segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

129 - ESCOLA E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL


Cipriano Luckesi


Segundo dados estatísticos recentes, 1% da população brasileira detém 28% da riqueza, 9% outros 55% da riqueza do país, 40% da população, denominada de classe média, detém 32% da riqueza, e 50% da população brasileira detém 12% da riqueza do país. É excessiva à pobreza.

Que papel pode ter a educação para a transformação dessa realidade?

Também segundo dados estatísticos, no Ensino Básico brasileiro, nós somos 2.300.000 (dois milhões e trezentos mil) professores e, no ensino superior, nós somos aproximadamente 380.000 professores (trezentos e oitenta mil). Afinal um número extremamente significativo de profissionais que podem fazer a diferença nas questões da inclusão social.

A cada ano, no Brasil, ingressam na primeira série do Ensino Fundamental em torno de 5 milhões de estudantes e concluem o ensino superior, 16 anos depois, em torno de um milhão de estudantes. Ocorre, então, uma exclusão social de 80% dos estudantes nesse espaço de escolarização.

Qual a razão para que os cinco milhões de estudantes que ingressam na primeira série do Ensino Fundamental não cheguem à conclusão do ensino superior com um diploma universitário em mãos?

São ceifadas ao longo do caminho, seja pelas múltiplas reprovações, seja por um ensino sem qualidade satisfatória, seja por necessidades familiares do trabalho dos jovens para sua sobrevivência.

Em nossas mãos de educadores escolares está a possibilidade de atuar a favor desses estudantes, suprimindo a exclusão decorrente das reprovações excessivas, das exclusões pelo cansaço de não aprender.

Claro, o mais comum é sinalizar as políticas sociais são desfavoráveis. Não discordo desse ponto de vista. Contudo, não falo delas. Falo da sala de aula. Lá, somos os líderes e os responsáveis para que os estudantes aprendam. Ninguém nos impede de exercer esse papel. Importa ser proativo. Investir --- e muito! --- na aprendizagem dos estudantes que nos são confiados.

Suprimir as reprovações não significa promover os estudantes sem que eles tenham aprendido satisfatoriamente aquilo que fora ensinado. Ao contrário, importa ensinar para que efetivamente todos --- todos --- aprendam com qualidade satisfatória o ensinado.

Então, estaremos atuando, na prática educativa escolar, a favor da democratização social.

Caso garantamos, através do nosso trabalho, que 80% --- já nem penso em 100% --- dos nossos estudantes que ingressam na primeira série do Ensino Fundamental, 16 anos depois, cheguem ao diploma universitário, com qualidade positiva de aprendizagem, em 20 anos, nós teremos 80 milhões de diplomados nesse país, além  daqueles que já existem nessas condições.

Então, nenhum cidadão brasileiro estará recebendo R$965,00 de  salário por um mês de trabalho ou menos que isso, como revelam nossas estatísticas. Sairemos dessa faixa de miséria em que se encontra uma população imensamente excluída.

Temos em nossas mãos um poder, que desconhecemos, que é a educação escolar com qualidade positiva para todos os nossos estudantes que ingressam em nossas instituições de ensino.

As Faculdades de Educação têm em suas mãos a condição de formação de futuros educadores, seja através dos cursos de pedagogia, seja através das licenciaturas. Professores que atuem com o poder que tem de ensinar com qualidade positiva para todos os seus estudantes.

Repito: temos em mãos um poder que desconhecemos. Nada especial a não ser exercitar o papel profissional que temos nas escolas e nas salas de aula.


Um olhar e uma ação proativos.






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quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

128 - PROFESSOR GESTOR DA SALA DE AULA E PROFESSOR AVALIADOR


Cipriano Luckesi

Nos textos recentemente publicados neste blog, sob os números 128,129,130, foram tratados temas relativos à avaliação em educação como “subsidiária de decisões pedagógicas construtivas” da aprendizagem satisfatória dos estudantes. No presente texto, pretendemos sinalizar a necessidade e importância da distinção dos papéis do educador como avaliador e como gestor da sala de aula. Importa observar que “distinguir” não é “separar”.
O gestor é aquele que age, tendo em vista a produção de resultados satisfatórios com sua ação. O avaliador é aquele que investiga a qualidade dos resultados obtidos, subsidiando novas decisões e encaminhamentos tendo em vista a produção de resultados satisfatório, caso esse seja o desejo da gestão da ação.
No caso da sala de aula, o professor exerce os dois papéis, o de gestor da ação pedagógica e de avaliador dos resultados de sua ação.
Nas instituições complexas, esses papéis são exercidos por equipes diferentes: a da gestão e a da avaliação. A primeira realiza as atividades e a segunda subsidia a primeira, investigando e revelando a qualidade da realidade; fator que lhe possibilita tomar as medidas necessárias, reorientando as atividades, tendo em vista construir os resultados desejados.
Por vezes na sala de sula, essa fenomenologia confunde um pouco o educador, parecendo que o ato de avaliar atua por ele mesmo, produzindo resultados. Nesse contexto de compreensão, importa ter clareza que o ato de avaliar se assemelha ao ato de investigar na ciência, ou seja, ambos são atos de investigação e ambos revelam aspectos da realidade, porém não atuam em sua modificação.
A ciência revela o que é a realidade e como ela funciona, a avaliação revela a qualidade da realidade. Em ambas as circunstâncias, a produção de novos resultados dependerá da ação do gestor de uma ação. No caso, a ciência ela subsidia as múltiplas e variadas tecnologias que temos; a avaliação subsidia novas decisões do gestor frente aos objetivos de sua ação.
Como sinalizamos, na sala de aula, o professor exerce tanto o papel de gestor, ou seja, aquele que investe na ação, tendo em vista a conquista dos objetivos previamente estabelecidos e, ao mesmo tempo, exerce o papel de avaliador, tendo em vista verificar a qualidade dos resultados de sua ação. Nesse contexto, é fácil a confusão em acreditar que a avaliação, por si, é autônoma e produziria resultados.
De fato, ela não é autônoma; ela subsidia a gestão da ação. A avaliação, na sala de aula, como em qualquer outro âmbito de ação, revela a qualidade da realidade. Com essa informação em mãos, o gestor da ação toma decisões.
No caso da sala de aula, as decisões, decorrentes dos atos avaliativos, têm a ver com:
(01) admitir que os resultados obtidos apresentam a qualidade satisfatória, e, pois, preenchem todos os requisitos propostos no planejamento de ensino para a aprendizagem dos estudantes (uso probatório dos resultados da avaliação);
(02) admitir que os resultados ainda não atingiram o nível de satisfatoriedade, fator que pode conduzir o gestor da ação a duas opções:
(a) assumir a qualidade revelada --- ainda que não satisfatória --- como final e não proceder nenhuma nova intervenção na ação, “deixando as coisas como estão” (uso probatório dos resultados da avaliação. Ainda que os resultados sejam insatisfatórios, o gestor decide por encerrá-la no nível em que se encontram);
(b) assumir a qualidade da realidade, revelada pela avaliação, como ainda não-satisfatória, e, pois, intermediária, o que implica na tomada de novas, e novas, decisões, a fim de que os resultados da ação atinjam a qualidade desejada (uso diagnóstico dos resultados da investigação avaliativa).
A compreensão exposta, acima, auxilia o educador em sala de aula a entender que ele é, ao mesmo tempo, tanto o gestor da sala de aula, como o avaliador dos resultados de sua ação.
Como avaliador, busca revelar a qualidade dos resultados de sua ação, tendo em vista subsidiar o seu lado de gestor a tomar decisões, as mais ajustadas, tendo em vista a conquista do objetivo final que é o de que sua atividade produza a aprendizagem satisfatória por parte de todos os estudantes colocados sob sua responsabilidade.
Quanto a compreensão, aqui exposta, importa ter um olhar proativo, isto é, um olhar voltado para o futuro, com o desejo de construí-lo.
Não serve para nada olhar para o passado a não ser como diagnóstico daquilo que já ocorreu e necessita ser ultrapassado e integrado. Olhar para o passado como justificativa para não investir proativamente na ação, implica em um uso inadequado dos atos avaliativos. A natureza inventou a avaliação, a fim de que nos sirvamos de seus recursos de forma construtiva, ou seja da forma saudável.

Tendo em vista estar ciente de quando, em sala de aula, estamos atuando no papel de gestor ou de avaliador, importa estar atento a esses papéis. A gestão da sala de aula é a responsável pela produção de resultados satisfatórias. A avaliação é a subsidiária que revela à gestão: “você já conquistou o resultado desejado”, “você ainda não conquistou o resultado desejado”. Cabe ao gestor decidir o que fazer.



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domingo, 3 de dezembro de 2017

127 - USO DOS RESULTADOS DA AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO: DIAGNÓSTICO, PROBATÓRIO, SELETIVO


Cipriano Luckesi


Como temos explicitado em posts anteriores deste blog, a avaliação é um ato de investigar a qualidade da realidade, revelando-a. Isso significa que o ato de avaliar se encerra no momento em que revela a qualidade da realidade, de modo semelhante ao que ocorre com a ciência, que encerra seu papel quando revela o que é a realidade ou como ela funciona.
As decisões e intervenções tecnológicas com base no uso dos resultados da ciência, assim como as tomadas de decisão por parte do gestor de uma ação com base nos resultados da investigação avaliativa --- seja para investir mais, e mais, até que os resultados da ação atinjam a qualidade desejada, seja para decidir não investir mais na ação em curso, aceitando a qualidade dos resultados no nível em que se encontra --- tem seu fundamento no conhecimento estabelecido pela investigação.
No caso da investigação avaliativa, o gestor da ação pode servir-se dos seus resultados para “diagnosticar” a qualidade dos resultados da ação em andamento, como também para “aprovar” o resultado final da ação, ou ainda para “selecionar” pessoas ou bens em função de sua qualidade.
Em síntese, são três os usos possíveis dos resultados da avaliação, quando ela está sendo praticada em relação a um sujeito: uso diagnóstico, uso probatório e uso seletivo.

O USO DIAGNÓSTICO é aquele que, frente à qualidade dos resultados, subsidia o gestor ada ação proceder correções ou intervenções no seu percurso tendo em vista “atingir o resultado desejado”.
O USO PROBATÓRIO ocorre quando, após a coleta de dados e sua qualificação, o gestor da ação decide transformar o natural processo do ato avaliativo em um ordenamento de todos os participantes, segundo uma escala de qualidades com variação do superior para o inferior, ou, ao contrário, do inferior para o superior, definindo uma faixa dessa escala, dentro da qual se situam os “aprovados” e fora da qual se situam os “reprovados”.
O USO SELETIVO dos resultados da investigação avaliativa, comumente, está presente em toda e qualquer situação, onde ocorre a concorrência por uma vaga, como ocorre, por exemplo, nos concursos, sejam eles públicos ou privados.

Na sala de aula e na escola em geral, comumente, ocorreriam dois desses usos. Nessa circunstância, não faz sentido o “uso seletivo”, desde que o estudante já tem sua vaga garantida na escola. Ele já se encontra matriculado na escola e na turma de estudantes. Então, restam os outros dois usos possíveis dos resultados da investigação avaliativa: o uso diagnóstico e o probatório.
Na sala de aula, o uso diagnóstico dos resultados do ato avaliativo necessita ser praticado de modo constante na relação professor-estudante, tendo em vista garantir que o estudante efetivamente se aproprie dos conteúdos ensinados --- conhecimentos e habilidades. Para tanto, os atos avaliativos, de modo constante, subsidiam o professor, como gestor da sala de aula, a tomar sucessivas decisões de tal forma que os estudantes se apropriem dos conteúdos ensinados. Afinal, essa é a meta da ação de ensinar.
A orientação dada por Ralph Tyler, pesquisador norte-americano que cunhou, em 1930, a expressão ”avaliação da aprendizagem” era: (1) ensine alguma coisa; (2) diagnostique a aprendizagem; (3) aprendeu? Ótimo, siga em frente; (4) não aprendeu, ensine de novo até que aprenda.
Com essa atitude e investimento, todos os estudantes de uma turma poderão e deverão chegar ao padrão satisfatório desejado de qualidade. O educador criará e recriará situações que possibilitem a todos a aprendizagem satisfatória do conteúdo ensinado, desde que esse é o resultado desejado de sua ação. Ninguém, afinal, age para obter resultados insatisfatórios. Todos, por natureza, desejamos que nossa ação produza resultados satisfatórios.
Esse é o modelo de uso dos resultados da avaliação que a natureza adotou. Nosso sistema nervoso e todo nosso sistema orgânico adotam esse algoritmo. Mas, também esse é o uso dos resultados da avaliação que praticamos, de modo comum e habitual em nosso dia a dia, tendo em vista atingir os resultados que desejamos em decorrência de nossa ação.
Em qualquer ação cotidiana, praticada por seres humanos, verificaremos esse fato. Constantemente, estamos tomando novas e novas decisões, com o objetivo de que nossa ação efetivamente produza o resultado que desejamos. Basta observar uma pessoa cozinhando e ficaremos cientes de que ela está constantemente avaliando a comida que prepara, procedendo correções; o mesmo ocorre com um pedreiro, com um marceneiro, como um escritor, com um artista, com um cirurgião... com nosso movimento, andando pela rua de nossa cidade, a todo momento procedemos correções, tendo em vista chegar ao nosso destino. E, desse modo, todas as nossas ações.
 Contudo, na educação escolar, em função de razões históricas e sociológicas, já bastante estudadas, inclusive em textos deste blog, praticamos, quase que com exclusividade, o uso “probatório” dos resultados da avaliação da aprendizagem de nossos estudantes, esquecendo-nos do seu uso diagnóstico.
Os estudos sobre a questão do uso diagnóstico dos resultados da avaliação nos atos de ensinar-e-aprender já se aproximem de um século. No mundo, substituindo a expressão “exames escolares”, se fala em “avaliação da aprendizagem” desde 1930, com Ralph Tyler, USA, e, no Brasil, desde o início dos anos 1970, com os estudos “para” e “em torno” da Lei 5.692/71.
O uso diagnóstico subsidia a construção dos resultados desejados; o uso probatório aprova ou reprova os resultados de uma ação. O uso diagnóstico subsidia uma ação chegar ao seu final de modo satisfatório, o uso probatório encerra uma ação.
As notas escolares --- como usadas cotidianamente, e de forma quase que exclusiva, em nossas escolas, como recurso de registro do desempenho dos estudantes em sua aprendizagem --- levam no seu bojo uma distorção do uso probatório dos resultados da avaliação, no que se refere à necessária aprendizagem, de todo os estudantes, em todos os conteúdos curriculares, assumidos como necessários à formação do estudante. A “média de notas”, ao invés de efetivamente revelar a satisfatoriedade na aprendizagem, revela essa distorção.
Só para exemplificar e entender essa compreensão, vale um, exemplo. Um estudante obtém a nota 10,0 (dez) decorrente de seu desempenho na aprendizagem do conteúdo “adição”, no âmbito da aritmética, contudo, no conteúdo “subtração”, ele obtém 2,0 (dois). Procedendo-se a média entre as notas obtidas, como ocorre cotidianamente em nossas escolas, ela será 6,0 (seis), decorrente de 10,0+2,0 = 12,0, que, dividido por 2, = 6,0. Com a média 6,0, o estudante está aprovado, porém os registros revelam que ele só aprendeu adição. Essa é a distorção do uso probatório de modo exclusivo.
Então, importa que nós educadores nos sirvamos, em nossas atividades escolares, da avaliação constante da aprendizagem dos estudantes e do uso diagnóstico dos seus resultados, tendo em vista subsidiar nossas decisões a favor da aprendizagem satisfatória “de todos”, em “todos os conteúdos ensinados”. Então, a aprovação do estudante em sua aprendizagem (o uso probatório) decorrerá naturalmente da efetiva aprendizagem satisfatória por parte de todos os estudantes, decorrente de nosso investimento cotidiano em sua aprendizagem.
O uso seletivo dos resultados da avaliação permanecerá, como sempre ocorreu, para os concursos, onde os candidatos concorrem à uma vaga, seja em uma instituição, seja em uma atividade, seja em um pódio...
O convite é para que aprendamos, em nossas escolas, a nos servir dos resultados da avaliação da aprendizagem, como recurso subsidiário do sucesso de todos, assim como de sua consequente inclusão social. Afinal, todos podem e devem aprender, fator que garante seu desenvolvimento em direção à vida adulta e em direção a vida participativa na sociedade. Uma sociedade saudável educa a todos para que todos aprendam.




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