sábado, 25 de maio de 2019

131- IMPORTÂNCIA DO GESTOR NO ATO PEDAGÓGICO


 131 - IMPORTÂNCIA DO GESTOR NO ATO PEDAGÓGICO

Cipriano Luckesi


Um participante do Facebook, Renê Silva, postou uma mensagem que envolvia o meu nome, como o leitor poderá constatar no texto que se segue. Minha postagem está dividido em duas Partes. Na primeira, está reproduzida a mensagem de Renê Silva; na segunda, seguem algumas observações de minha parte, que, a meu ver, se somam às do autor do texto.
Fico agradecido pela possibilidade de postar uma nova mensagem, seja no site que mantenho no Google, seja no Facebook, estimulado pelo referido texto.

PARTE I
Mensagem postada por Renê Silva no Facebook, na data de 24 de maio de 2019.

NOVO ENSINO MÉDIO
Desde ontem estou em Feira de Santana participando do Encontro Formativo sobre Novo Ensino Médio promovido pela Secretaria da Educação do Estado da Bahia. O Prof. Roberto Alves, que coordena o encontro tem sido didaticamente muito perspicaz em suas orientações.
Para muito além das críticas e outros interesses que podem estar por trás, a BNCC e a proposta do Novo Ensino Médio trazem questões muito interessantes, que vem sendo discutidas e defendidas por muitos educadores pesquisadores há muito tempo.
O fomento ao protagonismo do estudante, prática de metodologias ativas, uso pedagógico de recursos digitais, trabalho multi, inter, transdisciplinar, não são discussões que surgem agora com o Novo Ensino Médio. Mudar o sistema de organização do Ensino Médio não vai garantir a mudança de prática pedagógica.
O risco que vejo, é de mudar conceitualmente a estrutura sem mudar as práticas. Como exemplo, para ilustrar esse risco, conto uma experiência que vivenciei em Planaltino com o, na época, Secretário de Educação e hoje prefeito Zeca Braga.
Nos idos dos anos 2000 e alguma coisa, fomos nós dois participar de uma formação em Salvador, onde em uma das atividades escutamos uma aula do Prof. Cipriano Luckesi. Avaliação era e ainda é um tema que nos inquieta.
Para resumir, ao retornar, tivemos a ideia de ampliar essa discussão com a rede e propor a mudança de registro da aprendizagem dos alunos de nota para conceito.
Na nossa ingênua boa intenção, acreditávamos que com essa mudança, conseguiríamos trazer uma compreensão diferente da finalidade da avaliação da aprendizagem. Quebramos a cara. Apesar de todas as discussões, as resistências e dificuldades de compreensão da proposta venceram (culpa nossa, pois não demos tempo suficiente para os aprofundamentos), e foi montada uma estratégia de equivalência entre conceitos e nota.
Os conceitos iam de A até E, sendo A "o estudante alcançou satisfatoriamente as competências e habilidades propostas" e E "o aluno não minimamente as competências e habilidades propostas". Queríamos que a avaliação estivesse realmente voltada para a aprendizagem dos objetivos propostos, das competências e habilidades. Ai, esqueceram os objetivos, e A virou de 8 a 10, B de 6 a 7,9, C de 4 a 5,9, D de 2 a 3,9 e E de 0 a 1,9. Não mudou o olhar, a prática pedagógica. Nossa ingenuidade levou a um fracasso.
Mesma situação de risco vejo hoje com o Novo Ensino Médio. Os Itinerários Formativos a serem construídos, podem continuar sendo apenas mais do mesmo, mudando o nome de aula para Itinerário, onde a proposta de aprofundamento pode virar apenas mais uma aula comum. Não vejo que a mudança no sistema garantirá mudanças de práticas.
Lógico que por força de Lei essa mudança de organização já está imposta, mas não será a Lei que garantirá mudanças de práticas, até porque, mudanças de práticas demandam vários fatores, que vão desde formação até condições efetivas de trabalho para implementação de novas práticas.
Precisaremos de muitos espaços de diálogos com os colegas professores para juntos repensarmos nossas práticas.

PARTE II
Seguem as considerações que fiz, em função do texto acima, postado no Facebook na página de Renê Silva. Além da gratidão pela citação de minhas contribuições para a fenomenologia da avalição em educação, algumas observações a partir de sua postagem.

1. René Silva escreveu: “Tivemos a ideia de ampliar essa discussão com a rede e propor a mudança de registro da aprendizagem dos alunos de nota para conceito. Na nossa ingênua boa intenção, , acreditávamos que com essa mudança, conseguiríamos trazer uma compreensão diferente da finalidade da avaliação da aprendizagem. Quebramos a cara.”

De fato, notas (registros numéricos) ou conceitos (registros alfabéticos) não têm a ver com a fenomenologia da prática da avaliação da aprendizagem, mas sim como formas administrativas e sintéticas de registrar a classificação do estudante em termos de sua aprendizagem de determinados conteúdos escolares; classificação realizada pelo sistema de ensino (no caso, pelo professor, pela professora e, a seguir, nos documentos oficiais da escola e do sistema de ensino). O registro não está comprometido diretamente com a prática avaliativa. É um registro.
Avaliação, como você sabe, é o processo de investigar a qualidade da aprendizagem dos estudantes em decorrência da atividade do ensino-aprendizagem, cujos resultados da investigação possibilitam decisões corretivas, se necessárias. Notas ou conceitos são formas de registrar a memória das aprendizagens dos estudantes, segundo determinados critérios de aprendizagem assumidos. Uma atividade externa ao ato avaliativo.

2.   O autor do texto ainda registrou: “Mesma situação de risco vejo hoje com o Novo Ensino Médio. Os Itinerários Formativos a serem construídos, podem continuar sendo apenas mais do mesmo, mudando o nome de aula para Itinerário, onde a proposta de aprofundamento pode virar apenas mais uma aula comum. Não vejo que a mudança no sistema garantirá mudanças de práticas. Lógico que por força de Lei essa mudança de organização já está imposta, mas não será a Lei que garantirá mudanças de práticas, até porque, mudanças de práticas demandam vários fatores, que vão desde formação até condições efetivas de trabalho para implementação de novas práticas. Precisaremos de muitos espaços de diálogos com os colegas professores para juntos repensarmos nossas práticas”.

A meu ver, perfeita sua observação. No Brasil, já tivemos várias propostas pedagógicas que não foram à frente, vinculadas às Leis de 1961, de 1971, de 1996. Agora, temos a BNCC.
Não serão documentos que modificarão, para melhor, a educação no país, mas sim o investimento em cada escola como um todo (com seus gestores como líderes nos cuidados com os estudantes) e em sala de aula. Os documentos configuram linhas de ação, porém, se elas não forem traduzidas em práticas cotidianas, serão letras mortas, como tem ocorrido ao longo do tempo. E, para isso, necessitamos que cada educador, em sua sala de aula, assuma que seus estudantes irão aprender, ainda que as condições materiais de ensino sejam precárias.
Os estudantes vêm para a escola, tendo em vista aprender. Eles não têm como dar conta das condições precárias das condições de ensino; vem para a escola tendo em vista aprender.
As reinvindicações por melhores condições nas instituições de ensino terão que ocorrer nos movimentos sociais, nos sindicatos, nos partidos políticos, nas bancadas eleitas para os órgãos públicos...  Na sala de aula, há necessidade das melhores aulas que pudermos ministrar, ainda que com condições precárias. Sempre haverá a presença de quem ensina e quem aprende.
Fui uma criança multirrepetente e deixei de sê-lo, junto com outros colegas de infortúnio, quando um professor de Língua Portuguesa nos disse: “Vocês aprenderão, se forem bem ensinados. Irei cuidar de vocês”. Repetência, no meu caso, nunca mais.
No Brasil, hoje, somos aproximadamente, em números redondos, 2.500.000 professores no Ensino Básico (Da creche ao Ensino Médio, incluindo EJA), distribuídos por 5.500 municípios, e, no Ensino Superior, também de forma aproximada, somos 410.000 educadores em sala de aula. Por outro lado, o número de exclusão social via a escola é avassalador. De cada 100 estudantes que ingressam na 1ª. série do Ensino Fundamental, somente entre 15 e 20% concluem o Ensino Superior, dezesseis ou dezessete anos depois. Nossa, excessivas repetências e saídas da escola, antes do tempo escolar definido.
Tenho clareza das dificuldades e dos limites que encontramos para exercer nossa atividade profissional, contudo, creio eu, importa que cada um de nós e os milhares de professores praticantes do ensino em nossas escolas tomem consciência do poder que têm em mãos e invistam em seus estudantes.
Se, no espaço de vinte anos, ao invés de termos 1.000.000 de diplomados de Ensino Superior (= aproximadamente 20% dos estudantes que ingressam na 1a. série do Ensino Fundamental, 16 ou 17 anos antes), tivermos 4.000.000 de diplomados (= aproximadamente a 80% daqueles que ingressaram no Ensino Fundamental, 16/17 anos antes), teremos um sociedade muito diversa da que temos hoje. Ao invés de 20.000.000 de diplomados, em vinte anos, teremos 80.000.000. A realidade social será outra.
Creio que, mesmo com condições adversas, podemos garantir a aprendizagem satisfatória e a permanência de um maior número de estudantes no ensino escolar formal do país. E, evidentemente, uma consciência crítica mais consistente e mais saudável. Para isso, importa o investimento profissional de cada um de nós em nossas práticas profissionais na escola e em sala de aula.
Para isso, importa que nós educadores escolares tomemos pé em todos os documentos oficiais tornados públicos, como a BNCC e outros, contudo, para além deles, nossas habilidades em ensinar e nossos investimentos em todos e cada um dos nossos estudantes. A avaliação, então, será nossa parceira a nos revelar se nossas atividades já produziram os resultados desejados e estabelecidos nos Planos de Ação e de Ensino ou, se ainda, estão a exigir novos e novos investimentos, afim de que os resultados desejados sejam obtidos. Afinal, é dessa forma que a avaliação atua no cotidiano de cada um de nós.
Todos e quaisquer atos que praticamos em nosso cotidiano são acompanhados por um ato avaliativo que nos revela se obtivemos o resultado que desejávamos, ou não. Se sim, ótimo. Se não, cabe decidir: desistir ou investir mais e mais, até que cheguemos aos resultados positivos. O ato avaliativo é nosso parceiro na busca dos resultados desejados e planejados. Ele nos revela a qualidade dos resultados de nossa ação. Cabe a nós decidir se iremos permanecer com p “mais do mesmo” ou se vamos investir para obter um resultado melhor e m ais significativo com nossa ação.
No cotidiano de cada um de nós, os atos avaliativos são quase que automáticos, de tal forma que quase que não nos damos conta de que eles estão presentes; contudo, nas atividades profissionais, eles são praticados de modo consciente, como metodologias específicas, que todos nós conhecemos, ainda que possamos aperfeiçoá-las.
A avaliação, no caso da prática educativa, tem, única e exclusivamente, a possibilidade de nos revelar a qualidade dos resultados de nossa ação. Com base neles, podemos decidir por investir mais e mais; ou se decidimos nada mais fazer e “deixar as coisas como estão”. O ideal para um gestor seria decidir investir mais, e mais, até obter os resultados desejados. Um Secretário de Educação é o gestor da sua instituição, assim como o diretor de uma escola, assim como um professor em sala de aula, assim como cada um de nós em nossas vidas. O gestor toma decisões, a avaliação subsidia a decisão. Ambas as atividades a serviço do sucesso dos objetivos que se tenha com o projeto de ação.



________________________________________________