quarta-feira, 1 de junho de 2016

108 - AVALIAÇÃO. COMO, ENTÃO, REGISTRAR O DESEMPENHO DOS ESTUDANTES EM SUA APRENDIZAGEM?


Cipriano Luckesi
Contato --- ccluckesi@gmail.com



(OBS – Para bem compreender o que se expõe no texto que segue, importa ler o post anterior, intitulado Avaliação e as distorções da contabilização das notas escolares).


Notas escolares (registros numéricos), conceitos registrados por letras (alfabético), conceitos qualitativos (adjetivos), registro descritivo, estão entre os recursos utilizados para registrar a qualidade da aprendizagem dos estudantes em nossas escolas.

Contudo, todas essas modalidades de registro, através do nosso senso comum, histórica e socialmente adquirido, usualmente, são transformados indevidamente em quantidades, fato que possibilita a prática de médias de notas; que, por sua vez produz juízos indevidos, como vimos no texto anterior deste perfil.

Se as modalidades de registro do aproveitamento de nossos estudantes estão viciadas pela prática de “contabilização” das notas, através das médias escolares, como poderemos registrar os resultados da vida acadêmica de nossos estudantes?

Em primeiro lugar, importa ter presente que o estudante não veio, e não vem, à escola para obter notas. Ele vem para a escola para aprender. Por outro lado, nós educadores não somos distribuidores de notas escolares, mas profissionais do ensino.

Esses dois aspectos indicam, antes de qualquer outro entendimento, que nossa tarefa de educadores está comprometida com o ensino. Na relação pedagógica, desempenhamos o papel de profissionais adultos, responsáveis pelo ensino. Nossos estudantes estão comprometidos com a aprendizagem, sob nossa orientação pedagógica como também metodológica.

Nesse contexto, o primeiro passo é “ensinar” nossos estudantes, de tal forma que aprendam aquilo quem devem aprender, segundo o currículo estabelecido e transformado em planos de ensino a serem praticados em nossas escolas.

O segundo passo, no contexto do conteúdo que vimos abordando, será “registrar” o resultado dessa aprendizagem, em conformidade com normas regimentais do sistema de ensino, no seio do qual estivermos atuando como profissionais.

Com essa prática, importa evitar cair na confusão epistemológica, que temos sinalizado (ver texto anterior), a respeito do registro do resultado do desempenho do estudante, seja ele numérico, alfabético ou por uma escola de adjetivos.

Como não cair no contrabando epistemológico, assinalado no texto anterior?

Para tanto, importa assumir que ensino e aprendizagem compõem um conjunto de atos pedagógicos essenciais para a formação do educando e que o registro é somente a memória documental do testemunho do educador de que ele investiu e acompanhou determinado estudante e que ele aprendeu o necessário. Investiu e acompanhou não um, mas “todos” os estudantes da turma que está acompanhando, de tal forma que “todos” aprenderam aquilo que deveriam aprender.

Com esse entendimento, o registro permanecerá pura e simplesmente “registro” do testemunho do educador. Somente isso. Não será uma realidade “quantitativa”, que possa permitir médias, somente o registro da qualidade da aprendizagem do educando. Expressará o desempenho necessário e satisfatório de cada um e de todos os estudantes de uma turma, à medida que houve investimento para tanto.

Então, vamos supor que, em determinada escola, se use o registro numérico, com anotações de 0 (zero) a 10 (dez). Com que símbolo numérico registraremos a “qualidade satisfatória da aprendizagem” do educando?

Podemos, “por convenção”, admitir que o estudante que obtiver plena aprendizagem do necessário, terá o registro dessa condição com o símbolo numérico 8,0. Então, vamos supor que estamos trabalhando com as operações básicas em aritmética: adição, subtração, multiplicação, divisão.

À medida que investimos e o estudante aprendeu o conteúdo necessário que deveria aprender relativo às quatro operações matemáticas, teremos os seguintes registros: adição = 8,0; subtração = 8,0; multiplicação = 8,0; divisão = 8,0. Desde q            u o estudante aprendeu o necessário, ele terá esse registro nos documentos oficiais. E... se ele não aprendeu? O educador deve trabalhar para que ele aprenda, desde que esse é o objetivo da escola.

De imediato, isso parecerá estranho a muitos educadores, desde que ainda estamos comprometidos com a ideia de que os estudantes são diferentes e, por isso, deveriam ter registros diferentes, alguns expressando melhores condições de aprendizagem que outros.

Todavia, se todos “aprenderam aquilo que deveriam aprender”, qual a razão para não terem registros equivalentes? Será que acreditamos que os estudantes não têm condições de aprender, “de modo equivalente”, os determinados conteúdos escolares, que ensinamos?

Certamente que haverá diferenças subjetivas entre nossos estudantes, como existe diferenças subjetivas entre todos os seres humanos. Contudo, a aprendizagem dos conteúdos necessários deve ocorrer com todos, de modo equivalente para todos, caso contrário, não faria sentido o ensino simultâneo. Essa foi, e continua sendo, a meta do estabelecimento do “ensino-aprendizagem simultâneos” (um professor ensina, simultaneamente muitos estudantes; e, simultaneamente, muitos estudantes aprendem com base no ensino de um único professor).

A função do ensino simultâneo, instituído a partir do século XVI, no Ocidente, é garantir que “todos” aprendam o necessário, curricularmente estabelecido.

Então, haverá a pergunta: “E... as diferenças individuais, onde ficam?” Todos devem aprender o necessário e, por isso, foi ensinado suficientemente bem e, então, tem o testemunho do professor de que ele aprendeu o necessário, em função do que a qualidade de sua aprendizagem foi registrada com o símbolo numérico “8,0”.

Porém, acima do “8,0”, na escala de símbolos até 10, existem duas outras possibilidades, o “9,0” e o “10,0”. Os estudantes que, além de se apropriarem do necessário, são brilhantes em seus desempenhos, ou seja, vão para além do necessário, terão esses registros. Contudo, o necessário foi aprendido por todos. Alguns poderão se destacar e, nesse caso, seu desempenho terá um registro apropriado.

Essa prática pode ser adotada tanto com os registros numéricos, como com os alfabéticos ou com a escala de adjetivos.

Um pesquisador norte-americano da área da avaliação educacional, cujo nome é Norman Gronlund, em seu livro, Elaboração de testes para o ensino, publicado, em tradução para a língua portuguesa, pela Livraria Pioneira Editora, São Paulo, 1979, propõe que as práticas avaliativas levem em consideração dois patamares de desempenho do estudante em seus estudos e aprendizagens: a “aprendizagem para o domínio” (Capítulo 2) e  a “aprendizagem para o desenvolvimento” (Capítulo 3).

A aprendizagem para o domínio, ou de maestria ou do necessário, delimita aquilo que “todos” devem aprender, curricularmente estabelecido; a aprendizagem para o desenvolvimento delimita aprendizagens que estão para a além do domínio, do necessário.

Então, nós educadores necessitamos agir pedagógica e metodologicamente para que todos aprendam o necessário e, certamente, alguns --- ou até muitos --- estudantes ultrapassarão esse limite e apresentarão desempenhos brilhantes.

Para se chegar a esse patamar de padrão de qualidade do desempenho dos estudantes ---minimamente, o “necessário” e, quiçá, “para o desenvolvimento” ---, importa que o educador em sala de aula, mesmo com todos os impasses relativos às condições de trabalho, atuará a favor de que todos aprendam o necessário.

Isso significa que não se deve dar importância as condições de ensino? Nada disso. A proposição tem a ver com a compreensão de que os educandos em sala de aula não são os responsáveis pelas condições insatisfatórias de ensino, por isso, em sala de aula, importa realizarmos o melhor desempenho no ensino. Nos sindicatos e nas organizações da sociedade civil, teremos os espaços adequados para nossas reivindicações. Na sala de aula, boas e significativas aulas, com significativas e necessárias aprendizagens.