terça-feira, 17 de maio de 2016

105 - AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM: SENSO COMUM E SENSO CRÍTICO


Cipriano Luckesi
Contato --- ccluckesi@gmail.com


01. O SENSO COMUM: o que “parece” ser o ato de avaliar


Ao usar a expressão “avaliação da aprendizagem”, pelo senso comum que construímos a respeito dessa atividade pedagógica no seio da escola, de imediato, emerge em nossas mentes: “provas”, “testes”, “notas”, “média de notas”, “aprovação”, “reprovação”, que “estudantes já não estudam mais como antigamente”, “no meu tempo, que era difícil, agora....” e, por aí se vai. Nossa mente está eivada dessas expressões que salta à nossa frente quando utilizamos ou ouvimos a referida expressão.


02. O SENSO CRÍTICO: o que “é” o ato de avaliar


Todavia, nenhuma dessas expressões tem a ver, direta e essencialmente, com avaliação da aprendizagem. Essas imagens que nos vem à mente, quando ouvimos, lemos ou utilizamos a expressão “avaliação da aprendizagem”, podem ter, e certamente tem, alguma relação com avaliação da aprendizagem, mas não a define nem a configura em seu papel válido e necessário nos procedimentos avaliativos do desempenho do estudante.

As imagens e ideias, acima citadas, sobre avaliação da aprendizagem emergem intempestivamente em nossa consciência, como se fossem a última expressão de validade no que se refere ao ato pedagógico de avaliar o desempenho dos estudantes em sua aprendizagem. No entanto, toda a fenomenologia, atrelada a essas expressões, não expressam, de forma alguma, o conceito epistemológico e válido do que é avaliar.

Elas são expressões que, ao longo do tempo --- pelo menos com a duração dos cinco séculos de existência da educação escolar, como a conhecemos hoje --- ganharam foros de validade e, por isso, de expressão do que praticamos ou do que devemos praticar na condição de educadores escolares.

Avaliar significa tão somente “investigar a qualidade da realidade”. A ciência, como investigação, busca revelar “como a realidade funciona”; a avaliação, também como investigação, busca revelar a “qualidade da realidade”. Ambas necessitam de dados descritivos da realidade, que garantam a validade e a sustentação de suas revelações, assim como ambas fazem uma leitura da realidade, uma sob o foco do seu funcionamento e a outra sob o foco de sua qualidade.

Em nenhuma dessas atividades investigativas, a opinião emocional e valorativa pode garantir a efetiva validade de sua revelação. Como ambas são investigações, elas sustentam-se em dados que descrevam, seja o funcionamento da realidade (ciência), seja a base para que se possa atribuir qualidade à realidade (avaliação); ambas, pois, assentadas sobre as características da própria realidade.

Os resultados da ciência subsidiam as proposições e encaminhamentos de tecnologias que possam garantir melhores, mais adequadas e mais saudáveis formas de cuidar da vida. Os resultados da investigação avaliativa, por sua vez, subsidiam novas e mais adequadas decisões tendo em vista conquistar resultados satisfatórios em decorrência dos investimentos da ação humana.

O ato de avaliar é, desse modo, um ato de diagnosticar a realidade, do ponto de vista qualitativo, e, dessa forma, subsidiar novas e adequadas decisões, tendo em vista atingir resultados necessários e desejados.

Aplicando essa compreensão à avaliação da aprendizagem, pode-se facilmente compreender o ato de avaliar a aprendizagem dos estudantes, para ser efetivamente avaliação, deve estar comprometida com (01) dados da realidade e, em segundo lugar, como investiga a qualidade da realidade, (02) necessita proceder uma comparação da realidade descrita com um critério de qualidade, considerado como válido, no contexto do fenômeno em torno do qual está ocorrendo a avaliação.

No caso do ensino-aprendizagem na escola, esse critério de qualidade está configurado no currículo escolar, no projeto pedagógico da escola, assim como no plano de aula do professor. Eles determinam o que e como ensinar, a fim de que a aprendizagem se dê de modo satisfatório.

De fato, do ponto de vista da avaliação da aprendizagem, um educador escolar necessita diagnosticar (= conhecer através de dados) se o seu educando aprendeu aquilo que devia aprender e com que qualidade; informação que só o ato avaliativo pode oferecer. Com esse dado em mãos, pode tomar decisões do que fazer: (01) em caso de identificar o não atendimento dos objetivos desejados, retomar o ensino de um conteúdo até que todos os estudantes manifestem ter aprendido (= não se esquecer que o objetivo da escola é ensinar para que “todos” aprendam); (02) prosseguir, mesmo que os estudantes não tenham aprendido (= abrindo mão do objetivo da escola, baseada no “ensino simultâneo” de que todos aprendam o necessário). Não é a avaliação que decide; quem decide é o educador que avalia. A avaliação somente subsidia sua decisão.

Sem essa compreensão crítica, consistente, o entendimento da avaliação retorna ao senso comum, tratando a avaliação com base em informações paralelas, que efetivamente, em essência, não tratam da avaliação da aprendizagem.



03. COMO AS EXPRESSÕES DO SENSO COMUM PODEM SER COMPREENDIDAS PELO SENSO CRÍTICO



Retomemos as expressões citadas no início deste texto frente à compreensão epistemologicamente válida do ato de avaliar: “provas”, “testes”, “notas”, “média de notas”, “aprovação”, “reprovação”, que “estudantes já não estudam mais como antigamente”, “no meu tempo, que era difícil, agora....”


PROVAS é uma denominação usada comumente, através do tempo, chegando hoje a ser confundida com o ato de avaliar na vida escolar, mesmo porque a ideia de avaliação emergiu nos anos 1930, com Ralph Tyler, nos Estados Unidos e a ideia de provas emergiu já a partir do século XVI, com as denominadas pedagogias tradicionais.

De fato, as “provas” são somente um recurso de “coleta de dados” sobre desempenho do estudante, se elaboradas e utilizadas com essa intenção.

No contexto desse entendimento crítico, as “provas” perderão a conotação comum e presente no cotidiano da vida escolar de que elas avaliam; e, então, se o desejarmos, poderemos continuar a nos servir dessa denominação, porém cientes de as “provas” compõem exclusivamente um recurso técnico de coleta de dados sobre o desempenho do estudante, tendo em vista subsidiar a prática da avaliação, que é a “qualificação da realidade”, com base nesses dados coletados e comparados a um padrão desejado de desempenho.


 TESTES, por si, não expressam o ato de avaliar. Simplesmente são recursos técnicos de coleta de dados, com a mesma função indicada no item anterior para as provas. Os dados coletados sobre o desempenho dos estudantes pelos testes subsidiam o ato avaliativo, que é a atribuição de qualidade à realidade, com base em suas características de realidade.


NOTAS não são dados reais a respeito do desempenho conquistado pelos estudantes, como assumidas pelo senso comum. Elas expressam formas de “registros” da qualidade do desempenho do estudante. As notas “representam simbolicamente o testemunho dos educadores de que eles ensinaram e os estudantes aprenderam aquilo que deveriam aprender”.

Nota 10 (dez) não representa uma quantidade 10 de conhecimentos; simplesmente representa que o estudante “aprendeu brilhantemente” aquilo que lhe fora ensinado; nota 8 (oito) pode, por exemplo, representar a qualidade do estudante que aprendeu o necessário que deveria aprender. Os registros dependem de convenções assumidas como expressão de alguma coisa. No caso, elas “representam” a qualidade; contudo não são a qualidade da realidade.


MÉDIA DE NOTAS. Notas escolares representam a “qualidade” e não a “quantidade” das aprendizagens por parte dos estudantes. As médias entre notas escolares expressam uma distorção epistemológica, ou seja, não cabe proceder média entre notas escolares, desde que elas não expressam a “quantidade” da realidade da aprendizagem dos estudantes, mas sim sua “qualidade”.

Tendo em vista perceber claramente essa distorção, basta uma simulação. Vamos supor que a um estudante, matriculado nas séries iniciais do Ensino fundamental, foi ensinado o “raciocínio e as práticas aditivas” e ele obteve a nota 10 (dez) no conteúdo “adição” com base em seu desempenho, desde que aprendeu brilhantemente a adicionar; contudo na aprendizagem da “subtração”, ele teve um desempenho insatisfatório e obteve a nota 2 (dois).

Na média (10+2 = 12 e 12/2 = 6), ele está aprovado, desde que sua “média” é superior à nota 5 (cinco), usualmente assumida em nossas escolas como padrão de promoção. Todavia, a “média de notas”, do ponto de vista da “realidade da aprendizagem” não representa aquilo que efetivamente o estudante aprendeu. Na situação citada, ele só aprendeu adição, não aprendeu subtração, mas está aprovado “tanto em adição como em subtração”, com base na média de notas. As notas simplesmente são símbolos numéricos que registram a qualidade da aprendizagem dos estudantes, por isso, não comportam médias. Ainda que histórica e praticamente sejam utilizadas no cotidiano escolar, são indevidas.

Se alguém estiver interessado na compreensão epistemológica das notas, assim como de suas distorções, poderá consultar o livro que publiquei sobre essa temática, que se intitula “Sobres notas escolares: distúrbios e possibilidades”, Cortez Editora, São Paulo.


APROVAÇÃO/REPROVAÇÃO. Os conceitos de aprovação/reprovação implicam que existe um “sujeito” (no caso, o educador, a educadora) que, com base nos dados coletados sobre o desempenho dos estudantes e da qualificação de seus desempenhos, toma a decisão de promovê-los de uma série para a outra. Não são os atos praticados no processo avaliativo que aprovam ou reprovam, mas sim o educador ou a educadora que, com base nos dados da realidade de sua aprendizagem, decide aprova-los ou reprova-los.

Por muitas vezes, os educadores assumem que são os recursos da prática avaliativa que aprovam/reprovam os estudantes. De fato, a decisão de promoção, ou não, de um ou de vários estudantes decorre do educador/a. No caso, os recursos subsidiam a decisão; contudo, a decisão é do sujeito que educa.

Vale ainda observar que nós educadores deveríamos investir em nossos educandos até que eles manifestem as qualidades necessárias da aprendizagem nos conteúdos que ensinamos (conhecimentos, habilidades e atitudes). Dessa forma, todos seriam promovidos, característica própria do ensino simultâneo (todos aprendem), assim como dos desejos filosóficos da educação escolar a serviço da equalização social, ou seja, se todos aprendem igualmente o necessário, todos têm condições de buscar o seu lugar ao sol. Nesse caso, o registro do testemunho do educador que ele ensinou e todos aprenderam aquilo que deveriam ter aprendido poderá ocorrer por qualquer símbolo, inclusive pelo registro numérico, desde que ele não estará representando a quantidade, mas sim a qualidade da aprendizagem dos estudantes.


OS ESTUDANTES JÁ NÃO ESTUDAM MAIS COMO ANTIGAMENTE. Estudam e estudarão, se efetivamente, nós educadores formos os “seus líderes” em sua aprendizagem. Se nossos olhos brilharem por aquilo que fazemos, os olhos de nossos estudantes brilharão por sua aprendizagem. Caso, nossos olhos não brilhem por aquilo que fazemos, como os olhos dos nossos estudantes brilharão por sua aprendizagem? Não. Não poderão ter olhos brilhantes por aquilo que seus líderes não o tem.


NO MEU TEMPO, QUE ERA DIFÍCIL, AGORA...  No passado, como no presente, nada terá a característica de “difícil”, do ponto de vista da aprendizagem, caso o ensino seja praticado com competência metodológica e qualidade positiva. Ou seja, o educador necessita assumir a atitude de que seu “estudante vai aprender aquilo que ensinar”, desde que, para isso, estará investindo o melhor de si, metodologicamente, confiante de que ele pode e deve aprender. E, caso anão tenha aprendido “ainda”, investirá de novo, e investirá de novo, e investirá de novo, até que o estudante aprenda.

Nossos estudantes são saudáveis e, por isso, para aprenderem, necessitam de efetivos cuidados por parte de nós educadores, tendo como pano de fundo: (01) a filosofia da educação (= todos aprenderão aquilo que for ensinado, segundo a idade e desenvolvimento do estudante), (02) o currículo (conteúdo a  ser ensinado), (03) ciências da educação, em especial a neurologia, que nos ensina que nosso sistema nervoso é plástico e que, através da ação de ensinar-aprender, de modo ativo, cria todos os circuitos possíveis de aprendizagens, que serão utilizados em desempenhos do presente e do futuro.


04. DO SENSO COMUM AO SENSO CRÍTICO


Agora, que vimos que os conceitos, circulantes em nosso meio pedagógico, com base no senso comum, estão dissonantes em relação ao conceito, epistemologicamente válido, sobre avaliação, podemos dar mais um passo nesse estudo.

Como vimos, nenhum desses conceitos emergentes do senso comum respondem às delimitações epistemológicas do que é o ato de avaliar. Eles tangenciam o que é o ato de avaliar e atuam por junção lógica, isto é, parecem tratar da avaliação, mas não tratam dela; tratam de conceitos e práticas parecidas, parciais e até mesmo de forma negativa.
Desse modo, se desejamos atuar com avaliação no campo da aprendizagem de nossos estudantes em nossas escolas, necessitaremos:


01.               ter claro que (a) o currículo nacional, (b) traduzido em plano pedagógico da escola, e, subsequentemente, (c) traduzido em plano de ensino para a sala de aula, é o parâmetro da qualidade tanto do ensino, como da aprendizagem dos estudantes, ou seja, ensina-se e aprende-se aquilo que está definido curricularmente;

02.               assumir que a prática do ensino é uma ação planejada e executada, com o máximo de competência e com o máximo de rigor metodológico, garantindo a aprendizagem satisfatória para todos os estudantes, não somente para um ou outro; para todos;


03.               compreender e praticar a avaliação da aprendizagem como um recurso subsidiário das decisões do educador em sua atuação a favor de um ensino competente e metodologicamente rigoroso, de tal forma de todos os estudantes cheguem à meta de aprender aquilo que é necessário que aprendam, de forma compatível com o currículo, sua idade e desenvolvimento;


04.               compreender que, para cumprir o definido no item anterior, a avaliação necessita ser praticada, com as configurações  do seu conceito epistemológico, ou seja, de que é um ato de investigar a qualidade da realidade, servindo-se de rigorosos métodos de coleta de dados sobre o desempenho dos estudantes. A qualificação da realidade do desempenho do estudante dá-se através da comparação entre a realidade descrita e seu padrão de qualidade, isto é, seu padrão de satisfatoriedade (= padrão do currículo estabelecido e assumido);


05.               compreender que a avaliação necessita ser praticada continuamente como um recurso de acompanhamento dos resultados da ação pedagógica do professor em sala de aula (= à medida que a ação pedagógica é continua, a avaliação, que a subsidia, também o é). Nesse contexto, a avaliação subsidia o educador a decidir se deve investir mais neste ou naquele conteúdo a ser aprendido, neste ou naquele estudante, ou em todos, de tal forma que todos aprendam o necessário.


Como consequência dessa forma de conduzir na prática pedagógica e do uso dos recursos da avaliação da aprendizagem, todos os estudantes terão aprendido o necessário, através de uma construção cotidiana, produzida pela interação entre educador e educandos.


Essa compreensão do ato de ensinar e de avaliar necessita ser administrada cotidianamente, todos os dias. Não se pode esperar um final de mês, de bimestre, de trimestre, de semestre ou de ano letivo, para intervir e corrigir desvios. Essa é uma conduta necessária em todos os dias, em todos os momentos da atividade pedagógica. Afinal, aprende-se pela atividade orientada.

Um comentário:

  1. 1. SÃO CARACTERÍSTICAS DE UMA AVALIAÇÃO PRATICADA COM BASE NO SENSO CRÍTICO: (0,15)
    A) Uma coleta de dados feita de modo espontâneo, de acordo com um conjunto de variáveis selecionadas para esse fim.
    B) Uma cuidadosa e rigorosa coleta de dados, que fundamente uma descrição consistente da situação avaliada.
    C) O uso de instrumento de coleta de dados que sejam metodologicamente estruturados para o objeto avaliado.
    D) Todas as afirmativas estão corretas.
    E) Estão corretas apenas as afirmativas B e C.

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