domingo, 21 de agosto de 2016

111 - O SER HUMANO, SUA EDUCABILIDADE E O EDUCADOR


111 - O SER HUMANO, SUA EDUCABILIDADE E O EDUCADOR

Cipriano Luckesi




01.              O ser humano e suas potencialidades


Com os episódios do nascimento --- concepção, gravidez e nascimento propriamente dito --- o ser humano chega ao mundo como um feixe de possibilidades, múltiplas, infinitas possibilidades, que podem ser atualizadas através da interação com o mundo e com os outros, ao longo do tempo.

A expressão “atualização de potencialidades” tem sua raiz em Aristóteles, filósofo grego do século IV antes da era cristã. Ele afirmava que, no mundo, todos os fenômenos, constitutivamente, se manifestam como “potência e ato”. “Potência” significa a possibilidade de ser, e “ato” significa a potência que se realiza, que se manifesta como plena, atualizada.

Segundo sua compreensão, a “passagem da potência ao ato se dá devido a existência de um terceiro em ato”. O “ser” --- aquele que existe por si ---, para ele, é a plenitude daquilo que existe, no qual não se dá potência e ato, é sempre ato; o “ente” é aquilo que existe como um feixe de possibilidades, contendo infinitas possibilidades de atualização, infinitas possibilidades de atualização.

Nós seres humanos, no contexto desse entendimento, somos “entes”, com múltiplas potencialidades a se atualizarem --- de transformarem-se em ato no decurso do tempo --- em nossas vidas. E, em torno de cada um de nós, existem muitos “entes” que, ao mesmo tempo, já são atos --- mas, evidentemente, com múltiplas possibilidades de, ainda, virem a ser mais, e mais, expressando novas “atualizações”. São “terceiros em ato”, que nos convidam a atualizar (= tornar atos) as potencialidades com as quais chegamos ao mundo.

Esse “terceiro em ato”, que nos conduz a aprender e, consequentemente, nos desenvolver, pode ser o mundo natural que nos cerca, assim como a cultura circundante; afinal, aprendemos com tudo aquilo que nos cerca, nos confronta e nos exige aprendizagens para a sobrevivência. São também os outros seres humanos que já atualizaram muitas de suas potencialidades.

Em nossas interações com o mundo e com os outros, nos “esculpimos” Os seres humanos que nos antecederam no tempo e “se esculpiram a si mesmos”, existem em atos (atualizados) e nos acolhem, nos nutrem, nos ensinam, nos confrontam para que atualizemos nossas potencialidades, nos tornemos “senhores de nós mesmos”, cientes de nossas capacidades, poderes, modos de agir...

Aprendemos convivendo com aquilo que nos cerca, natureza física, biológica, a cultural com todas as suas manifestações e os outros seremos humanos, que, por seu passado formativo, já tem domínio sobre diversas áreas da vida.

Os denominados “meninos lobos”, que, por alguma razão do destino, cresceram fora do circuito humano e junto a famílias de lobos, tornaram-se “seres humanos com hábitos de lobos”. O ser humano, desde que tenha chegado ao mundo, está destinado a aprender. Constitui-se a si mesmo aprendendo, atualizando-se a si mesmo. A aprendizagem esculpe nosso modo de ser, de agir e de reagir.

Nesse contexto metafísico, podemos compreender que cada estudante, cada educando à nossa frente, seja em sala de aula, ou fora dela, apresenta essas características, o que implica que todo ser humano é educável. Ele detém a característica essencial de aprender que permite construir-se a si mesmo, através da relação com o mundo exterior a si mesmo. Chega ao mundo com potencialidades e, usando uma expressão alegórica, esculpe-se pela aprendizagem, desenvolve-se, atualiza potencialidades, torna-se quem pode ser.



02.              O ser humano e sua educabilidade



A educabilidade pode ser compreendida metafisicamente, como o fizemos acima, seguindo as pegadas de Aristóteles, contudo, podemos traduzir essa compreensão abstrata em uma compreensão funcional, tomando por base nosso sistema nervoso, centro de administração da vida de cada um de nós, que nos possibilita, em princípio, a construção de recursos cognitivos e afetivos que subsidiam nosso modo de agir coerente e consistente.
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O sistema nervoso --- no caso dos seres humanos --- representa a central administrativa de nossas vidas, desde que nada acontece no dia a dia de nossas vidas individuais, sem que se passe por ele.

Quando chegamos ao mundo, pelo nascimento, nosso sistema nervoso representa o feixe de nossas possibilidades, desde que constituído por milhões de células nervosas que, relacionando-se entre si, através das sinapses, constituem os circuitos neurológicos, que contém as memórias dos algoritmos de nossos conhecimentos, de nossas habilidades, de nossas crenças, modos de ser....

O sistema nervoso, por meio de milhares de conexões entre suas células, esculpe-se, ao longo de nossas vidas, em função de nossas aprendizagens, que se transformam em memórias, recursos com os quais administramos nosso dia a dia. Memórias conscientes, subconscientes e inconscientes. Afinal, potências que se tornam atos; possibilidades que se atualizam (tornam-se atos).

Por memórias conscientes, estamos compreendendo aquelas das quais nos servimos de modo decidido no presente, também denominadas memórias operacionais, quando as ações e gestos são realizados conscientemente. Por memórias subconscientes, estamos compreendendo aquelas pelas quais agimos de modo habitual; agimos funcionalmente. Seria impossível realizar todos os nossos atos de forma meticulosamente consciente em todos os seus gestos.  Os circuitos neurológicos, decorrentes da aprendizagem, estão ali, disponíveis, nos servimos deles quando necessários e eles respondem automaticamente às nossas necessidades. “São acordados”, quando temos necessidade. E, existem, por fim, as memórias inconscientes, que atuam, quando nosso inconsciente toma as rédeas e comanda nossa ação da forma como deseja, independente de nossas escolhas e decisões. Somos “tomados” por essas memórias. Nossas reações automáticas e intempestivas representam essas memórias.

Essa “escultura neurológica” contém nossa memória, que é constituída ativamente em nossas vidas, através de todas as nossas relações com o mundo que nos cerca, natureza, objetos culturais, acontecimentos, pessoas.

Afinal, o nosso sistema nervoso recebe e processa informações, como também orienta e comanda nossos atos cotidianos. Com seus recursos, busca soluções até encontrar aquela que poderá ser a mais bem-sucedida para o seu portador, que podemos ser nós mesmos ou os outros com os quais convivemos.

Devido as infinitas possibilidades de aprender e de ser, em nossa relação com tudo aquilo que nos cerca, vamos esculpindo nossa compreensão do mundo, nossas crenças, nossas habilidades, que permanecem guardadas em nossos circuitos neurológicos, sempre disponíveis, para serem utilizados, quando necessário.

Desse modo se dão as aprendizagens desde as mais elementares, como andar, como falar na língua paterna, como comer, como brincar servindo-nos das diversas modalidades dos brincares, como aprender uma língua estrangeira, aprender a raciocinar aditivamente e subtrativamente, dirigir automóvel, cozinhar, bordar, elaborar poesias, desempenhar um papel no teatro... infinitas possibilidades. Nosso sistema nervoso suporta aprender isso tudo e muito, muito mais. Suas possibilidades de aprendizagens são infinitas.

Repitamos: enquanto estivermos vivos e saudáveis, nossas possibilidades de aprender continuam infinitas. E, então, vamos pela vida afora, nos esculpindo por nossas aprendizagens.

Através dessa dinâmica funcional e plástica do nosso sistema nervoso, realizamos nossas potencialidades; usando a linguagem aristotélica, “atualizamos nossas potencialidades”.



03.              O educador e o seu papel na prática educativa



Sinalizamos nos parágrafos acima que aprendemos --- nos esculpimos --- em nossa relação com o mundo. Um dos componentes desse mundo que nos cerca são os outros seres humanos. Seres humanos de nossa idade, mais novos e mais velhos. Seres humanos que tem experiências semelhantes às nossas, que tem menos experiências que nós em algumas áreas e outros que tem muito mais experiência que cada um de nós em outras áreas de conhecimento e ação. Existem aqueles que tem mais domínio em determinadas áreas da vida e existem aqueles que tem menos domínio do que nós em determina das áreas da vida. Então, aprendemos uns com os outros, além, de aprendermos em nossa relação direta com o mundo que nos cerca, seja da natureza física, biológica, seja dos fenômenos socioculturais. O mundo nos desafia a nos relacionamos com ele da melhor forma possível e, nesse contexto, aprendemos como compreendê-lo, como viver e sobreviver nele e com ele.

Entre os seres humanos que nos cercam, alguns assumem o papel de educadores para cada um de nós. Nossos pais, nossos avós, nossos tios, tias, primos, primas, vizinhos adultos ou de idade semelhante a nossa. Com todos eles, aprendemos. Afinal, tornam-se nossos educadores.

Contudo, existem seres humanos que, “oficialmente”, se tornaram e/ou se tronam nossos educadores, são nossos professores. Estes necessitam preparar-se e estar preparados para exercer a sua função social, tanto do ponto de vista cognitivo, desde que necessitam possuir domínio dos conteúdos que ensinam, como também, necessitam ter o domínio afetivo sobre suas possibilidades de relações interpessoais tanto para ensinar como para aprender; além, evidentemente, do domínio metodológico sobre a arte de ensinar e aprender.

Quanto ao domínio dos conteúdos que um educador ensina --- área de conhecimentos ---, parece não pairar dúvidas em cada um de nós. Todos sabemos que somente poderemos ensinar aquilo que sabemos, ou seja, aquela faceta do mundo sobre a qual temos domínio cognitivo e prático. Quando, no cotidiano, nos deparamos com alguém que tem, em nível excepcional, domínio sobre sua área de atuação, colocamo-nos, admirados, diante dele.  Nos embevecemos com o seu saber. Eles, afinal, sabem que sabem.

Quanto ao domínio das relações interpessoais, uma área que inclui posse de nós mesmos, de nossa biografia, como também de nossas reações emocionais, nem sempre somos “experts”. Nossas relações com o mundo e com os outros tem a marca da afetividade. Sem ela, agiríamos como robôs, cumprindo nossas tarefas, contudo, sem a exuberância dos estados afetivos que nos vinculam a pessoas, projetos, ações, à natureza, afinal, à vida. Todavia, como a vida afetiva também é esculpida por nossas relações com o mundo, nosso modo afetivo de estar no mundo pode ser amoroso, amistoso, agressivo, reativo e muitas outras possibilidades. Facilmente, todos nós catalogamos as pessoas, com as quais vivemos, do ponto de vista de seu modo afetivo de estar no mundo. É bom estarmos junto a pessoas sensatas emocionalmente; mas, não é nada confortável, estar junto a pessoas reativas sob essa ótica. E, então, vale a pena lembrar que tanto o modo sensato, como o modo reativo de estar no mundo, foram construídos no decorrer do processo biográfico de cada um de nós, onde vivenciamos experiências fluídas, mas também traumáticas.

Então, para ocupar o papel de educador, importa que o profissional busque o estado de sensatez, tendo em vista garantir uma relação estável e equilibrada com o estudante. Isso implica em aprender a estar atento às nuances de seus estados emocionais, cujas bases podem estar em memórias subconscientes, mas, de modo especial, inconscientes. Nossas condutas reativas, de modo especial, quando emergem de modo intempestivo, tem m ais a ver com conteúdos inconscientes do que subconsciente ou conscientes. Nessas circunstâncias, usualmente, somos tomados por memórias de situações ameaçadoras do passado. “Antes que aconteça de novo”, nosso inconsciente nos conduz à reação automática e intempestiva de defesa e, até mesmo, de ataque. Reação essa que não ajuda em nada nas relações humanas em geral, e, na pedagógica, menos ainda.

Com essas qualidades cognitivas e afetivas, o educador ocupa um lugar especial na relação pedagógica entre educador e estudante. Servindo-nos das compreensões neurológicas, que, sinteticamente, apresentamos anteriormente neste texto, nos possibilita compreender o papel do educador nesse contexto.



a)                 O educador no ato pedagógico



O educador é o “adulto da relação pedagógica” e, como tal, ele acolhe, nutre, sustenta e confronta o educando, afim de que ele “esculpa o seu modo de ser e de agir”. O educador tem papel ativo somente como mediador a aprendizagem do estudante; o estudante, por outro lado, tem papel ativo na formação de si mesmo; nesse caso, o educador lhe oferece suporte para que faça seu caminho. Não há como o educador substituir o educando em sua tarefa de auto-constituir-se. Nos quatro papéis --- acolher, nutrir, sustentar e confrontar ---, o educador oferece condições para que o estudante faça seu caminho; certamente condições que deverão ser continentes e seguras.

Acolher. David Boadella, criador da Biossíntese, uma área de conhecimentos psicoterapêuticos, diz que “o que cura é a receptividade viva de outro ser humano”. “Receptividade viva” significa receber o outro “como ele é”, incondicionalmente. Esse é o ponto de partida para a relação pedagógica, desde que o que interessa ao educador é possibilitar ao estudante formar-se a sai mesmo, esculpir-se a si mesmo. Para tanto, o único ponto possível de partida é o educando como ele é e como se encontra nesse momento, em sua vida --- alto, baixo, magro, gordo, falante, silencioso, extrovertido... ---, afinal, como é. Não há outra possibilidade de ponto de partida para uma atividade educativa. E, nesse ponto, cada estudante é diferente do outro, à medida que cada um nasceu individual, com marcas genéticas da família, mas assimiladas de forma individual; com traços socioculturais da família, mas assumidos a seu modo; com uma biografia pessoal, constituída em sua relação com o mundo. Do ponto de partida ao ponto de chegada (aprendizagem), o educador auxiliará cada um a fazer seu caminho de formação, sempre mediando a relação entre individualidade (que não poderá ser suprimida nunca) e a aprendizagem de conteúdos que são universais (que também não tem como deixar de ser metodologicamente válidos, como também universais).

Nutrir. O remo “nutrir” é assumido, aqui, numa conotação alegórica; nada, pois, no sentido de alimentar biologicamente; mas, sim, alimentar psicológica e cognitivamente. O educador, como adulto da relação pedagógica, subsidia o estudante a acessar conteúdos e compreensões novas a respeito das diversas áreas de conhecimento, assim como sobre os diversos campos da vida. Conteúdos e compreensões que necessitarão ser assimilados e tornados pessoalmente seus por parte dos estudantes, e, isso só pode ocorrer de forma ativa.

Sustentar. “Sustentar”, no caso, significa garantir ao estudante as atividades e o tempo necessário para que aprenda (ou seja, crie seus circuitos neurológicos de memória) e, em aprendendo, se desenvolva (isto é, assuma sua forma pessoal de ver e de se relacionar com o mundo; sua forma de estar e agir no mundo, que seja individualizada, mas, ao mesmo tempo, universal, desde que válida no meio sociocultural onde vive).

Confrontar. “Confrontar” não quer dizer “conflitar”. Simplesmente significa observar, sensatamente, a conduta do estudante --- nova ou antiga --- e lhe sinalizar novas possibilidades. No caso dos conteúdos escolares, confrontar significa “diagnosticar o desempenho do estudante” e “reorienta-lo” múltiplas vezes caso seja necessário, até que efetivamente tenha tomado posse dos conteúdos curriculares necessários. O adulto da relação pedagógica deverá ser capaz de, sensatamente, diagnosticar a situação e propor novos encaminhamentos caso o estudante ainda não tiver aprendido aquilo que deveria aprender. O termo “confrontar” está atrelado ao de “avaliar”, desde que uma qualidade, ainda insatisfatória, detectada pela avaliação, subsidia o educador a tomar nova decisão de re-ensinar ao estudante aquilo que curricularmente necessita aprender, desde que ele veio para a escola para aprender.



b)                 O educador e o educando nos atos de ensinar e aprender



Como essas posturas pedagógicas podem ser traduzidas no ato de ensinar?

Creio que os passos ativos do ato pedagógico de ensinar e aprender sejam: (01) expor um conteúdo novo; (02) a assimilação do conteúdo novo; (03) exercitação; (04) aplicação; (05) recriação; (06) criação do novo. Vamos compreender esses sucessivos passos do ensino-aprendizagem, enfatizando a predominância de atividade de cada um dos dois atores desse processo --- educador e estudante.

No processo de ensinar, o educador é o mediador dos conteúdos socioculturais já existentes --- conhecimentos científicos, saberes ---, que, no caso da escola, encontram-se definidos nas propostas curriculares. Então, o ensino se inicia pela introdução do estudante no seio dos conhecimentos existentes, dos quais o professor deve ser o mediador.

Nesse contexto, (01) o primeiro passo do ato de ensinar é a exposição do conteúdo a ser aprendido, seja ele teórico ou prático. O termo exposição tem sua origem no verbo latino “exponere”, que significa “colocar diante de”. Dessa forma, “expor um conteúdo” ao estudante significa “colocar diante dele” esse determinado conteúdo. Essa ação pode ser realizada oralmente, mas também pela seleção de uma leitura a ser feita ou pela recepção de informações por um documentário, um tape, um filme ou outro meio qualquer de comunicação. O que importa é que o determinado conteúdo chegue ao aprendiz. Nesse passo do processo de ensinar, o professor tem a predominância ativa na relação educador-estudante.

(02) O segundo passo é a assimilação. Aqui é o estudante que tem predominância ativa. É ele quem assimila. Nesse caso, o papel do professor é facilitar a assimilação do conteúdo, clareando a definição dos termos ou auxiliando a compreender os conteúdos expostos. Sem essa atividade de compreender, o sistema nervoso do estudante não terá condições de criar o circuito neurológico necessário tendo em vista sustentar essa informação, que será necessária para o próximo passo que é a exercitação.

Na (03) exercitação, o professor será o parceiro orientador do estudante, que será ativo em sua prática pessoal com o determinado conteúdo exposto. Retomando o conteúdo exposto e assimilado, o estudante praticará exercícios, que sedimentarão neurologicamente sua aprendizagem operativa do conteúdo exposto. Sem a exercitação --- caso o estudante tenha conseguido assimilar as informações expostas --- elas serão somente informações expostas, mas não conhecimentos e habilidades. A posse efetiva do conteúdo só virá com a exercitação. Não se aprende matemática sem exercícios, o mesmo ocorre com a língua nacional, ou com a aprendizagem de uma língua estrangeira, ou com a aprendizagem da história, da geografia, ou de qualquer outra área de conhecimentos e habilidades. A exercitação cria o circuito neurológico (a memória) de determinado conhecimento.

(04) De posse de um conhecimento, o estudante terá a possibilidade de realizar o quarto passo da aprendizagem --- a aplicação. Com a posse do conhecimento ---- adquirido pela exposição, assimilação e exercitação ---, o estudante poderá aprofundar e flexibilizar esse conhecimento aplicando-o, seja para a solução de situações novas ou de uma situação próxima e parecida com a situação exercitada. A aplicação alarga a posse de um determinado conhecimento, assim como de uma determinada habilidade. O novo circuito neurológico se amplia e se aprofunda com o conjunto das novas experiências aplicativas. A aplicação, podemos dizer, possibilita aprender a usar o conhecimento ou a habilidade adquiridos, tendo em vista resolver novos e variados impasses. A aplicação flexibiliza o conhecimento e a habilidade e possibilita o seu uso variado.

(05) Com o cumprimento do segundo, terceiro e quarto passos do ato de ensinar-aprender, nos quais o componente predominantemente ativo da relação pedagógica é o estudante, permanecendo o educador na retaguarda da orientação, estabelece-se a base para a recriação do conhecimento ou habilidade, que representa o quinto passo desse processo. Tendo a posse do conhecimento exposto, o estudante está pronto para arriscar recriá-lo. Por exemplo, após ter a posse dos conhecimentos e habilidades com o conteúdo “adição” em matemática, que aprendeu através da fórmula escrita, poderá recriar formas de adição com outros recursos. Mas, mais que isso, após aprender adição, subtração, multiplicação e divisão, poderá brincar de várias formas com as quatro operações. O mesmo poderá ocorrer com qualquer outro conteúdo, seja da área científica, sociocultural, das artes, da literatura...

(06) A criação de algo novo, como o sexto passo, representa o nível mais complexo da aprendizagem, desde que depende da posse e domínio consistente de aprendizagens anteriores. Certamente depende também da amplitude dos conhecimentos e habilidades sobre os quais se tem domínio. Por exemplo, para escrever o presente texto, estou usando o “banco” e dados, informações, compreensões, habilidades, que foram sendo esculpidas em meu sistema nervoso ao longo do tempo. A abordagem que estou expondo nesse texto é nova, desde o seu título, assim como a articulação entre as suas partes, a articulação entre os dados filosóficos neurológicos e pedagógicos utilizados. A criação está para além das aprendizagens, é um patamar novo, mas ela só pode existir de modo consistente, caso a base cognitiva e afetiva tenha sido realizada.

Quando um pesquisador tem uma intuição, que ainda não tem sua sustentação na realidade conhecida, passará tempo até que esse referido pesquisador ou outro (partindo de sua intuição) chegue a sua formulação completa e à sua exposição. A Teoria da Relatividade, foi formulada por Einstein em 1905, mas só pode ser demonstrada em 1919, quando a ciência e os dados da realidade observados permitiram que sua criação teórica fosse demonstrada.

A intuição nasce de uma base, por vezes, já demonstrada, e, por vezes, exigindo mais e mais buscas. Contudo, vale sinalizar que uma intuição significativa não emerge de um nada. Nasce de uma base cognitiva constituída.



04.              Concluindo...



Concluindo, podemos conceber o ser humano de modo metafísico, como o fez Aristóteles, concebendo que ele é um “ente humano”, composto por potência e ato; e, que a potência passa de “potência a ato”, através da ação de um “terceiro em ato”, que propicia as condições da mudança de um para outro estado.

Isso também ocorre funcionalmente na vida humano bio-psico-espiritual, através da aprendizagem que esculpe em nosso sistema nervoso, nosso modo de ser, de viver e de agir. E, cabe ao mundo e aos educadores de cada um de nós, seja eles familiares, vizinhos ou escolares, nos ensinar, a fim de que aprendamos e, desse modo, nos formemos.

O educador escolar, frente à sua responsabilidade, necessita de capacitação cognitiva e afetiva, tendo em vista exercer sua atividade, de tal forma que tenha a capacidade pedagógica de acolher, nutrir, sustentar e confrontar os educandos, assim como a capacidade metodológica de praticar o ensino-aprendizagem através das habilidades: de expor um conteúdo, de subsidiar sua assimilação, de orientar e sustentar sua exercitação, sua aplicação, sua recriação, de tal forma, que, finalmente, o estudante possa investir na criação de novas compreensões teóricas sobre a vida e seus processos, assim como criar novos artefatos para o bem de todos.


O papel do educador é fundamental para a vida individual e social no planeta, desde que ele é o mediador no processo de formação das novas gerações. Ele auxilia cada educando a esculpir em si mesmo os meandros de seu sistema nervoso, central administrativa de sua vida pessoal e na relação com o mundo e com os outros. Seu papel é de subsidiar condições para a humanização do ser humano individual, assim como coletivo.