Cipriano Luckesi
ccluckesi@gmail.com
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O ato de conhecer reflexivo é próprio do ser humano. Por essa
característica, ele conhece, e, sabe que conhece (reflete = dobra-se sobre si
mesmo); fator que lhe permite ter consciência do seu conhecimento, das suas
possibilidades e dos seus limites. Nosso conhecimento é funcional e, desse
modo, nos permite uma relação eficiente com tudo o que nos cerca.
Depois de obtido, o conhecimento permite nos relacionarmos com tudo
aquilo que está a nossa volta, a fim de que possamos administrar a vida de modo
eficiente. O conhecimento factual elucida a realidade, o que quer dizer que
“traz luz à realidade” (termo originado do latim e-lucere = trazer a luz), isto é, permite compreendê-la e, por
isso, agir de modo eficiente com ela. A atividade cognitiva factual busca
compreender “o que é” e “como funciona” a realidade.
Vale observar que “a relação eficiente com tudo aquilo que nos cerca”
não significa, por si, uma relação ao mesmo tempo ética, significa simplesmente
uma relação de eficiência. A relação ética depende de um fator a mais, para
além do conhecimento factual da realidade. Ela implica em uma escolha, com base
em valores, fator que está comprometido com o fato de que o ser humano, afetiva
e eticamente, se relaciona com o mundo pela “não indiferença”, isto é, tomando
posição segundo uma escala de valores que varia entre o positivo e o negativo.
O modo ético de agir depende da aprendizagem de valores, que são
circunstanciais e dependentes das escolhas humanas, assim como das relações
entre seres humanos.
Necessitamos dos dois âmbitos de conhecimento a fim de manter uma vida
saudável em relação a nós mesmos, aos outros e ao ambiente que nos envolve.
Todavia, neste texto, desejo ater-me a questão da funcionalidade do
conhecimento, tendo em vista sinalizar a questão do ensino e da avaliação da
aprendizagem.
A funcionalidade do conhecimento é constitutiva do ser humano, própria
do modelo homo sapiens, ao qual
pertencemos há milhões de anos. Adquirimos conhecimentos pela aprendizagem como
um recurso que a natureza nos forneceu para administrarmos a vida em todas as
nossas relações, desde que somos um “ser de relações”, como definiu o Prof.
Paulo Freire. Sem o conhecimento, como compreensão da realidade, agiríamos às
escuras, na ignorância ou instintivamente, como acontece com outros seres vivos.
A escola nasceu no contexto da necessidade do ser humano aprender sistematicamente.
Espontaneamente, aprendemos na relação direta e imediata com o mundo
circundante e suas manifestações. Porém, para além do espontâneo, há uma
aprendizagem intencional, desejada, buscada, que ocorre através das heranças
dos conhecimentos adquiridos, acumulados e transferidos de geração em geração,
ao longo do tempo. No que se refere à aprendizagem, sempre somos herdeiros de
nossos ancestrais. Ao lado de aprendermos diretamente com os desafios que o
mundo nos impõe, aprendemos indiretamente a partir dos conhecimentos que foram sendo
acumulados ao longo do tempo e nos foram, e nos são, transmitidos por variados
meios de comunicação, tais como oral, escrito, pictórico, cinematográfico...
Tanto os conhecimentos adquiridos diretamente pela relação com o mundo,
como os conhecimentos adquiridos de modo indireto através das leituras, dos
meios de comunicação, do ensino..., desde que apropriados por cada um de nós,
tem uma funcionalidade em nossas vidas. Eles nos guiam em nossas decisões,
condutas e ações. A meu ver, deveriam ser ensinados e aprendidos por essa
razão. Todavia, em nossas escolas, nossos estudantes têm sido levados a
aprender --- adquirir conhecimentos --- mais pela pressão da autoridade
pedagógica que pela sua qualidade funcional.
Quem de nós, quando estudantes, não ouviu frases iguais ou semelhantes
às que se seguem? “Preparem-se, estamos próximos das provas!” “Vocês não têm
estudado. Verão o que acontecerá com vocês no dia da prova.” “Já preparei
ótimas questões para as provas; vocês verão no dia.” “Vocês estão brincado;
verão o que acontecerá no dia das provas.” Todos nós, no decurso de nossa escolaridade,
ouvimos frases equivalentes a essas. Pior, quantos de nós já repetimos
expressões semelhantes diante de nossos estudantes em sala de aula,
reproduzindo aquilo que aconteceu conosco?
Nesse contexto de imposição pedagógica, a razão para aprender não está
no fato de que a posse do conhecimento tem uma funcionalidade essencial na vida
de cada um e de todos nós. Então, didaticamente, que tal, ao invés de
ameaçarmos nossos estudantes, convidá-los e orientá-los a aprender em razão do
fato de que o conhecimento é a base de nossa ação no cotidiano? Todos nós,
afinal, agimos --- de modo eficiente --- no limite de nossos conhecimentos e
habilidades. Nossos estudantes também. Então, importa conduzi-los a aprender
pela qualidade funcional do conhecimento e não pela ameaça da reprovação como
uma forma de castigo.
O ensino da adição ou da subtração, em matemática, como de todos os
outros conteúdos cognitivos --- que atravessam a escolaridade da educação infantil à pós-graduação --- têm sua funcionalidade
nos procedimentos de compreensão do mundo, assim como no agir junto a esse mesmo mundo. Então, qual a razão
para não convidar nossos estudantes a aprender pela beleza da compreensão
da vida e do mundo, ao invés de acreditar que é, e será, a ameaça e o medo que
farão com que eles aprendam.
Cada um de nós poderá olhar para o passado pessoal de aprendizagens
escolares, e, facilmente, constataremos que “fomos obrigados a aprender” muito
mais pelo medo da reprovação que pela qualidade funcional do conhecimento que
nos guia em nossas ações.
O convite deste texto é para que, em nossas práticas docentes, sejamos
parceiros de nossos estudantes, ensinando-os pacientemente, a fim de que
compreendam o mundo, assim como construam habilidades pessoais que lhes
permitam agir de forma adequada e eficiente.
Os conhecimentos não têm a finalidade de garantir, em primeiro lugar, respostas adequadas nos testes e provas escolares. Eles têm a função de “e-lucidar” a realidade e nos permitir agir de modo eficiente. Essa é a razão pela qual a humanidade inventou a escola como espaço intencional do ensino e da aprendizagem para as novas gerações.
Os conhecimentos não têm a finalidade de garantir, em primeiro lugar, respostas adequadas nos testes e provas escolares. Eles têm a função de “e-lucidar” a realidade e nos permitir agir de modo eficiente. Essa é a razão pela qual a humanidade inventou a escola como espaço intencional do ensino e da aprendizagem para as novas gerações.
Os testes e as provas existem exclusivamente para subsidiar o educador em sua tarefa pedagógica de “diagnosticar” se seu estudante aprendeu, ou não, aquilo que lhe fora ensinado.
Caso se diagnostique que aprendeu, ótimo. Caso se diagnostique que não tenha
aprendido, importa ensinar de novo, e de novo, e de novo... até que aprenda,
desde que a posse do conhecimento é um guia necessário para a vida eficiente e saudável. Mais --- todos podem aprender tudo o que ensinamos, desde que chegaram ao mundo com
recursos para aprender. Parra tanto, importa o uso dos currículos, dos planos de ensino e de metodologias adequadas.
O exercício do ato de ensinar está comprometido com o fato de que o
estudante pode e necessita aprender aquilo que se refere ao seu estar no mundo e às possibilidades do
seu agir. E, no caso, o ato de avaliar a qualidade da aprendizagem do estudante, por si,
nasce comprometido com o fato de que o educador, exclusivamente olhando para o estudante, não
terá como ter ciência do que se passa dentro dele em decorrência do ensino; pelo exclusivo recurso da observação passiva, nunca terá ciência se aprendeu, ou não, aquilo que ensinara.
Então, a única forma de saber se um estudante aprendeu aquilo que
ensinamos é perguntar-lhe se adquiriu as compreensões e habilidades que
propusemos com base no currículo escolar assumido como válido. Importa, pois, que o estudante revele (expresse) aquilo que se passa em sua subjetividade em termos de compreensões e habilidades adquiridas.
Caso sua resposta pessoal seja "de que aprendeu aquilo que lhe fora ensinado", importa que demonstre que
aprendeu, seja através de uma descritiva, de um raciocínio lógico, seja através da
solução de um problema, seja através de um desempenho qualquer, desde que,
frente a nossa incapacidade de penetrar em sua subjetividade, importa que,
através de seus atos, revele sua aprendizagem.
A função de praticar atos de "investigação avaliativa" não tem, em
primeiro lugar, a função de aprovar ou reprovar um estudante ou atribuir-lhe notas. Tem, sim, a função de subsidiar novas decisões do educador na perspectiva de obter o melhor resultado
decorrente de sua ação pedagógica.
A função da avaliação da aprendizagem é revelar se o estudante aprendeu, ou não, aquilo que fora ensinado. Se sim, ótimo; caso, contrário, ensinar de novo até que a aprendizagem se faça. Então, à medida que todos aprenderam com nosso ensino, todos serão aprovados.
A função da avaliação da aprendizagem é revelar se o estudante aprendeu, ou não, aquilo que fora ensinado. Se sim, ótimo; caso, contrário, ensinar de novo até que a aprendizagem se faça. Então, à medida que todos aprenderam com nosso ensino, todos serão aprovados.
Por si, essa compreensão expressa uma lógica simples, porém, a pratica escolar cotidiana tem
revelado dificuldades para praticá-la em função da história do exercício
pedagógico em nossa sociedade, que assumiu uma característica excludente,
marcando inclusive nossas biografias pessoais. Afinal, no de curso de nossa escolaridade, todos fomos marcados por
experiências excludentes, que, agora, no lugar de profissionais da educação escolar, repetimos
aquilo que ocorreu com cada um de nós, ou seja, fomos castigados, inconscientemente
castigamos; fomos reprovados, inconscientemente reprovamos; fomos ameaçados como
recurso para a aprendizagem, agimos de forma semelhante, repetindo o que
ocorreu conosco.
No lugar de professor, professora, importa saudavelmente olhar para o nosso passado de estudantes e aprender a nos conduzir de modo mais saudável na relação com nossos
estudantes, integrando e ultrapassando aquilo que ocorreu com cada um de nós. Podemos aprender a agir de modo diverso, a partir das dores que vivenciamos.
Os estudantes vieram para a escola para aprender e nós --- professores e adultos da relação pedagógica --- vamos para a escola para ensiná-los até que aprendam aquilo que é necessário que aprendam, segundo o currículo que assumimos para orientar nossa ação pedagógica.
Os estudantes vieram para a escola para aprender e nós --- professores e adultos da relação pedagógica --- vamos para a escola para ensiná-los até que aprendam aquilo que é necessário que aprendam, segundo o currículo que assumimos para orientar nossa ação pedagógica.
Nossa meta como educadores escolares é: liderar nossos estudantes para
que aprendam aquilo que ensinamos, devido ao fato de que os conhecimentos
adquiridos têm um sentido funcional em suas vidas, como na vida de todos, à
medida que subsidiam um agir eficiente e saudável.
Os testes? Esses servirão somente para que os estudantes nos revelem se
aprenderam, ou não, aquilo que ensinamos. Não tem a função de submetê-los a
ameaças, obrigando-os a aprender. Nossa liderança criativa --- se dessa forma for
utilizada --- deverá ser suficiente para estimulá-los e conduzi-los a aprender,
com alegria e prazer. Se nossos olhos brilharem enquanto ensinamos, os olhos dos nossos estudantes brilharão frente a beleza e a alegria de aprender.
Será sempre prazeroso ter, através do conhecimento, o domínio sobre
aquilo que nos cerca, à medida que esse domínio nos possibilita a compreensão do mundo que nos envolve, assim como nos subsidia (oferece suporte) em nossas decisões na busca da eficiência em nossa
ação; afinal, o sucesso no agir.
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