Texto publicado anteriormente no Blog
Terra, em 20 de junho de 2010.
Cipriano Luckesi
Recebi um pedido de esclarecimento sobre a frase — "Na prática pedagógica, a transformação da função da avaliação de diagnóstica em classificatória foi péssima" — que se encontra em meu artigo "Avaliação da aprendizagem escolar: para além do autoritarismo", publicado em 1985.
Respondi. De fato essa
expressão — "Na prática pedagógica, a transformação da função
da avaliação de diagnóstica em classificatória foi
péssima" — não
faz muito sentido. Esse texto foi escrito em 1985, há vinte e cinco anos
passados. Naquele momento, eu estava dando uma virada nos diálogos sobre
avaliação da aprendizagem. Esse texto foi um marco na teoria sobre avaliação da
aprendizagem no Brasil. Por isso, o apuro conceitual ainda não estava
suficientemente amadurecido, o que conduziu a uma expressão como essa.
Certamente inadequada.
De fato, no Brasil,
sempre tivemos uma atividade classificatória em relação aos estudantes
individual ou coletivamente em suas turmas. Nascemos sob a égide da modernidade
e a educação jesuítica — que estabeleceu essa forma de ranking — é do século
XVI, e veio para cá junto com a chegada dos portugueses a essa terra, que,
juntamente com negros e índios, somado aos variados povos migrantes, produziram
a configuração social que temos hoje. A nossa educação formal é tingida pela
educação constituída na modernidade.
A educação escolar
moderna emergiu sob a égide da classificação. A compreensão da avaliação como
diagnóstico e, se necessário, a intervenção, é de 1930 para cada. Foi Ralph
Tyler que, em 1930, nos USA, cunhou o termo avaliação da aprendizagem, tendo em
vistadesignar a sua proposta de ensinar, diagnosticar e, se necessário,
corrigir. No Brasil, começamos a atinar com esse conceito só a partir de
1970, aproximadamente. E ainda não conseguimos — como pais — assimilá-lo em
nossas práticas diárias.
Hoje, entendo que
temos dois tipos de avaliação: de produto [certificação ---
por exemplo, a certificação ISO para empresas e empreendimentos, a certificação
profissional (médicos, advogados...], entre outras; afinal a certificação
da qualidade de alguma coisa já concluída; de acompanhamento (investigação
— diagnóstico — dos resultados enquanto estão sendo produzidos, tendo em vista
sua correção, caso necessário — acompanhamento).
A classificação
depende da decisão de estabelecer um ranking, que, por si, não pertence à
avaliação. É uma decisão externa às práticas avaliativas. Por exemplo, as
diversas práticas avaliativas sistêmicas do país — Prova Brasil, Enem, SINAES —
não têm nenhuma necessidade de estabelecer rankings, mas infelizmente
estabelecem, cujo efeito, a meu ver, é negativo, do ponto de vista social e cultural.
Bastaria saber que determinada escola, estado, município está tendo um
desempenho satisfatório ou insatisfatório na educação. Bastaria isso e, a
partir daí, tomar as decisões necessárias. O ranking (classificação) serve
exclusivamente para a concorrência social. O mesmo se dá na sala de aulas.
Acredito que, na época
da escrita desse texto, o que eu desejava expressar com a frase — citada por
você — era a distorção que vim a perceber mais tarde de que a educação no
Brasil mudou o nome de “exames escolares” para “avaliação da
aprendizagem”, mas não mudou a prática, ou seja, passamos a usar
uma expressão “diagnóstica”, mas permanecemos com uma prática
“classificatória”; daí a expressão — a transformação da
função da avaliação de diagnóstica em classificatória.
Fico por cá, esperando
ter ajudado a compreender o que me fora solicitado.
Cipriano Luckesi
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