terça-feira, 9 de setembro de 2014

11 - Avaliação: instrumentos de coleta de dados I

Publicado anteriormente no Blog Terra em 25/8/2007
Cipriano Luckesi



Tenho dito em meus escritos e falas que o ato de avaliar é um ato de investigar a qualidade de alguma coisa (pessoa, ação…), tendo, como consequência, uma intervenção (caso seja necessária, em função da insatisfatoriedade da situação).

Desejo, aqui, aprofundar o dado relativo à investigação. Investigar significa “trazer luz para a realidade”. A expressão elucidar a realidade diz bem isso, desde que o termo “elucidar” vem do latim “e”+“lucere” = trazer luz. Quando ignoramos alguma coisa, estamos na escuridão e não sabemos o que fazer; quando conhecemos alguma coisa, estamos na luz e sabemos como nos guiar. Relembre suas experiências de andar numa noite bem escura ou dentro de cãs, sem nenhuma luz.

O ato de avaliar a aprendizagem dos educandos tem por base uma investigação sobre o seu desempenho. Na ignorância não sabemos o que fazer; no conhecimento, temos a possibilidade de agir com minimamente correção.

O ato de avaliar tem três passos, como temos dito — descrever a realidade a ser avaliada, qualificá-la a partir dessa descrição, e, proceder a uma intervenção, caso seja necessária para a obtenção de um melhor resultado.

Desejo, hoje, somente iniciar a abordagem do primeiro dos passos: a descrição da realidade. Sem esse passo, não há avaliação. Sem ele, pode até ocorrer uma opinião superficial sobre a realidade, mas não avaliação, pois que esta se assenta sobre dados consistentes da realidade.

Para a descrição da realidade, necessitamos de coletar dados sobre ela e, para tal, necessitamos de recursos que nos ajudem a observá-la melhor. No caso, são os instrumentos de coleta de dados, que vão desde um diálogo (entrevista), passando por uma demonstração, uma redação, e chegando aos sofisticados testes e questionários. Em qualquer das circunstâncias, o instrumento deve ser cuidadosamente construído e utilizado. Um cientista cuida muito dos seus instrumentos de coleta de dados, para que efetivamente eles possibilitem a descrição da realidade e não a emissão de opiniões sobre a realidade.

Usualmente, os instrumentos que elaboramos e aplicamos em nossos estudantes para que expressem o que aprenderam, ou o que ainda não aprenderam, são de péssima qualidade, pois que não estão atrelados àquilo que, de fato, deveriam escrever, além de outros fatores que não são cuidados na sua construção.

No decorrer de alguns textos subsequentes deste blog, estarei cuidando desse aspecto. Hoje, somente vou abordar a necessidade da sistematicidade. Um instrumento de coleta de dados para a prática da avaliação necessita de ser sistemático, ou seja, necessita de cobrir todos os conteúdos abrangidos pelo ensino aprendizagem. Nada deve ficar fora, mas também Nada deve ser acrescentado de fora, caso efetivamente desejemos saber se nossos estudantes aprenderam o que efetivamente ensinamos.

Caso determinados conteúdos não necessitem de ser levados em consideração na prática da avaliação, já não deveriam ser levados em consideração no planejamento e na execução do ensino. Qual é a razão para utilizar tempo com eles, se não são importantes? Se, de fato, são essenciais, tanto devem ser levados em consideração tanto no ensino quanto na avaliação.

Certa vez, no Rio de Janeiro, após uma conferência que fiz em um Congresso, uma professora relatou o seguinte caso. “Eu iría naquele dia aplicar um teste nos meus estudantes de Geografia. Cheguei mais cedo ao colégio e vi vários grupos de meus estudantes a estudar. Circulei pelos grupos e observei que estavam estudando conteúdos completamente diferentes daqueles que eu havia colocado no teste. Então, disse para mim mesma — “Eles terão um desempenho muito inadequado, pois que estão se dedicando a estudar conteúdos da unidade de ensino que não levei em consideração no teste. Já não podia modificar o teste que havia elaborado (o teste já se encontrava impresso), pois que, dentro de trinta minutos, eles estariam dentro da sala de aula, respondendo as questões. Então, após distribuir o teste, pedi aos estudantes que acrescentassem a seguinte questão, ao final das questões que estavam impressas: ‘O que eu estudei e aprendi, que a professora não perguntou no teste’. Com a resposta a esta questão, vi que eles haviam estudado e aprendido muito mais do que havia colocado no teste. Meu teste era pontual e excluía muitos conteúdos importantes que eu havia ensinado e não levara em conta no teste. Eles eram melhores do que o meu teste. O meu teste, como estava elaborado, iría atrapalhar a vida deles. Eu estaria dizendo que eles não haviam estudado e aprendido; e, de fato, eles haviam estudado e aprendido”.

Um instrumento necessita de ter a característica da sistematicidade, além de muitas outras que iremos estudando aos poucos. Necessita de cobrir todos os conteúdos essenciais abordados no ensino. 

Quando não os levamos em consideração, no nosso instrumento, significa que não tinham nenhuma importância. E, se não eram importantes, qual a razão para termos ocupado tempo com eles e ocupado tempo da vida de nossos educandos? Só para reprová-los?

Então, ao elaborar um instrumento, com ponto de partida, devemos tomar uma folha de papel e escrever uma lista do que o estudante deveria saber sobre essa unidade de ensino que estamos avaliando. Nada mais e nada menos que isso. Não incluir nada além do essencial, mas também nada aquém. Tudo o que é essencial. Esse é o primeiro cuidado. É assim que agem os cientistas.

Cipriano Luckesi





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