domingo, 12 de julho de 2020

132 -- AVALIAR COMO UM DOS TRÊS ATOS UNIVERSAIS PRATICADOS PELO SER HUMANO


132 - AVALIAR COMO UM DOS TRÊS ATOS UNIVERSAIS PRATICADOS PELO SER HUMANO
Cipriano Luckesi





Josef-Léon Cardijn, fundador, em 1923, na Bélgica, da organização católica Juventude Operária Católica (JOC), estabeleceu como seu slogan “Ver, julgar e agir”. Esses três verbos representam os três atos universais que todo ser humano pratica cotidianamente, 24 horas por dia: “conhecer fatos e seu funcionamento”, “conhecer valores” e “agir”.

(01) “Ver” significa conhecer o que é a realidade e como ela funciona; (02) “julgar” significa investigar e reconhecer qual a qualidade da realidade; e (03) “agir”, significa, com base no conhecimento do que é e como funciona a realidade, assim como de sua qualidade, tomar decisões e agir.

Pois bem, o “ver” está comprometido com o conhecimento da realidade, estudando o que ela é, e seu funcionamento, seja pelo senso comum, seja pela ciência. Já  o ato de avaliar é o ato de investigar a qualidade da realidade, que traduz o ato de “julgar” do slogan da JOC, que, por sua vez, subsidia o “ato de tomar decisões e agir”. Desse modo, o ato de avaliar se realiza exclusivamente como um ato de investigar e revelar a qualidade da realidade. O “agir” pertence ao gestor da ação que, com base no conhecimento da qualidade da realidade, “toma decisões a respeito do que fazer, propriamente do agir”.

Tomando essa compreensão a respeito do ato de "investigar a qualidade" da realidade (avaliação) e, com base nos seus resultados investigativos, a consequente "tomada de decisões" (agir), facilmente chegamos à compreensão de que quem toma decisão não é o avaliador, mas sim o gestor da ação. A investigação avaliativa encerra sua ação no momento que revela a qualidade da realidade. E o uso dos resultados dessa investigação pertence ao âmbito de decisão do seu gestor.

Transpondo essa compreensão para as atividades de ensino-aprendizagem na escola e na sala de aula, onde múltiplos atos avaliativos ocorrem, importa que, no cotidiano, consigamos em nossas ações ter presente que esses dois atos --- avaliar e tomar decisão --- pertencem a dois diferentes personagens, ainda que praticados pela mesma pessoa. Um ato pertence ao avaliador --- investigar a qualidade da realidade --- e o outro ao gestor da ação --- tomar decisão.

O professor/a em sala de aula exerce os dois papéis: de gestor/a e de avaliador/a. Gestor/a da sala de aula, desde que responsável por "administrar" tudo o que ocorre nesse espaço pedagógico, mas ao mesmo tempo "avaliador/a", desde que o ato de avaliar pertence ao modo de ser de cada um de nós nas 24 horas do dia, como também em nossas ações profissionais. Avaliar e gerir são dois atos diferentes do mesmo personagem, que, no caso da sala de aula é o professor/a.

Na história da educação escolar, do século XVI para cá, vagarosamente o ato de avaliar, que ao longo desses anos se denominou “examinar”, deixou de ser um ato subsidiário dos atos de ensinar-aprender, como, de forma epistemologicamente adequada, se encontra exposto nos documentos pedagógicos dos séculos XVI e XVII, para ser exclusivamente um ato de aprovar/reprovar os estudantes.

Na “Ratio Studiorum”, documento de 1599, que ordenou a Pedagogia Jesuítica, havia a obrigação do uso da “Pauta do Professor”, uma caderneta na qual o professor deveria registrar diariamente, no decurso do ano letivo inteiro, a vida escolar de cada estudante. Esse era o recurso de “acompanhamento do estudante durante o ano letivo”. Os exames ocorriam por uma única, ao final do ano letivo, que, na Europa, ocorria antes das férias da Páscoa. Já John Amós Comênio --- em sua obra “Diática Magna”, publicada na língua tcheca em 1627, conhecida como “Didática Tcheca”, e traduzida para o latim pelo próprio autor. em 1657, sob o título “Didática Magna” --- propôs os exames escolares, que com mais especificação, foram configurados na obra “Leis para a boa ordenação da escola”, de 1653.

No caso, os exames escolares, na proposta comeniana, mais que uma forma de aprovar/reprovar, eram recursos a serem utilizados para estimular os estudantes a se dedicarem aos estudos e à aprendizagem. Propôs exames a serem praticados ao final de cada aula, ao final de cada dia letivo, ao final de cada semana. aos sábados (daí a denominação conhecida de todos nós, “sabatina”), de cada quinzena, de cada mês, de semestre em semestre e ao final do ano letivo. De fato, para a aprovação/reprovação subsidiavam os exames semestrais e anuais, os outros tinham como destino manter os estudantes atentos às suas aprendizagens.

O modelo do uso de exames com destino exclusivo à aprovação/reprovação dos estudantes em nossas escolas foi sendo constituído ao longo do tempo nos variados sistemas escolares, chegando a nós, seja como estudantes (que fomos), seja como professores (que somos).

Se efetivamente desejamos auxiliar “todos os nossos estudantes” a atingirem a maestria nas aprendizagens dos conteúdos com os quais trabalhamos no ensino, importa tomar um novo caminho --- diverso dos exames escolares conhecidos de nós todos --- vinculado ao conceito epistemológico do ato de avaliar, que é “subsidiar a busca do melhor resultado decorrente de nossa ação”.

É dessa forma que agimos no dia a dia. Sempre buscamos resultados positivos em nossas ações. Por que não na sala de aula? Católicos e protestantes dos séculos XVI/XVII investiram nisso. Qual a razão para não retomarmos a meta do sucesso da aprendizagem de “todos os nossos estudantes”?

O investimento nessa meta será saudável para todos para todos os nossos estudantes, nós como profissionais da educação institucional, assim como para a sociedade como um todo.

Se dessa forma agirmos, estaremos fazendo jus à epistemologia do ato de avaliar, que é subsidiar decisões adequadas tendo em vista a obtenção de resultados satisfatórios desejados decorrentes de nossas ações.








3 comentários:

  1. Prof.Luckesi, agradeço as referências partilhadas no qual me debruçarei com mais afinco. Gratidão mestre!

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  2. Obrigada, professor LUCKESI. Gratidão por compartilhar com os demais profissionais da educação, uma nova maneira de pensar no ato de avaliar. 👏👏👏👏👏👏👏

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  3. Também agradeço por tornar esse ato.

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