de ensino e aprendizagem. E servir-se do uso classificatório dos resultados da avaliação, como padrão de qualidade ideal a ser atingido. A exemplo, seguindo nosso usual sistema de anotação, investir na prática de ensino a fim de todos os estudantes, com os quais trabalhamos, para atinjam a qualidade registrada, por exemplo, pela nota 8 (oito), ou seja, uma aprendizagem satisfatória.
Isso significa, em primeiro lugar, seguir aquilo que a natureza humana inventou como seu modo universal de ser: usar a investigação avaliativa, como recurso subsidiário para as decisões de investir na busca do sucesso dos resultados de nossas ações. E, então, secundariamente, até poderemos nos servir de algum uso classificatório dos resultados da avaliação, quando for necessário, como nas competições e nas premiações; contudo, não no cotidiano escolar. Na escola, o convite é para nos servirmos da avaliação como nossa parceira a nos sinalizar que já podemos nos descansar de novos investimentos devido termos atingido o resultado desejado; ou a nos sinalizar que necessitamos investir mais, e mais ainda, se desejamos, efetivamente, atingir os resultados desejados, desde que, ainda estamos a caminho para meta desejada.

02. A trajetória da infância à vida adulta, em termos de aprendizagens

Recentemente, participei de um evento denominado “Colóquio de Educação Infantil: práticas e reflexões”, promovido pelo Centro de Educação Infantil, Santa Casa, Salvador, Ba, no dia 16/11/2017, no qual apresentei uma abordagem sobre o tema “Avaliação na educação infantil”.
Minha fala foi precedida por duas anteriores, sendo que uma delas esteve centrada na exibição de um tape sobre o direito das crianças, com imagens capturadas em variados espações geográficos do mundo e a subsequente sobre a Base Nacional Curricular Comum, voltada para a Educação Infantil.
Após assistir o tape “Vozes da Criança”, apresentado pela psicóloga Ana Marcílio, fiquei a pensar que o modo básico de ser das crianças é universal, assim como dos adultos. Todas as crianças --- independente de região geográfica, país, cultura... --- correm, pulam, falam, praticam as mais variadas atividades. São “ativas” e, dessa forma, aprendem, se desenvolvem e, consequentemente, se formam.
Do outro lado, fiquei também a pensar em nós adultos, que somos muitíssimos menos buliçosos, e que chegamos à altura da vida em que nos encontramos devido termos sido muito buliçosos... e ativos, de modo semelhante às crianças que vi no tape. A natureza nos inventou dessa forma.
Na infância, necessitamos de múltiplos momentos de atividades tendo em vista “experimentar” o mundo, experimentar nosso corpo e aprender com cada movimento; aprender o domínio do corpo e dos movimentos, assim como compreender cada experiência que se dá nesse espaço-tempo, chamado mundo.
Vagarosamente, com o passar do tempo e dos anos de nosso desenvolvimento, e nossa consequente formação, vamos afunilando nossos interesses, de tal forma que, então, também de modo vagaroso, reduzimos as buscas e as práticas por todas as atividades possíveis com as quais nos deparamos. Seguimos pela vida focando nossas possibilidades e interesses. Nossa experiência, ao longo do tempo e das experiências, vai se tornando seletiva e centrada neste ou naquele conjunto de interesses e atividades, vamos nos centrando em determinadas experiências, que nos interessam, secundarizando outras.
Então, fiquei a meditar na afirmação de que “quem só pode o menos, não pode o mais; porém, quem pode o mais, pode o menos”. Ou seja, as crianças --- que, ainda, tem menos organização corporal, mental e emocional --- não tem como exercer ações de um adulto, que já construiu e é capaz de administrar sua vida. Contudo, um adulto, que já ultrapassou e integrou todas as fases anteriores do desenvolvimento biológico, cognitivo e psicológico, além de poder exercer ações que bem cabem a um adulto, se o desejar, e com algum esforço e dedicação, poderá retornar a exercer atividades que praticou e vivenciou na infância ou na adolescência. Ao menos sabe como foi isso. Então, pode compreender a segunda parte da afirmação: “Quem pode o mais, pode o menos”, isto é, possui recursos neurológicos e psicológicos que lhe permitem agir em situações que exigem menos, seja do ponto de vista psicológico, assim como neurológico.
Nossas aprendizagens, ao longo da vida, através das atividades e suas compreensões, criam ativamente os algoritmos de memória que são os recursos --- conhecimentos e habilidades --- dos quais lançamos mão para administrar nosso cotidiano pessoal e profissional. Nossas aprendizagens, ao longo da vida, nos dão suporte, para vivermos no cotidiano, da melhor forma possível.
Algoritmos de memória, construídos ao longo do tempo e das experiências, permanecem disponíveis no nosso subconsciente e retornam ao consciente, quando dele necessitamos. Não existe ato nosso que não seja regido por nosso sistema nervoso. Por isso, ele é denominado de “sistema nervoso central”; afinal, a central de administração da vida, que mantém e usa todos os conhecimentos e habilidades adquiridos: (01) conhecimento “factual” (parte do senso comum, ciência), que nos possibilita saber o que é a realidade e como ela funciona; (02) conhecimento “avaliativo” (filosofia), que nos revela a qualidade à realidade e, por isso, precede e subsidia nossas escolhas, nos oferecendo sentido para a nossa ação; e, por último, (03) o “agir”, tendo por suporte tanto os valores, as qualidades, (filosofia) que nos garantem as possibilidades das escolhas, assim como os conhecimentos factuais, que nos subsidiam atuar de modo eficiente.
Afinal, o famoso trio --- “ver” (ciência), “julgar” (filosofia) e “agir” (tecnologia, isto é, formas práticas de agir sustentadas nas escolhas e nos conhecimentos do funcionamento da realidade) --- que nos subsidia permanentemente em nosso viver.
Os algoritmos de memória, construídos ativamente, não estão sempre ativos em nosso cotidiano, contudo, permanecem sempre disponíveis no nosso subconsciente. Quando necessitamos deles, estão a postos; basta evocá-los e utilizá-los.
Exemplo não faltam sobre esse caminho do aprender e do uso dos seus resultados.
Quem aprendeu a falar uma língua, além da língua materna, realizou essa aprendizagem de maneira ativa, ao longo de um tempo, adquirindo as habilidades de pronunciar sons e palavras dessa outra língua, entendendo-os, assim como as habilidades de ouvir sons e palavras pronunciadas nessa outra língua, formando frases e comunicações com sentido, tendo em vista expressar entendimentos e/ou pensamentos, narrativas, modos de fazer alguma coisa... Tanto os algoritmos da língua materna, como aqueles da língua estrangeira aprendida, permanecem disponíveis no subconsciente.
Só vem à tona quando a necessidade os convida. Quando temos o domínio de uma língua “estrangeira”, não estamos permanentemente a utilizá-la. De modo comum, usamos a língua materna, mas, se necessário, toda nossa habilidade de nos servimos da outra língua, que fora aprendida, vem à tona e passamos a usar os seus recursos. Encerrada a necessidade, esse algoritmo de memória, relativo à língua estrangeira, retorna ao subconsciente, dando lugar, no nível consciente, ao uso de outros algoritmos de memória que, também momentaneamente, estivermos necessitando. Sem essa dinâmica de reter conhecimentos e habilidades na memória e disponibilizá-los no momento da necessidade, nosso consciente não suportaria a quantidade, quase infinita, de conhecimentos e habilidades que possuímos.
Outro exemplo --- entre todos os outros possíveis, que cada leitor poderá formular --- pode ser andar de bicicleta. Após muito treinamento, nos equilibramos sobre a mesma, pedalamos e nos locomovemos. Depois de ter adquirido essa habilidade, seu algoritmo de memória permanece “oculto” no subconsciente. Tendo necessidade desse recurso em outro momento da vida, o conhecimento e a habilidade de andar de bicicleta vêm novamente à tona, e, então, nos equilibramos sobre ela, pedalamos e nos locomovemos. Encerrada essa necessidade, esse conhecimento e essa habilidade retornam a “dormir” no subconsciente.
Como se formam os algoritmos de memória que nos dão suporte para vivermos nosso cotidiano? Nosso sistema nervos deve ter aproximadamente 86 milhões de neurônios, segundo recentes estimativas. Cada neurônio, através de nossas atividades, se conecta a múltiplos outros, constituindo os algoritmos de memória, que nos possibilitam escolher e agir. Através da atividade compreendida, constituímos nossos conhecimentos e habilidades, que permanecem guardados em nossa memória, à espera de serem acessados para nos orientar na ação.

03. As aprendizagens escolares: como se dão?

As aprendizagens são mediadas por nossas ações compreendidas, seja em decorrência do fato de estarmos no mundo e com ele nos relacionarmos, seja pelo fato de um adulto nos mostrar e nos exercitar nos caminhos de como compreender e agir no mundo.
No dia a dia de nossas vidas, aprendemos nos relacionando com o mundo que nos cerca. Experimentamos, conseguimos resolver impasses que se nos apresentam, como também nos frustramos quando não conseguimos sucesso. Contudo, seguimos em frente, nos confrontando com o mundo, aprendendo tano com as soluções bem-sucedidas como com as frustrações, sempre nos formando.
No contexto do ensino, seja ele mais espontâneo (familiar), seja ele mais formal (na escola, por exemplo), haverá alguém que ensina e alguém que aprende. Quem ensina, para ensinar, já deve ter o percurso da aprendizagem daquilo que ensina; razão pela qual pode mediar a aprendizagem do outro.
Em nosso sistema educacional --- seja ele infantil, fundamental, médio ou superior ---, o ensino é mediado por um profissional (professor), que, de um lado, deve estar preparado para exercer essa função; e, de outro, necessitará reconhecer e servir-se de um currículo, que é reconhecido e assumido como o conjunto de conhecimentos e habilidades necessários ao desenvolvimento dos estudantes, em suas diversas fases de vida. O currículo significa uma seleção de conteúdos, entre os milhares possíveis, para orientar a ação do educador e do seu estudante, no percurso da educação escolar. Não haveria, dentro da escola, possibilidade de ensinar e aprender tantas e tantas possíveis experiências; daí, o currículo conter uma seleção de conteúdos que orienta o professor no ensino e o estudante em sua aprendizagem.
No caso da educação infantil, hoje, no Brasil, temos uma Base Nacional Curricular Comum, que estabelece os conteúdos a serem levados em conta pelos educadores e educadoras no atendimento dessas crianças, tendo em vista o seu percurso de aprendizagem e desenvolvimento. Esse é o currículo que está disponível para orientar a ação do educador, como o gestor da vida escolar ou da sala de aula. Ele tem a responsabilidade de executar o currículo, mas, muito mais que isso, garantir que o currículo executado produza os resultados desejados e estabelecidos. O professor, a professora são os guardiões da aprendizagem e desenvolvimento dos seus educandos, servindo-se, para tanto, do currículo, como seu guia de ação. Afinal, um currículo não é nada mais que isso: um guia para orientar nossa ação no ato de ensinar e um guia para orientar o estudante no ato de aprender.

04. Avaliação na Educação Infantil

Como em qualquer atividade humana, na escolaridade infantil como em outro nível de escolaridade, a avaliação se dará pelos três passos anunciados na primeira parte deste texto: configurar o objeto da investigação avaliativa; coletar dados para descrever a realidade; qualificar a realidade, comparando-a ao padrão de qualidade assumido como satisfatório.

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No caso da educação infantil, a “configuração do objeto da investigação avaliativa” deve ter presente o currículo assumido com aquele que orienta tanto a ação do educador ao ensinar, como a ação do educando ao aprender e, evidentemente, no plano de ensino do educador, que, por si, deve traduzir as delimitações contidas no currículo.
Contudo, poderão emergir necessidades que exijam reestruturação do plano de ensino, fator que também deverá atuar na configuração do objeto de investigação avaliativa, desde que o educador desejará, através da atividade avaliativa, ter ciência da qualidade da aprendizagem e do desenvolvimento dos seus educandos, à medida que esse conhecimento servirá de base para suas decisões na prática do ensino, tendo em vista a qualidade desejada dos resultados de sua ação.
Não poderá, nem deverá desejar investigar a qualidade de resultados de uma ação que não fora praticada. A avaliação, como investigação da qualidade dos resultados da aprendizagem dos educandos, só poderá incidir sobre os resultados de uma ação efetivamente realizada. No caso, se, devido razões variadas, o planejado não fora cumprido, a avaliação da aprendizagem, para ser metodologicamente justa, deverá incidir exclusivamente sobre os resultados da ação executada; nem mais, nem menos; somente sobre ela.
Poder-se-á praticar uma avaliação “da razão pela qual o planejado não fora cumprido”, porém essa investigação tem a ver com uma “avaliação da prática de ensino”, não da “aprendizagem dos educandos”.
Ainda vale uma observação. A partir do exposto a respeito da “configuração do objeto de investigação avaliativa”, poder-se-á pesar que o ato avaliativo, então, só poderá ser praticado sobre um “todo” e, ao final de um longo período de atividade educativa.
Não, isso seria um engano. Cada pequena atividade, cada ato, em si, poderá ser objeto de um ato avaliativo. É e sempre será. A cada instante de nossa atividade, praticamos atos avaliativos e, com base em seus resultados, tomamos novas e sucessivas decisões.
Por vezes, nem mesmo nos damos conta de praticamos um ato avaliativo e tomamos nova decisão. Não existe na vida humana, decisão que não tenha sido precedida de uma investigação avaliativa. A ação poderá ter sido rápida ou longa, em termos de tempo, o certo que tanto em uma como em outra, a investigação avaliativa estará presente, sendo a parceira de quem decide, subsidiando a melhor decisão.

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Configurado o objeto da investigação avaliativa, caberá ao avaliador --- que, no caso, é o educador, que exerce tanto o papel de gestor do ensino como de avaliador --- praticar a “coleta de dados”, tendo em vista descrever seu objeto de estudo.
Essa coleta de dados poderá ocorrer simplesmente pela observação dos atos e condutas do educando; poderá ocorrer pela entrevista (conversa), quando ela for possível; poderá ocorrer pelo uso de algum recurso específico de coleta de dados, tais como testes variados, hoje disponíveis; por testes, criados pelo próprio educador (teste, aqui, não significa um recurso que implica no uso de lápis e papel).
Importa saber como está a criança, em seus variados desempenhos, e, daí, como agir para ajudá-lo. O currículo sempre será um guia fundamental, porém existirão situações inesperadas, que exigirão rápidas avaliações e sucessivas decisões do educador, tendo em vista propiciar à criança a melhor possibilidade de aprendizagem e desenvolvimento.

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Por último, o terceiro passo da investigação avaliativa: “a qualificação da realidade”. A qualificação da realidade avaliada se obtém pela comparação da realidade descrita com o padrão de qualidade, considerado como satisfatório.
O currículo e seus desdobramentos em planos de cuidados pedagógicos, que ocuparam o papel de orientação para o educador, também, no caso, servirá de padrão de qualidade a ser atingido pela ação do educador. Quando planejamos uma ação, traçamos também aquilo que desejamos atingir como resultado de nossa ação. Efetivamente, ninguém planeja uma ação para não chegar a resultado algum. Planejamos devido desejarmos atingir um resultado e com determinada qualidade. Então, no ato avaliativo, que se apresenta como uma investigação da qualidade da realidade, a pergunta fundamental é: “Obteve-se o resultado desejado; e, com a qualidade desejada”? Em caso positivo, ótimo. Em caso negativo, o que se deseja fazer? Desistir de obter o resultado desejado? Investir mais, e mais, tendo em vista obter aquilo que se deseja? Quem toma a decisão nem é a avaliação, nem o avaliador; é o gestor da ação. No caso do ensino, o gestor da ação é o professor, o cuidador.
Então, o eixo central da prática educativa é o currículo, mas, importa sinalizar, o “currículo traduzido em ações cuidadosas e sábias do educador”. Isso implica uma consistência formação teórica e prática para atuar junto aos educandos em suas variadas idades. Em toda e qualquer prática educativa --- na educação infantil, mais ainda ---, importa que o educador, educador esteja plenamente preparado para atuar junto às crianças, acolhendo-as em sua individualidade e subsidiando-as a caminhar pela sua aprendizagem e consequente desenvolvimento. Isso implica em autoformação cognitiva, afetiva e metodológica. Importa uma sabedoria a respeito das crianças, tendo em vista atuar com elas. Sem misso, as compreensões e recomendação pedagógicas serão inócuas. Aliás, em qualquer nível de ensino, a conduta do educador será capital.

05.               Encerrando

O ato avaliativo, como sinalizamos no início do presente texto, é um dos modos universais do ser humano: conhecer factualmente, conhecer os valores de tudo o que existe, e, por último, servir-se dos conhecimentos decorrentes das duas modalidades de conhecer, tendo em vista garantir a ação maios satisfatória possível.
Desse modo, a avaliação é universal no ser humano. Não vive qualquer momento de sua vida, sem que esteja avaliando e decidindo. Na maior parte das vezes, sem estar atento a esse fato. O ato de avaliar faz parte do agir cotidiano. Para compreendê-lo, é preciso desejar e, dessa forma, investir em sua compreensão epistemológica e metodológica.
No presente texto, investimos na compreensão do ato avaliativo, assim como de sua prática no contexto da educação infantil. Um convite a todos os leitores para a compreensão do ato avaliativo, assim como para as possibilidades do seu uso nos variados níveis de educação institucionalizada. Também na educação espontânea do cotidiano, por que não?




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