domingo, 11 de setembro de 2016

113 - AINDA REFINANDO CONCEITOS: RELAÇÃO ENTRE ATO DE AVALIAR, TOMADA DE DECISÃO E INVESTIMENTO NA MELHORIA DOS RESULTADOS DA AÇÃO

Cipriano Luckesi
Contato --- ccluckesi@gmail.com



No texto anterior deste blog, estive investindo em refinar os conceitos dos atos de examinar e avaliar na escola, mostrando que na base de ambos está o diagnóstico e que aquilo que os distingue é o uso que se faz dos resultados do ato avaliativo. No presente texto, pretendo refinar um pouco mais as questões dos conceitos da avaliação, investindo na especificidade da tomada de decisão e, consequente, investimento na ação.

Importa observar que esses refinamentos conceituais, que estou propondo, não invalidam, de forma alguma, aquilo que já fizemos no passado. Isso refere-se ao meu caso, como pesquisador da área da avaliação, assim como de todos os outros autores que tem investido em compreender essa área de conhecimentos e de atuação, como também dos educadores deste país. Refinar conceitos significa a possibilidade de utilizá-los de forma mais específica e mais consciente no cotidiano de cada um de nós. Somente isso.

Retomemos o tema da “tomada de decisão”. Todos os dias e a todos os momentos, em nossa vida cotidiana, estamos tomando decisões e, consequentemente, investindo em ações, tendo como base um ato avaliativo. Nenhuma de nossas escolhas e decisões ocorrem sem um ato avaliativo, por mais inconsciente e corriqueiro que ele seja. À medida que os atos avaliativos nos subsidiam, escolhemos, tomamos decisões e agimos.

Isso ocorre à semelhança do modo de funcionamento do nosso sistema nervoso, que, como “central administrativa de nossas vidas”, está permanentemente investigando o funcionamento de todos os nossos sistemas corporais e, em consequência, tomando decisões, assim como procedendo atos que compensem as carências emergentes, instante a instante, no nosso dia a dia.

Nosso sistema nervoso é incansável nessa perspectiva. Dia e noite, está alerta investigando a qualidade de tudo o que ocorre em nosso corpo, buscando e realizando as compensações necessárias, a fim de que a vida prossiga no ritmo mais satisfatório possível. O sistema nervoso autônomo age dessa forma, nos permitindo prosseguir na vida. Na maior parte das vezes nem mesmo sabemos que ele age dessa forma, sempre na perspectiva de manter o equilíbrio de nosso corpo. Os atos de decidir e investir na busca do sucesso são fundamentais na vida humana.

Neste texto, desejo continuar refinando conceitos e compreensões sobre o ato de avaliar e seus desdobramentos, no caso, a tomada de decisão e a necessidade dos investimentos dela decorrentes. O ato de avaliar, em todas as suas manifestações, subsidia uma tomada de decisão, que devem conduzir a novas e reiteradas ações tendo em vista viabilizar soluções satisfatórias, seja em nosso corpo, seja em nossas relações com o mundo no nosso entorno, através de atividades construtivas.

Primeiro, retomaremos o conceito do ato de avaliar, a fim de, mais uma vez, nos apropriamos de seu algoritmo, e, a seguir, retomaremos a compreensão da tomada de decisão, de modo especial naquilo que toca à prática educativa.



O ATO DE AVALIAR


a) O ato de avaliar

O ato de avaliar, como já expressei em textos anteriores deste blog, assim como em outras publicações, é um ato de investigar a qualidade da realidade. Enquanto a ciência investiga “qual é a estrutura e como a realidade funciona”, a avaliação investiga “qual a qualidade da realidade”.

Ambos são atos investigativos e, por isso, nos seus âmbitos de atuação, revelam facetas da realidade e, dessa forma, subsidiam decisões subsequentes. No caso, a ciência subsidia a tecnologia (compreendida em sentido amplo) e a avaliação subsidia as múltiplas e variadas tomadas de decisão, que ocorrem em diversa áreas da vida humana, usualmente, tendo em vista sua satisfatoriedade.

Iniciemos por compreender a qualidade como fundamento da investigação avaliativa, o que implica, por sua vez, em compreender a diferenciação entre fato e qualidade; compreensão esta que pode ser elucidada através da relação entre as categorias gramaticais do substantivo e do adjetivo, conteúdo que aprendemos desde que ingressamos na escola, na infância de cada um de nós.

Gramaticalmente, se conceitua que o “substantivo diz aquilo que a coisa é”, e que “o adjetivo qualifica o substantivo”; o substantivo expressa a configuração do objeto naquilo que ele é (uma descritiva), e, o adjetivo agrega-lhe uma qualidade (qualifica a realidade).

Quando, por exemplo, se diz “mulher”, configura-se substantivamente o ser humano do sexo feminino, “descreve-se” a realidade. Porém, quando se diz “mulher bela”, adjetivamente, agrega-se a esse ser a qualidade da beleza. A qualidade “bela” não modifica em nada a substância “mulher”; continua a ser mulher, mas, agora, com uma qualidade que lhe fora atribuída --- a beleza.

O termo substantivo --- que tem sua origem latina em sub-stare --- expressa aquilo que “sub-está”, que é base, que é essência e, dessa forma, descreve a realidade; o termo adjetivo --- que também tem origem latina --- decorre da junção dos termos ad-jacere, que expressa aquilo que está “lançado junto”, isto é, que qualifica a realidade. Epistemologicamente, se diz que “o ser é” e “o valor vale”. Um é substância, o outro é qualidade, que, por si, não tem substância, mas agrega-se à substância.

Conceitualmente, então, o ato de avaliar é um ato de investigar a qualidade da realidade e, para isso, importa uma metodologia de investigação, como se segue.



b) Prática metodológica da investigação avaliativa

A investigação da qualidade da realidade se dá, metodologicamente, pela atribuição de qualidade à realidade, que ocorre da seguinte maneira: primeiro, (01) uma descritiva da realidade, através de uma coleta rigorosa de dados, que garante sua configuração, e, a seguir, (02) por uma comparação da realidade configurada com um padrão de qualidade assumido como parâmetro (padrão de qualidade).

Retomando o exemplo da “mulher bela”, de um lado, (01) deve ocorrer a observação e a descritiva dos dotes físicos e/ou psicológicos dessa determinada mulher e, a seguir, (02) processar a identificação da sua qualidade, através da comparação da suas descritiva com um determinado padrão de beleza, que é assumido circunstancialmente, em termos de lugar e tempo, como “mulher bela”, o que permite afirmar que ela é “uma bela mulher”.

Devido expressar uma posição de “não-indiferença” em relação à realidade, uma qualidade pode ter dois polos possíveis, tanto pode ser positiva, como negativa. Para a qualidade, não existe a possibilidade de um “ponto zero”, um “ponto de indiferença”; ou se tende para o lado positivo ou para o lado negativo. Enquanto a substância, expressa pelo substantivo, se dá na posição de “indiferença” (ponto zero), a qualidade, expressa pelo adjetivo, se dá pela “não-indiferença”, ou seja, variando entre os extremos do positivo e do negativo, sempre tendo como referência um determinado padrão de qualidade.

Padrões de qualidade diferentes relativos a uma mesma realidade, assumidos em momentos históricos diferentes, qualificam a realidade também de modo diferente. Certamente que o padrão de beleza feminina hoje não equivale ao padrão de beleza feminina no período do Renascimento das artes na Europa.  De modo semelhante, ocorre em qualquer processo de investigação da qualidade de um objeto no contexto da vida humana. No que se refere ao ensino, as prioridades curriculares, que sinalizam padrões de qualidade desejados, sofrem variações no tempo e no espaço. Daí a necessidade de se ter claro e preciso o padrão de qualidade a ser levado em conta num determinado ato avaliativo, tendo em vista evitar as manipulações emocionais do avaliador.

Em síntese, a avaliação, como investigação da qualidade da realidade, implica, de um lado, (01) em uma descritiva da realidade empírica (nesta exposição, representada pelo substantivo), e, de outro, (02) um padrão de qualidade circunstancial, ao qual a realidade descrita é comparada e, consequentemente, ajuizada (nesta exposição, representada pelo adjetivo).

Caso a realidade preencha o padrão de qualidade estabelecido, temos uma qualidade positiva; caso a realidade não preencha os requisitos do padrão de qualidade, temos uma qualidade negativa. Essa compreensão epistemológica sustenta os atos avaliativos em qualquer setor da vida humana, o que implica que a avaliação será praticada sempre com esse algoritmo metodológico (ver nota 01).



c) Aplicação da compreensão conceitual da avaliação e de sua metodologia investigativa à prática pedagógica.

De forma semelhante, deverá ocorrer a prática da avaliação da aprendizagem --- assim como de outras práticas avaliativas na educação, isto é, (01) uma coleta de dados, no caso, sobre a realidade da aprendizagem do estudante, que configure sua aprendizagem, e (02) uma atribuição de qualidade ao seu desempenho na aprendizagem, comparando-se a descritiva obtida (com figuração da realidade) com o padrão de qualidade desejado, já estabelecido no currículo escolar, transformado em planos de ensino.

Haverá, pois necessidade de rigor metodológico na coleta de dados, como também cuidados no processo de atribuição de qualidade ao desempenho do estudante, em termos de retratação da realidade, como também evitando subjetivismos na qualificação da realidade. Os subjetivismos, vinculados aos nossos estados emocionais pessoais, poderão tanto na coleta de dados como em sua qualificação, distorcendo a efetiva qualidade da realidade (a respeito desse tema, ver meu livro: Cipriano Carlos Luckesi, Avaliação da aprendizagem: componente do ato pedagógico, Cortez Editora, São Paulo)




AVALIAÇÃO, TOMADA DE DECISÃO E INVESTIMENTO


a) A tomada de decisão

O ato de avaliar, em si, se encerra com a revelação da qualidade da realidade, pelo uso dos recursos metodológicos indicados acima. O conhecimento da qualidade da realidade subsidia o gestor a tomar variadas decisões, como vimos no texto anterior deste blog. A tomada de decisão, com base nos resultados do ato avaliativo, não pertence ao ato de avaliar; assenta-se sobre os dados da avaliação, mas está para além deles.

Quando, no passado, em variados escritos meus, como também em variados escritos de outros autores, a avaliação foi definida como “um juízo de valor (ou de qualidade) sobre dados relevantes, para uma toma de decisão”, essa definição já indicava aquilo que estou explicitando neste momento, isto é, que a “tomada de decisão” não pertence ao ato de avaliar, mas sim à decisão do gestor que toma, a partir dele. Porém, como essa definição vinha expressa numa frase única, com três componentes --- (01) um juízo de valor (ou de qualidade); (02) sobre dados relevantes; (03) para uma toma de decisão ---, parecia que a “tomada de decisão” fazia parte do ato de avaliar. No entanto, não faz; somente assenta-se sobre ele.

Usualmente, então, a tomada de decisão foi assumida como parte do processo avaliativo, todavia, de fato, conceitual e epistemologicamente, não lhe pertence. A tomada de decisão é um ato da responsabilidade do gestor da ação. É ele que --- com base na qualidade revelada da realidade --- toma a decisão.

No exemplo que utilizamos anteriormente a qualidade “bela” atribuída a uma determinada mulher, a revelação da qualidade da beleza de uma mulher pode, mas, não necessariamente conduzirá a uma tomada de decisão, desde que o objeto do ato avaliativo, no caso, não está comprometido com um curso de ação. Simplesmente mulher é bela! É bem provável que a atribuição da qualidade “bela” a essa determinada mulher não subsidiará nenhuma “tomada de decisão”, simplesmente uma explicitação de sua beleza.

Contudo, não há como negar que o reconhecimento da beleza dessa mulher implicará numa “tomada de posição” (diferente de “tomada de decisão”) positiva em relação à sua beleza, que poderá --- também --- servir para que o formulador desse juízo tome a decisão de cortejar essa referida mulher; mas, não necessariamente, desde que, no caso, não se está tratando um curso de ação, que, por si, tem como destino produzir resultados positivos.

No contexto dos projetos de ação, a “tomada de decisão” é crucial; o seu gestor tem por objetivo o sucesso de sua atividade, então, a avaliação lhe subsidia as decisões a tomar, sob essa ótica.

À medida que a investigação avaliativa revela a qualidade da realidade, o seu gestor não tem outra possibilidade a não ser posicionar-se a respeito dela, seja positiva ou negativamente. Ter ciência da qualidade dos resultados de sua ação mobiliza o gestor, seja para gratificar-se nela, seja para sentir-se incomodado com os resultados insatisfatórios, o que implicará na decisão e na prática de mais investimentos na busca do sucesso.

Em síntese, a tomada de decisão pertence ao gestor da ação, nunca ao ato de avaliar. Então, quando, para definir a avaliação, se usa o conceito --- “a avaliação é uma atribuição de qualidade, com base em dados relevantes da realidade, tendo em vista uma tomada de decisão” ---, a “tomada de decisão” está para além do ato de avaliar propriamente dito, que, por si, se encerra com a revelação da qualidade da realidade. A avaliação se expressa como uma parceira --- uma aliada fiel --- do gestor em suas decisões; porém, importa entender que quem decide, em todas as ocasiões, é o gestor.


b) Investimento

A “tomada de decisão” implica num passo à frente, se, efetivamente, se deseja qualidade mais satisfatória para os resultados da ação em curso. Investir significa atuar para que os resultados desejados de uma ação sejam alcançados, com a qualidade desejada.

Recentemente, com a publicação dos resultados dos índices da qualidade da educação no Ensino Básico, tenho observado nos meios de comunicação as mais variadas reações de gestores administrativos da educação, nos diversos níveis hierárquicos, como de educadores em geral. Os índices estatísticos do IDEB revelam a qualidade dos resultados do sistema de ensino, seja por escola, por município, estado ou país. Tornar esses resultados mais satisfatório dependerá de “tomada de decisão” nessa perspectiva e, a seguir, tradução dessa decisão em prática diuturna.

O mesmo correrá na sala de aula, espaço onde o professor é o seu gestor. Aprendizagem insatisfatória, revelada nos processos avaliativos, implicará em mais investimentos na perspectiva de resultados mais satisfatórios venham a ser alcançados.

Fui um criança multi-repetente e deixei de sê-lo no dia que um professor de língua portuguesa disse a mim e a outros colegas de infortúnio: “Se vocês forem bem ensinados, aprenderão. Eu vou cuidar de vocês”. Nunca mais, em minha vida, fui repetente.

Tomada de decisão e investimentos na direção certa produzem efeitos positivos, com certeza! Trabalhoso? Acredito que sim, porém, gratificante.


  
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Nota 01 – Existe uma área de conhecimentos na área da Filosofia que se denomina Axiologia ou Teoria dos Valores, que cuida do estabelecimento dos conceitos e relações entre “ser e valor” e, pois, entre “fato e qualidade”; uma epistemologia a respeito desses fenômenos e suas relações.





sexta-feira, 9 de setembro de 2016

112 - REFINANDO OS CONCEITOS DOS ATOS DE EXAMINAR E DE AVALIAR NA PRÁTICA ESCOLAR

112 - REFINANDO OS CONCEITOS DOS ATOS DE EXAMINAR E DE AVALIAR NA PRÁTICA ESCOLAR

Cipriano Luckesi




Em dois recentes textos, publicados neste blog, tratei de questões relativas às denominações que atribuímos ao ato de avaliar em educação, na perspectiva de torná-las mais delimitadas epistemologicamente. Foram eles --- “Tipificação da avaliação em educação: uma questão epistemológica” e “Heteroavaliação, auto-avaliação e avaliação por opinião: cuidados metodológicos necessários”, textos com os números 109 e 110 neste blog, que podem facilmente ser acessados e lidos.

Nesta oportunidade, desejo aprofundar um pouco mais a relação que estabelecemos entre avaliação --- que representa um diagnóstico --- e os usos dos seus resultados como base para decisões variadas. Práticas que geraram as variadas denominações, que conhecemos, atribuídas à avaliação em educação, como, por exemplo, as distinções, das quais participei longamente, sobre os atos de “examinar” e “avaliar” na escola.

No passado, juntamente com outros pesquisadores da área da avaliação da aprendizagem, compreendi que os atos de “examinar” e de “avaliar” eram diversos e até mesmo opostos entre si. Como eram conceituados se manifestavam conceitos e práticas diversos, e, mesmo opostos, sem mediação entre eles.

Hoje, refinando a observação e a compreensão da fenomenologia do ato de avaliar em educação --- e em especial na área da aprendizagem escolar ---, passo a compreender que, tanto para aquilo que compreendíamos como examinar como para aquilo que compreendíamos como avaliar, o pano de fundo de ambas as práticas --- a base conceitual e epistemológica --- é a da avaliação.

Nesse momento, estou compreendendo que o fator que distingue esses dois modos de agir no acompanhamento do ensino-aprendizagem escolar, de fato, é o destino --- o uso --- que fazemos dos resultados do ato avaliativo.

Então, (01) aquilo que usualmente denominamos de “exame” corresponde a um ato de avaliar, cujos resultados são utilizados para classificar, selecionar e excluir estudantes; e, (02) aquilo que, comumente, denominamos de “avaliação da aprendizagem” corresponde também a um ato de avaliar, mas, cujos resultados são utilizados para reorientar a ação pedagógica e a aprendizagem dos estudantes escolares, tendo em vista a obtenção de resultados satisfatórios.

Em ambas as situações, a base de dados é a mesma --- uma investigação da qualidade da realidade ---, contudo, os destinos, os usos dos resultados são distintos; e, no caso, até mesmo opostos, desde que os atos avaliativos denominados de “exames” excluem e os atos avaliativos que vem sendo denominados de “avaliação” incluem.

Sintetizando, o ato de avaliar, então, segue sendo sempre o mesmo, conceitual e metodologicamente; o fator que distingue uma prática da outra está comprometido com o uso que se faz dos seus resultados.

No passado, parecia-me que os atos de examinar e avaliar eram diversos e opostos. Não se compreendia, naquele momento, que aquilo que era --- e que ainda é --- denominado de “exame escolar” refere-se ao uso dos resultados de um diagnóstico, acrescido de uma decisão do gestor da ação pedagógica, no caso, usados para “classificar, selecionar e excluir”. “Gestor”, aqui, está sendo compreendido amplamente, seja como o professor em sala de aula, como o diretor da instituição de ensino, como o sistema de ensino. Afinal, gestor está sendo compreendido como aquele que dá direção aos destinos do que ocorre na escola.

Então, passo a compreender que aquilo que denominávamos --- e denominamos ainda --- de “ato de examinar” expressa um tipo de uso que se fez no passado, e ainda se faz no presente, do ato de avaliar na ação pedagógica, no caso, usando-o para a “classificação, seleção e exclusão” de estudantes. Dessa forma, o ato de examinar não deixa de ser um ato avaliativo.

Meu objetivo, nesse texto, é tornar compreensível que o ato de avaliar se presta a variadas possibilidades de usos, tais como: (a) para “classificar, selecionar e excluir” (comumente denominado de “exame”), (b) para “reorientar a ação”, tendo em vista seu sucesso (usualmente denominado de avaliação), (c) como também para “premiar alguém”, ou (d) como para “castigar alguém”; entre outros possíveis destinos.

Em síntese, o ato de avaliar --- que é único do ponto de vista conceitual e metodológico --- está na base de múltiplos usos que os gestores da educação (ou gestores de outras áreas de ação) já fizeram dos seus resultados e que ainda certamente virão a fazer.

Para uma síntese:
Denominação
Ato avaliativo
Uso dos resultados
Futuro da ação
Exame escolar
Diagnóstico da aprendizagem, pela investigação de sua qualidade
Classificar, selecionar e excluir
Ação pedagógica encerrada no passo anterior
Avaliação escolar
Diagnóstico da aprendizagem, pela investigação de sua qualidade
Reorientar o ensino e a aprendizagem em busca da satisfatoriedade dos resultados
Aberto a sucessivos investimentos em busca do sucesso


Nesse contexto, os exames escolares, compreendidos no contexto teórico que estamos expondo neste texto, se davam --- e, ainda se dão --- como uma prática avaliativa, cujos resultados eram, e ainda são utilizados para “classificar” e, em consequência, para “selecionar” os estudantes que aprenderam daqueles não aprenderam, destinando estes últimos à exclusão, praticada predominantemente pela retenção (reprovação) na passagem de uma classe para a outra, ou, como denominamos hoje, de uma série para outra mais adiantada curricularmente.

O convite que tenho feito, em meus escritos e em minhas falas, dirigido a mim mesmo e a todos os educadores escolares é para que “transitemos do ato de examinar para o ato de avaliar”, agora, de forma conceitual mais refinada, o convite passa a ser para transitarmos do uso da avaliação “para classificar, selecionar e excluir” em direção ao seu uso “para decisões construtivas”, a favor de uma prática pedagógica consistente e eficiente. Um convite a passar do uso “excludente” para o uso “inclusivo” dos resultados do ato avaliativo.

Na prática, o convite não sofre modificações essenciais; contudo, possibilita uma compreensão mais refinada, conceitual e epistemologicamente, desse componente do ato pedagógico, que é a avaliação.

Ainda que, há muitos anos, venha usando a distinção entre examinar e avaliar, como se não tivessem uma base conceitual e epistemológica comum, sentia dentro de mim um incômodo por compreender que, de alguma forma, os atos examinativos escolares também estavam assentados sobre um diagnóstico (ainda que nem sempre realizado com o rigor metodológico necessário).

Neste momento, consigo perceber com mais clareza que quilo que distingue as condutas são os usos que se fazem dos resultados do ato avaliativo: de um lado, “classificar, selecionar e excluir” e de outro “reorientar os atos de ensinar e aprender”, tendo em vista a obtenção de resultados satisfatórios.


Certamente que tão cedo não modificaremos as denominações de “examinar” e “avaliar”, porém, importa tomar consciência de que o elemento que os diferencia é o uso que fazemos dos resultados da investigação da qualidade da realidade, no caso, da aprendizagem dos nossos estudantes.