Texto publicado
anteriormente no Blog Terra em 21/6/2010
Cipriano Luckesi
Hoje desejo tratar de uma questão que usualmente tem
afligido os educadores que se encontram em sala de aulas. Todos praticam a
avaliação da aprendizagem de seus educandos em suas salas de aula e, desde,
aproximadamente, dez anos para cá, ou um pouco mais, foi instituída no Brasil
as avaliações do sistema de ensino, formalizadas na avaliação do Ensino
Fundamental (SAEB, Prova Brasil), Exame do Ensino Médio (ENEM), avaliação do
Ensino Superior (SINAES, antigo Exame Nacional de Curso).
Em minhas viagens e conferências pelo país, sempre recebo
perguntas em torno dessas práticas avaliativas, em torno de sua necessidade, em
torno dos instrumentos de coleta de coleta de dados utilizados, assim como em
torno de uma ameaça da qualidade do trabalho docente de cada educador.
O que diferencia essas duas modalidades de avaliação
— avaliação da aprendizagem e avaliação do sistema de ensino? A avaliação da
aprendizagem tem como função dimensionar a qualidade da aprendizagem dos
educados em sala de aulas e — no caso da avaliação de acompanhamento do
educando no seu percurso de aprender —, se necessário, proceder a uma
intervenção de correção na aprendizagem (ensinar de novo, se necessário); já a
avaliação dos sistemas de ensino tem a função de verificar a qualidade do sistema
em termos de sua eficácia em produzir os resultados desejados.
Para além da avaliação individual do educando, existem
muitos sistemas na complexa fenomenologia do ensino, que exigem avaliação,
tendo em vista detectar a qualidade de sua intervenção na busca dos resultados
desejados. Vamos iniciar pela ruma de estudantes numa sala de aulas. Uma coisa
é avaliar a aprendizagem de cada educando, outra bem diferente é avaliar o
desempenho da turma. A primeira dessas avaliações identifica a qualidade da aprendizagem
do educando, enquanto indivíduo que aprende; a segunda identifica a qualidade
do “sistema-turma” e mostra como o sistema está atuando tendo em vista produzir
os resultados que promete produzir (a escola promete aos pais e à sociedade que
sua atividade produzir resultados positivos em termos da escolaridade). Isto é,
uma simples curva de aproveitamento de uma turma de estudantes demonstra o
quanto o sistema de ensino na sala de aulas está sendo eficiente, ou não.
Vamos exemplificar. De um lado, permanecem os resultados
das aprendizagens individuais de cada educando, registrados em caderneta
escolar ou em boletins, do outro está a curva das aprendizagens que revela a
eficácia da ação do educador junto a esses educandos. Vamos supor que, após as
avaliações individuais, nós tomamos esses resultados individuais e, com eles,
traçamos uma curva de aproveitamento da turma; fato que nos conduz a verificar
que dos quarenta estudantes que temos em nossa sala de aula (sistema-turma),
onze deles estão com aproveitamento abaixo do necessário. Isso implica que
nosso sistema está sendo eficiente somente em 75%, isto é, 25% dos estudantes
dessa turma não estão sendo atendidos pela capacidade do educador de produzir o
resultado esperado — que todos aprendam o que foi ou está sendo ensinado.
Olhando esses resultados, do ponto de vista da aprendizagem individual,
poder-se-á dizer, como sempre tem sido dito: “Ah! Esses estudantes não aprendem
mesmo. São fracos. Não estudam como antigamente. Agora, ninguém mais se dedica
aos estudos”. E coisas semelhantes. Contudo do ponto de vista do sistema-turma,
teremos que dizer: “Nossa! um quarto dos estudantes que estou ensinando não
estão aprendendo o suficiente; isso é grave. O que está ocorrendo com minha
prática de ensino que não está atingindo-os?”
Caso não complemente o olhar sobre a aprendizagem
individual com o olhar sobre os resultados do sistema-turma, o responsável
pelos resultados positivos ou negativos será sempre o educando; todavia, se
olho o sistema-turma, verifico que o sistema (diga-se: o educador junto com a
escola) não está apresentando a eficiência que deveria apresentar.
E, caso esse sistema deseje efetivamente cumprir o que
promete — que todos que vem a essa escola aprendem — deve identificar os pontos
de estrangulamento na sua atuação junto aos educandos, corrigindo-os,
intervindo a favor de nossas soluções, de tal forma que quarenta estudantes
numa turma composta de quarenta, todos aprendam o necessário.
Então, olhar o sistema significa estar atento à sua
eficiência, e olhar a aprendizagem individual do educando significa olhar para
as habilidades e capacidades que cada educando adquiriu tendo por base o ensino
que lhe foi ministrado. Ambos os olhares são necessários, se efetivamente
desejamos praticar atos avaliativos que possa subsidiar uma prática educativa
bem sucedida, ou eficiente.
Aplicando esse entendimento às práticas avaliativas do
sistema de ensino no Brasil, vamos verificar que o que se deseja com o Saeb,
com a Prova Brasil com o Enem, com o Sinaes, e outras práticas aqui não
citadas, é somente tomar ciência do sistema nacional de ensino como um todo. Já
não é mais somente uma turma de estudantes, nem uma escola ou um município ou
um estado da federação, mas o sistema nacional como um todo. Essas modalidades
de avaliação do sistema nacional de ensino têm a função de oferecer aos poderes
constituídos um retrato da realidade educacional no país, de tal forma que se
possam tomar decisões eficientes de corrigir o que está em desvio. A avaliação,
por si, não traz nenhuma solução. O que ela garante é um diagnóstico da
realidade que subsidia as decisões e investimentos administrativos. A avaliação
está a serviço do gestor de uma atividade ou de um sistema de atividades.
Quando o Ministro da Educação Paulo Renato de Souza e seu
Ministério da Educação instituíram essas modalidades de avaliação do sistema de
ensino no Brasil, para muitos, parecia que ele estava implantando alguma coisa
esdrúxula e autoritária, quando o que se desejava e continua-se a desejar é
saber qual a qualidade da eficiência do sistema nacional de ensino, em seus
diversos níveis de atuação, de tal forma que esse conhecimento, cientificamente
produzido, da realidade educacional possa subsidiar decisões, as mais acertadas
por parte dos poderes constituídos. Assim sendo, as avaliações do sistema de
ensino não tem por objetivo nem castigar nem elogiar quem quer que seja. Até
mesmo, a meu ver, não deveria nem haver o ranking que é feito das escolas que
apresenta o melhor ou o pior desempenho, desde que o rankeamento não pertence
ao ato avaliativo, mas sim a uma escolha política do avaliador.
Desse modo, desejo dizer aos educadores em geral que
colaborar para a realização da avaliação do sistema de ensino no país, através
das diversas modalidades — fundamental, médio, superior —, é uma necessidade e
um cuidado, para o sistema, mas também para cada um de nós que fazemos parte
dele.
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Professor: sua obra é a base da minha pesquisa no mestrado profissional em Educação Matemática. Conclui através da leitura de seus livros que:"avaliação escolar pode ser compreendida como um ato investigativo nessa área". Então avaliação pode ser sinônimo de investigação avaliativa?
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