quinta-feira, 16 de julho de 2020

133– AVALIAÇÃO A SERVIÇO DO SUCESSO NA APRENDIZAGEM DOS ESTUDANTES



133 – AVALIAÇÃO A SERVIÇO DO SUCESSO NA APRENDIZAGEM DOS ESTUDANTES
Cipriano Luckesi



O modelo de escola com ensino coletivo e simultâneo tem uma história de quase cinco séculos, de meados do século XVI aos nossos dias, e, durante esse período, de modo intermitente, variadas propostas pedagógicas sinalizaram a importância de cuidados a favor da aprendizagem satisfatória por parte de todos os estudantes.

No espaço desses quase quinhentos anos de História, naquilo que se refere à avaliação da aprendizagem, os exames escolares aparecem exclusivamente no seio de duas propostas pedagógicas, situadas no início desse longo período de tempo, sendo importante sinalizar que sua prática estava posta “para além” dos cuidados com a aprendizagem satisfatória por parte de todos os estudantes no decurso do ano letivo, estava posta ao seu final, como veremos a seguir.

A primeira dessas propostas foi a jesuítica, portanto, de vertente católica, cuja sistematização fora tornada pública em 1599, através do documento “Ratio atque institutio studiorum Societatis Jesus” (Ordenamento e institucionalização dos estudos na Sociedade de Jesus), usualmente conhecido por “Ratio Studiorum”.

E, a outra, a proposta de vertente protestante, que fora partilhada publicamente, de modo especial, pelas obras de John Amós Comênio, um bispo tcheco da Ordem dos Irmãos Morávios, sendo uma delas a “Didática magna”, cuja primeira versão é de 1632, na Língua Tcheca, vertida para a Língua Latina pelo próprio autor e publicada em 1657, e a outra denominada “Leis para a boa ordenação da escola”, datada de 1653. Esta última obra está constituída por uma normatização da educação escolar, através de prescrições sob a forma de itens, semelhante à forma de redação da “Ratio Studiorum”.

Os interessados em manusear e estudar esses documentos poderão, de um lado, servir-se da obra “O método pedagógico dos jesuítas --- O Ratio Studiorum: introdução e tradução”, da autoria do padre Leonel Franca,  Rio de Janeiro, Editora Agir, 1952, onde se encontra o texto do documento original traduzido do Latim para o Português  pelo autor dessa publicação; e, de outro lado, servir -se da obra “Leges scholae bene ordinatae”, relativa às prescrições para a organização escolar no seio da comunidade protestante, com tradução do Latim para o Italiano, realizada por Giuliana Limiti, sob o título de “Norme per un buon ordinamento delle scuole”, publicado em “Studi e Testi Comeniani”, Roma, Edizione dell’Ateneo, 1965, p. 47-107.


Na “Ratio Studiorum”, no que se refere ao ensino nas denominadas Classes de Estudos Inferiores, equivalentes ao hoje Ensino Fundamental no Brasil, os exames estavam prescritos para serem realizados “por uma única vez” no decurso do ano letivo, ao seu final.


Para o acompanhamento dos estudantes no decurso dos meses do ano letivo, havia a “Pauta do Professor”, uma Caderneta, contendo o nome de cada um dos estudantes da turma de alunos, na qual o professor deveria fazer anotações relativas às aprendizagens e condutas de cada estudante, assim como em relação aos seus progressos; anotações que, por sua vez, seriam obrigatoriamente utilizadas pela Banca de Exames, ao final do ano letivo, por ocasião dos exames escritos e orais. A Pauta do Professor era o recurso de acompanhamento e de registro da vida de cada estudante no decurso dos dias do ano letivo.


Nas obras de Comênio, que tratam da vida escolar, em especial na  Leges scholae bene ordinatae” (Leis para a boa ordenação da escola), está definido que, na escola, haveriam exames ao final de cada aula, ao final de cada dia de aula, ao final de cada semana, de cada quinzena, de cada mês, no meio e ao final do ano letivo.


Contudo, vale sinalizar que Comênio, nessa prescritiva constante de exames, entendia que haveria que ocorrer uma intermitência no seu uso tendo em vista sinalizar para os estudantes a necessidade e importância de estudar e aprender constantemente, afinal, no decurso de todas as aulas. Frente a essa recomendação, somente os exames semestrais e anuais seriam utilizados como base para as decisões de aprovação/reprovação dos estudantes em suas aprendizagens. Os exames diários, semanais, quinzenais, mensais tinham a função sinalizar para os estudantes a necessidade da atenção e dos cuidados necessários com os estudos e consequentes aprendizagens.


A “Didática magna”, por sua vez, é uma obra voltada mais para temas pedagógicos gerais, ainda que eventualmente faça referência à questão dos exames escolares.


Outros autores, ao longo da História Moderna, para além dos séculos XVI e XVII, como Johann Friedrich Herbart, final do século XVIII e início do XIX; Maria Montessori e John Dewey, final do século XIX e primeira metade do século XX;  Ralph Tyler, Benjamin Bloom, Norman Gronlund, segunda metade do século XX; todos propõem que os atos avaliativos da aprendizagem na escola sejam recursos utilizados para diagnosticar e tomar decisões a respeito do desempenho dos estudantes em seus estudos, tendo em vista a busca do seu sucesso e não como recurso de aprovação/reprovação nos anos de escolaridade.


Importa registrar que, em nossas escolas, no seu cotidiano, os exames escolares, quando praticados ao longo do ano letivo, recebem a denominação de provas --- como ocorre nas expressões: “provas semanais”, “provas mensais”, “bimensais” ... --- permanecendo a denominação de “exames” para sua prática ao final do ano letivo.


Frente aos registros anteriores, qual a origem da prática com a qual nos deparamos hoje em nossas escolas relativa ao uso permanente e sucessivo das provas e dos exames na vida escolar, tanto no decurso dos meses, como ao final do ano letivo?


Não tenho referência, por mais que tenha procurado, de quando e como se tomou a decisão do uso dos resultados das provas e dos exames de modo exclusivo para a arpovação/reprovação dos estuidantes escolares; evidentemente, se é que essa foi uma decisão tomada em um determinado momento no tempo. Parece ter sido uma prática que se tornou habitual, sem um marco temporal específico para seu início. Contudo, caso algum leitor tenha informação relativa “ao momento histórico em que passamos ao uso quase que exclusivo das provas e exames”, ficaria agradecido por essa informação.


O fato é que esse modo de agir com a prática das provas e dos exames, de modo quase que exclusivo em nossas escolas, emerge no decurso da sociedade moderna --- na qual, socialmente, os cidadãos estão classificados em classe alta, classe média e classe baixa, sendo que as grandes massas populacionais se encontram classificadas na classe baixa ---, repetindo o modelo das classes sociais, ou seja, poucos aprovados e muitos reprovados, o que significa poucos incluídos e muitos excluídos.


Nesse contexto, a universalização dos exames, também denominados de provas no decurso do ano letivo, parece ser uma prática instituída ao longo do tempo no seio do modelo social moderno no qual vivemos, sem um ponto específico no tempo, no qual teria sido tomada a decisão de agir segundo essa modalidade de conduta.


Provas e exames escolares, estatisticamente no Brasil, estão na base de uma larga exclusão social de estudantes via a escola, através de múltiplas e sucessivas reprovações, justificadas pelas baixas notas escolares obtidas no decurso do ano letivo. Evidentemente, uma larga exclusão social daqueles que tiveram a possibilidade de ingressar em nossas escolas, à medida que existe um quantitativo de crianças e adolescentes que nem mesmo tiveram ou têm acesso à escolaridade em nosso país.


Estatisticamente, de cada 100 crianças que ingressam na primeira série do Ensino Fundamental, em nosso país, 16 anos depois --- tendo passado pelas séries do Ensino Fundamental, pelos anos de escolaridade do Ensino Médio e pelos anos de estudos universitários --- em média, aproximadamente, 20 estudantes, ou menos que isso, obtém um diploma universitário, fator que representa uma devastadora exclusão social via a escola.


Então, se desejamos investir em um modo social inclusivo em nosso meio social com as contribuições da escola, importa que nós educadores escolares --- do Ensino Fundamental à Universidade ---, cuidemos da efetiva aprendizagem e consequente desenvolvimento de nossos estudantes.


Nesse contexto, a avaliação será a parceira de todos e de cada um de nós “a nos avisar” se nossas atividades de ensino estão produzindo os resultados desejados junto aos estudantes com os quais trabalhamos pedagogicamente, ou não. E, ter ciência daquilo que ocorre na realidade, em termos de sua qualidade, permite decidir, sendo necessário, a investir mais e mais na busca dos resultados desejados No caso do ensino, investir mais e mais em nossos estudantes para que efetivamente aprendam e se integrem na vida social com a melhor qualidade possível.


Em síntese a avaliação não deve estar posta, de modo autônomo, para aprovar/reprovar estudantes em nossas escolas, do Ensino Fundamental à Universidade, mas sim como nossa auxiliar --- nossa parceira --- a nos avisar se os estudantes, aos quais dedicamos nossos atos de ensinar, já atingiram o nível desejado de aprendizagem ou a nos avisar que eles “ainda não atingiram esse nível”, razão pela qual importa escolher investir mais, e mais, em sua aprendizagem, na busca da satisfatoriedade por parte de “todos” os estudantes que se encontram sob nossa responsabilidade.


No país, da pré-escola à Pós-graduação, somos aproximadamente dois milhões e quatrocentos mil educadores atuando em nossas escolas, da creche à universidade. Temos um poder em mãos que necessitamos reconhecer e utilizar em função da qualificação de todos, como seres humanos e como cidadãos, tendo em vista uma vida social saudável para todos.


A avaliação da aprendizagem, por si, não resolve essa ou qualquer outra questão pedagógica ou social, mas ela --- se praticada de modo adequado --- é a parceira a nos avisar a respeito do sucesso ou do insucesso de nossa atividade profissional, que está vinculada à aprendizagem e ao desenvolvimento de nossos estudantes.


Não é o ato avaliativo, que, por si, decide sobre a vida dos estudantes, mas sim nós os educadores, gestores de nossas salas de aula, que decidimos investir mais ou investir menos em suas aprendizagens. A aprendizagem é um fator essencial para desenvolvimento de cada um, assim como para sua integração social como cidadão.


A história nos convida a agir a favor da aprendizagem e a favor da consequente cidadania para todos que vivem nesse imenso país e a avaliação, no âmbito escolar, é a parceira a nos sinalizar --- a nós educadores escolares --- se estamos conseguindo contribuir para esse objetivo ou se importa investir mais e mais para que todos nossos estudantes aprendam, se desenvolvam e adquiram recursos formativos tendo em vista uma vida saudável para si mesmos e para todos.






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