quarta-feira, 13 de julho de 2016

110 - HETEROAVALIAÇÃO, AUTO-AVALIAÇÃO E AVALIAÇÃO POR OPINIÃO: CUIDADOS METODOLÓGICOS NECESSÁRIOS

Cipriano Luckesi
Contato --- ccluckesi@gmail.com



Entre os variados critérios que tem possibilitado tipificações da avaliação, um deles está centrado no sujeito que pratica o ato de avaliar: “heteroavaliação” --- circunstância na qual um sujeito avalia outro ou outros; “auto-avaliação” --- circunstância na qual um sujeito avalia a si mesmo; “avaliação por opinião de quem participa de uma atividade” --- circunstância na qual um sujeito opina avaliativamente sobre uma atividade da qual participa ou participou.

A observação básica tem a ver com o fato de que as tipificações da avaliação em educação (mas, também, em outras áreas de atividades humanas) estão comprometidas com critérios que não estão vinculados ao conceito essencial do ato de avaliar, que se define como um “ato de investigar a qualidade da realidade”, o que significa que ele tem por objetivo revelar a qualidade da realidade investigada. Com essa compreensão epistemológica do ato de avaliar, que é universal, toda e qualquer prática avaliativa, tenha a tipificação que tiver, só poderá se manifestar como avaliação se realizar esse conceito.

As tipificações da avaliação, que têm base em critérios externos à essa definição, são: avaliação tipificada segundo “os momentos da ação sobre os quais incide o ato de avaliar” (avaliação diagnóstica, formativa, somativa); segundo “a filosofia que informa o projeto de ação” (avaliação emancipatória, dialética, dialógica, mediadora), segundo “o sujeito que pratica o ato de avaliar” (heteroavaliação, auto-avaliação, por opinião). Por serem externas ao ato de avaliar, nenhuma dessas tipificações interfere no seu conceito epistemológico. Melhor, cada uma delas, para ocupar o lugar de ato avaliativo, terá que cumprir aquilo que se encontra expresso em seu conceito.

O presente texto estuda a tipificação da avaliação que tem como critério “o sujeito do ato de avaliar”, na perspectiva de identificar cuidados necessários ao praticar a heteroavaliação, a auto-avaliação e a avaliação por opinião. O objetivo deste estudo é sinalizar a necessidade de minimizar, ao máximo, os efeitos negativos das crenças e dos estados emocionais do avaliador.


HETEROAVALIAÇÃO


Para a prática da heteroavaliação já existem ---- e são possíveis --- cuidados metodológicos que, se forem respeitados, reduzem em muito as interferências subjetivas do avaliador no que se refere à qualificação da realidade. Esses cuidados têm a ver com a coleta de dados a respeito da realidade investigada e com a qualificação da realidade, com base nos dados coletados.

No que se refere à coleta de dados, o sujeito que pratica a avaliação (avaliador) deverá ter os seguintes cuidados:

(01) previamente, estabelecer a matriz dos dados necessários para efetivamente descrever seu objeto de investigação, evitando, desse modo, a aleatoriedade dos dados a serem coletados. Nesse caso, necessita, pois, de, sistematicamente, estabelecer todas as variáveis a serem levadas em conta para descrever cuidadosamente seu objeto de investigação; essa matriz indicará os caminhos para a elaboração de instrumentos para a necessária coleta de dados, tendo em vista garantir uma prática avaliativa, com a menor incidência possível da subjetividade do avaliador;

(02) para tanto, necessitará de instrumentos de coleta de dados adequados ao seu objeto de investigação, elaborados segundo rigorosas regras de investigação;

(03) haverá ainda a necessidade de um padrão de qualidade desejado, previamente estabelecido, que permitirá qualificar a realidade investigada; ou seja, a realidade investigada preenche o padrão de qualidade desejado para essa realidade?

A coleta de dados, realizada com esse rigor metodológico, viabilizará uma descritiva da realidade, a qual, para proceder o ato avaliativo, será comparada ao padrão de qualidade, previamente elaborado. Caso a realidade descrita preencha os contornos desse padrão de qualidade, a realidade será considerada qualitativamente positiva; caso contrário, será negativa.

O atendimento a esse algoritmo propicia, senão uma objetividade plena ao ato avaliativo, ao menos, se aproxima dele.


AUTO-AVALIAÇÃO


A auto-avaliação é uma modalidade de prática avaliativa onde a presença da subjetividade do avaliador --- que avalia a si mesmo --- é intensa, desde que não conta com um controle metodológico externo, como ocorre com os recursos utilizados na heteroavaliação; havendo, pois, necessidade de amplos e suficientes cuidados para que as qualificações não sejam condescendentes ou rigorosas em excesso. Afinal, a auto-avaliação é atravessada por múltiplos estados emocionais, como também por crenças pessoais do avaliador, que podem conturbar a possível limpidez do juízo qualitativo.

No processo auto-avaliativo, tanto os procedimentos de coleta de dados para descrição do objeto da avaliação, quanto o padrão de qualidade e seu uso, dão-se no âmbito da subjetividade, fato que implica em possíveis distorções. Para cuidar dessas possíveis distorções, haverá necessidade de atenção e cuidados redobrados do sujeito que pratica a auto-avaliação.

Será necessário que o sujeito que se auto-avalia:

* se coloque disponível para olhar para si mesmo e para os seus atos;
* honestamente observe seus atos;
* esteja disponível para efetivamente ajuizar a qualidade de seus atos;
* assuma ser responsável por seus atos e, se necessário, modificá-los.

A auto-avaliação, por si, seria o meio fundamental para que cada um assuma responsabilidade sobre si mesmo, daquilo que é capaz, como também sobre aquilo que não tem o domínio; sobre sua ação e suas consequências; sobre suas relações; sobre os resultados de seus atos.

Usualmente reconhecer as qualidades --- positivas ou negativas --- sobre nós mesmos, assim como sobre nossas ações não tem sido fácil na vida humana. O mais comum é sermos reativos, condescendentes em excesso (conduta mais comum) ou rigorosos em excesso (essa conduta existe, mas menos comum).

A reatividade e a projeção sobre os outros ou sobre a realidade circundante é o mais comum nos processos de ajuizamento sobre si mesmo.  Só o equilíbrio na auto-avaliação pode conduzir a uma vida saudável.


AVALIAÇÃO ATRAVÉS DE OPINIÃO DOS PARTICIPANTES DE UMA ATIVIDADE


Usualmente, na “avaliação com base na opinião”, as opiniões estão sujeitas aos múltiplos estados emocionais subjetivos do opinante; fator, que obriga a tomar os resultados dessa prática avaliativa com cuidados, seja quando o opinante avalia a si mesmo, seja quando avalia outros, seja quando avalia uma atividade como um todo.

Importa, nessa modalidade de avaliação, que se tenha presente que essa coleta de opiniões, de fato, consiste num conjunto de opiniões; não propriamente na qualificação da realidade, assentada sobre dados objetivos dessa mesma realidade.

Devido alta possibilidade de interferências subjetivas do avaliador, a auto-avaliação e a avaliação com base em opiniões seriam inúteis?

Não. Só há necessidade de cuidados com os resultados dessas práticas avaliativas, desde que, em ambos os casos, os próprios atores do projeto de ação julgam seus próprios desempenhos ou dos outros, sem uma coleta objetiva de dados, como também sem um padrão de qualidade definido com alguma precisão, que sirva de referência para o ato de qualificação da realidade avaliada.

Nesses dois tipos de práticas avaliativas, usualmente, os padrões de qualidade são amplamente subjetivos e emocionais, podendo estar baseados em modos reativos ou projetivos de ajuizar a qualidade da realidade em foco.

A auto-avaliação, caso ela possa ser praticada com honestidade, certamente oferece ao ator da própria ação um excelente suporte para a melhoria do seu desempenho pessoal, seja em que área for. Artistas da pintura, escritores, professores, gestores, políticos, cidadãos e profissionais das mais variadas áreas, todos necessitam possuir uma autocrítica consistente, se desejam colocar o melhor do si para si mesmo e para os outros; o que não quer dizer que outros --- como seus observadores --- não possam avaliar suas obras, a partir de outras facetas de observação da realidade da obra produzida. Então, nessa circunstância, torna-se importante uma outra prática --- o diálogo ---, que exige disponibilidade, abertura, escuta do outro, autocrítica.

Importa ter presente que tanto na auto-avaliação, como na avaliação por opinião, o critério de qualificação da realidade é subjetivo, desde que essas duas tipificações da avaliação estão ancoradas no sujeito do ato avaliativo, diferentes da heteroavaliaçãot onde o algoritmo da avaliação, propriamente dita, minimamente, conta com recursos de investigação, que, espera-se e deseja-se, sejam utilizados.


CONSIDERAÇÕES TEÓRICO-PRÁTICAS


No caso do ensino escolar, familiar, institucional, situações nas quais, usualmente, pratica a heteroavaliação, o parâmetro da qualidade da aprendizagem do aprendiz vem da ciência ou da cultura já consolidadas nas áreas de conhecimentos na qual está ocorrendo o ensino; por isso, tem a possibilidade de mais objetividade, caso o avaliador esteja atento a essa possibilidade, assim como ao rigor do uso dos recursos metodológicos necessários ao ato avaliativo, comprometidos com uma prática investigativa, já sinalizados anteriormente.

Por exemplo, no que se refere ao conceito da teoria da relatividade, formulada por Einstein, não há possibilidade de tergiversar. Ou o estudante adquiriu o domínio a respeito desse conteúdo, ou não o adquiriu. A teoria, formulada por Einstein, conforme fora elaborada e exposta por ele, tem um contorno específico. Diagnosticar se alguém tem o domínio dessa teoria, ou não, não depende de subjetividade do avaliador --- ou o aprendiz adquiriu seu domínio, ou não.

O mesmo ocorre em qualquer outra prática de ensino formal. Um médico aprendeu, com perfeição, ou não, fazer uma cirurgia cardíaca; um profissional da aviação aprendeu, ou não, a pilotar com excelência uma aeronave de linha comercial; e, dessa forma por diante. Caso haja honestidade no processo avaliativo, inclusive com o uso adequado de seus recursos metodológicos, não se paira dúvida sobre a qualidade da efetiva aquisição de competência por parte do aprendiz. No caso, fazem-se presentes padrões objetivos paras ajuizar sobre a qualidade das aprendizagens teóricas e/ou práticas do aprendiz.

Ao menos na vida estudantil --- e poderá ser necessária em múltiplas situações da vida humana, que cada um de nós pode elencar por si mesmo ---, a heteroavaliação passa a ser uma necessidade, pois que o aprendiz não tem o domínio do conhecimento que está aprendendo, por isso, não tem como julgar se já tingiu o desempenho qualitativamente positivo naquilo que está aprendendo. Alguém, um avaliador (na sala de aulas, papel também exercido pelo professor) --- que deve ter o domínio daquilo que está sendo ensinado e aprendido --- deverá, comparando o desempenho do aprendiz com o padrão de qualidade, dizer-lhe se já tem o domínio, ou não, de determinado conhecimento ou habilidade.

Certamente que isso só será possível se o avaliador for cuidadoso em sua prática avaliativa, tendo presente os recursos metodológicos para tanto; ao lado do necessário e insubstituível domínio psicológico sobre seus pessoais estados emocionais e projetivos, a fim de que cuide para não entrar em procedimentos de desqualificação (e consequente exclusão) do aprendiz devido este ainda não ter atingido a maestria em determinado conteúdo, que está sendo ensinado.

Diferente das possibilidades da heteroavaliação, a auto-avaliação, onde o sujeito se auto avalia, tanto pode ser condescendente, como pode ser rígido, em excesso consigo mesmo e com os resultados de sua ação, como foi assinalado anteriormente neste texto. Também diferente das possibilidades da heteroavaliação é a opinião, onde cada sujeito tem à sua frente múltiplas possibilidades de opinar sobre a realidade, segundo o ângulo de sua percepção, cognitiva, emocional, projetiva....

Usualmente cada um de nós é mais condescendente que rígido consigo mesmo. Contudo, vale sinalizar que, em muitos segmentos religiosos aprende-se a ser bastante rígido consigo mesmo.


CONCLUINDO


Nenhum dos três atos avaliativos, sinalizados acima --- cujo critério que possibilita a sua tipificação é o sujeito que avalia ---, heteroavaliação, auto-avaliação e avaliação por opinião do participante de uma atividade deve ser descartado. Cada um deles tem sua validade, desde que se tenha presente as possibilidades de distorções na qualificação da realidade, assim como que se tenha presente os cuidados necessários para evitá-las.


Os três tipos de atos avaliativos, sinalizados neste estudo, que tem por base o “sujeito da prática avaliativa”, são importantes, cada um em sua modalidade. Importa que, ao praticá-los, se mantenha os cuidados necessários com a nuances que podem desviar cada um deles de suas significativas contribuições para a investigação da qualidade da realidade, subsidiando decisões e investimentos construtivos.





3 comentários:

  1. Muito bom, professor. Avaliação é um tema que me inspira, tenho muito a aprender.

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  2. Obrigada, professor, pela inspiração e colaboração com meu processo formativo!

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  3. Parabéns professor sou sua fã e queria muito lê seu livro avaliação da aprendizagem componente do ato pedagogico, porém não estou encontrando

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