domingo, 26 de julho de 2020

134 - AVALIAÇÃO COMO INVESTIGAÇÃO E BASE PARA SUCESSIVAS E AJUSTADAS DECISÕES


134 - AVALIAÇÃO COMO INVESTIGAÇÃO E BASE PARA SUCESSIVAS E AJUSTADAS DECISÕES
Cipriano Luckesi




Já sinalizei aqui, em post anterior, que existem três atos que todos os seres humanos, universalmente, praticam nos mais variados rincões do Planeta. São eles: (1) investigar o que é a realidade e como ela funciona; (2) investigar a qualidade da realidade; (3) tomar decisões e agir tendo por base os resultados das duas investigações anteriormente assinaladas. Esses três atos praticados por todos os seres humanos decorrem de sua constituição evolutiva.

No caso, o ato de avaliar a aprendizagem de nossos estudantes em sala de aula faz parte da segunda área de atuação do ser humano, assinalada acima, que é conhecer valores, qualidades, base para escolhas.

A avaliação da aprendizagem, no caso do ensino escolar, se realiza como um ato de investigar a qualidade da aprendizagem dos estudantes, revelando-a.  A “decisão de agir”, tendo por base o resultado revelado por essa investigação, já não pertence mais ao “ato de avaliar”, mas sim ao “ato de tomar decisões” e, em consequência, agir.

O ato de avaliar subsidia as decisões do sujeito da ação, que, com base no conhecimento da qualidade da realidade, escolhe tanto agir, como também o modo de agir.

Ao longo dos anos da escolaridade no Ocidente, do século XVI aos nossos dias, a avaliação da aprendizagem, vagarosamente, tornou-se independente em relação aos atos de planejar e executar o ensino em nossas escolas.

Nas “teorias pedagogias” propostas ao longo desse período, os atos avaliativos da aprendizagem sempre foram compreendidos como subsidiários dos atos de ensinar e aprender, Porém, vagarosamente na História Moderna, e, “sem estar assentada nas teorias pedagógicas” elaboradas e defendidas por correntes pedagógicas ou autores, os atos avaliativos praticados no sistema escolar e em nossas salas de aula foram se tornando independentes dos atos de ensinar e aprender.

Informo, porém, que, mesmo tendo buscado informações, não consegui identificar uma referência explícita entre os historiadores da educação assim como entre os historiadores da avaliação da aprendizagem a respeito da “data histórica” em que o ato de avaliar a aprendizagem na escola e o uso dos seus resultados para aprovar ou reprovar estudantes em seu percurso de escolaridade tornaram-se independentes dos atos pedagógicos de ensinar e aprender, como ocorre em nossos dias.

O professor José Carlos Libâneo --- em sua Dissertação de Mestrado, sob o título “A prática pedagógica de professores da escola pública”, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Educação, PUC/SP, cuja defesa ocorreu no ano de 1984 --- registrou, com base em depoimentos coletados junto a educadores escolares da cidade de São Paulo, o modo  independnte e autônomo como os atos avaliativos da aprendizagem eram praticados em sala de aula com relação às propostas pedagógicas anunciadas como orientadoras do ensino em sala de aula.

Com base nos depoimentos dos participantes da investigação, foi possível classificá-los em tradicionais, escolanovistas e tecnicistas; contudo, a prática avaliativa era realizada por todos os participantes da pesquisa de modo equivalente, ou seja, “exclusivamente” para aprovar/reprovar os estudantes em sua escolaridade.

Ainda que, do ponto de vista pedagógico, os participantes da referida investigação informassem orientar suas ações segundo uma determinada concepção pedagógica, e, por isso, se diferenciavam entre si, no que se referia às práticas avaliativas, todos agiam de forma equivalente, servindo-se das provas e dos exames, modalidade de conduta predominante em nossas atividades escolares.

No caso, vale observar que o período de tempo entre 1984, quando a coleta de dados para a investigação acima citada fora realizada, e a presente data, perfazendo um total de 36 anos, ocorre uma quantidade expressiva de anos do ponto de vista individual, mas não do ponto de vista histórico-social, desde que a sociedade demanda muito tempo para viabilizar uma mudança de conduta em grande número de pessoas.

A independência da prática avaliativa da aprendizagem em relação às proposições pedagógicas passou, no decurso do tempo em nosso cotidiano escolar, a representar um recurso de atemorização aos estudantes, tendo em vista supostamente levá-los a estudar e aprender. Todos nós, quando estudantes, tivemos medo em relação “às provas e aos exames”.

Nessas ocasiões, como expressão desse temor, tínhamos um suor frio entre nossos dedos ou em nossas axilas. Constantemente, ouvíamos na sala de aula expressões como: “Estudem! As provas vêm aí”. “Se preparem! Verão as questões que estou preparando para vocês responderem”. “Estão brincando?!... Verão no dia das provas...”. “Se preparem, as provas estão próximas”. Expressões que repercutiam --- e certamente ainda repercutem --- em nossos ouvidos, assim como em nossas residências e famílias.

Em texto anterior, no espaço deste blog, sinalizei que, na história da escola no decurso da Modernidade, não se encontra uma só teoria pedagógica que tenha prescrito o uso dos resultados da investigação avaliativa da aprendizagem escolar “exclusivamente” para os atos de aprovar/reprovar os estudantes nas séries da escolaridade organizacionalmente estabelecida, assim como não se encontra uma “teoria pedagógica, filosófica e cientificamente estabelecida,” que tenha proposto o uso das provas e dos exames como recursos importantes para “estimular os estudantes a se dedicarem aos estudos”. Mas, eu e todos os leitores deste texto, ao longo de nossa escolaridade, ouvimos recomendações semelhantes, e, certamente, já as utilizamos também repetindo inconscientemente aquilo que aconteceu com cada um de nós.

Foi o uso dos resultados da investigação avaliativa da aprendizagem exclusivamente para os atos de aprovar/reprovar os estudantes que conduziu ao desaparecimento no cotidiano escolar de sua compreensão como prática investigativa e base para decisões pedagógicas construtivas nos atos de ensinar e aprender, como estava proposto na “Ratio Studiorum” ou nas “Leges Scholae bene ordenate”, publicações já referenciadas em textos anteriores desse blog. Historicamente sobreviveu, de modo predominante, seu uso classificatório-probatório, possibilitando seu uso ameaçador.

A meu ver, nós, educadores escolares, fomos constituídos para o exercício de nossa atividade profissional --- para além de nossas formações acadêmicas --- no seio de práticas comuns cotidianas vivenciadas por todos nós a respeito do aprovar/reprovar. E, à medida que vivenciamos esse contexto, ele se tornou tão comum em nossas vidas de tal forma que nem mesmo nos demos --- ou não nos damos --- conta do significado epistemológico próprio do ato de avaliar. De modo simples e pelo senso comum, aprendemos que provas, exames e notas escolares são da forma que são, sem um aprofundamento conceitual, que sempre se faz necessário em nossas vidas.

Como consequência, o ato de avaliar a aprendizagem dos estudantes, ao longo do tempo, vem sendo praticado independente de sua característica investigativa e subsidiária de novas decisões construtivas, assumindo, dessa forma, uma característica exclusivamente classificatória-probatória. A prática cotidiana da avaliação da aprendizagem em nossas escolas não tem sido a de investigar a qualidade da efetiva aprendizagem dos estudantes em relação àquilo que fora ensinado e da forma que fora ensinado, tendo em vista reorientações, se necessárias.

Cabe, então, nesse contexto, assumir compreender e praticar a avaliação como investigação da qualidade dos resultados do ato pedagógico de ensinar em nossas escolas, cujo resultado deve subsidiar nossas decisões, seja para promover nossos estudantes na escolaridade, seja para reensiná-los, caso essa seja a necessidade, até que efetivamente aprendam e, por isso, se desenvolvam.

Caso se constate, através da avaliação, que a aprendizagem não tenha sido satisfatória, importa decidir por ensinar mais, e mais, nossos estudantes, à medida que o único resultado positivo de nossa ação de educadores escolares é que nossos estudantes efetivamente aprendam aquilo que ensinamos. Em outras profissões, buscar-se-ão outros resultados; na nossa, a aprendizagem de nossos estudantes.

A investigação avaliativa, que, no cotidiano escolar, denominamos de “avaliação”, é nossa parceira a nos avisar que investimos e nossos estudantes aprenderam, ou que investimos e somente parte de nossos estudantes aprenderam, ou que ensinamos e eles ainda não aprenderam.

Se desejamos, pois, que todos nossos estudantes aprendam e se desenvolvam como indivíduos e como cidadãos, a investigação avaliativa é nossa parceira a nos avisar a respeito da qualidade de suas aprendizagens, fator que nos possibilita tomar a decisão de considerar que já atingimos a qualidade desejada em sua aprendizagem ou de considerar que ainda não atingimos a qualidade necessária e, por isso, decidimos investir, mais e mais, para que todos os nossos estudantes possam manifestar ter aprendido satisfatoriamente aquilo que vieram aprender através de nossos atos pedagógicos em sala de aula. Então, poderemos nos dar por satisfeitos com nossa capacidade de ensinar.






Um comentário:

  1. Verdade usando a investigação para avaliar o ato educativo e não aprovar e reprovar conseguiremos excelência em nossa prática.

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