Publicado anteriormente no Blog Terra em 25/8/2007
Cipriano Luckesi
Cipriano Luckesi
Tenho dito em meus escritos e falas que o ato de avaliar é um ato de investigar a qualidade de alguma coisa (pessoa, ação…), tendo, como consequência, uma intervenção (caso seja necessária, em função da insatisfatoriedade da situação).
Desejo, aqui, aprofundar o dado
relativo à investigação. Investigar significa “trazer luz para a realidade”. A
expressão elucidar a realidade diz bem isso, desde que o termo “elucidar” vem
do latim “e”+“lucere” = trazer luz. Quando ignoramos alguma coisa, estamos na
escuridão e não sabemos o que fazer; quando conhecemos alguma coisa, estamos na
luz e sabemos como nos guiar. Relembre suas experiências de andar numa noite
bem escura ou dentro de cãs, sem nenhuma luz.
O ato de avaliar a aprendizagem dos
educandos tem por base uma investigação sobre o seu desempenho. Na ignorância
não sabemos o que fazer; no conhecimento, temos a possibilidade de agir com
minimamente correção.
O ato de avaliar tem três passos, como
temos dito — descrever a realidade a ser avaliada, qualificá-la a partir dessa
descrição, e, proceder a uma intervenção, caso seja necessária para a obtenção
de um melhor resultado.
Desejo, hoje, somente iniciar a
abordagem do primeiro dos passos: a descrição da realidade. Sem esse passo, não
há avaliação. Sem ele, pode até ocorrer uma opinião superficial sobre a
realidade, mas não avaliação, pois que esta se assenta sobre dados consistentes
da realidade.
Para a descrição da realidade,
necessitamos de coletar dados sobre ela e, para tal, necessitamos de recursos
que nos ajudem a observá-la melhor. No caso, são os instrumentos de coleta de
dados, que vão desde um diálogo (entrevista), passando por uma demonstração,
uma redação, e chegando aos sofisticados testes e questionários. Em qualquer
das circunstâncias, o instrumento deve ser cuidadosamente construído e
utilizado. Um cientista cuida muito dos seus instrumentos de coleta de dados,
para que efetivamente eles possibilitem a descrição da realidade e não a
emissão de opiniões sobre a realidade.
Usualmente, os instrumentos que
elaboramos e aplicamos em nossos estudantes para que expressem o que
aprenderam, ou o que ainda não aprenderam, são de péssima qualidade, pois que
não estão atrelados àquilo que, de fato, deveriam escrever, além de outros
fatores que não são cuidados na sua construção.
No decorrer de alguns textos subsequentes
deste blog, estarei cuidando desse aspecto. Hoje, somente vou abordar a
necessidade da sistematicidade. Um instrumento de coleta de dados para a
prática da avaliação necessita de ser sistemático, ou seja, necessita de cobrir
todos os conteúdos abrangidos pelo ensino aprendizagem. Nada deve ficar fora,
mas também Nada deve ser acrescentado de fora, caso efetivamente desejemos
saber se nossos estudantes aprenderam o que efetivamente ensinamos.
Caso determinados conteúdos não
necessitem de ser levados em consideração na prática da avaliação, já não
deveriam ser levados em consideração no planejamento e na execução do ensino.
Qual é a razão para utilizar tempo com eles, se não são importantes? Se, de fato,
são essenciais, tanto devem ser levados em consideração tanto no ensino quanto
na avaliação.
Certa vez, no Rio de Janeiro, após uma
conferência que fiz em um Congresso, uma professora relatou o seguinte caso.
“Eu iría naquele dia aplicar um teste nos meus estudantes de Geografia. Cheguei
mais cedo ao colégio e vi vários grupos de meus estudantes a estudar. Circulei
pelos grupos e observei que estavam estudando conteúdos completamente
diferentes daqueles que eu havia colocado no teste. Então, disse para mim mesma
— “Eles terão um desempenho muito inadequado, pois que estão se dedicando a
estudar conteúdos da unidade de ensino que não levei em consideração no teste.
Já não podia modificar o teste que havia elaborado (o teste já se encontrava
impresso), pois que, dentro de trinta minutos, eles estariam dentro da sala de
aula, respondendo as questões. Então, após distribuir o teste, pedi aos
estudantes que acrescentassem a seguinte questão, ao final das questões que
estavam impressas: ‘O que eu estudei e aprendi, que a professora não perguntou
no teste’. Com a resposta a esta questão, vi que eles haviam estudado e
aprendido muito mais do que havia colocado no teste. Meu teste era pontual e
excluía muitos conteúdos importantes que eu havia ensinado e não levara em
conta no teste. Eles eram melhores do que o meu teste. O meu teste, como estava
elaborado, iría atrapalhar a vida deles. Eu estaria dizendo que eles não haviam
estudado e aprendido; e, de fato, eles haviam estudado e aprendido”.
Um instrumento necessita de ter a
característica da sistematicidade, além de muitas outras que iremos estudando
aos poucos. Necessita de cobrir todos os conteúdos essenciais abordados no
ensino.
Quando não os levamos em consideração, no nosso instrumento, significa
que não tinham nenhuma importância. E, se não eram importantes, qual a razão
para termos ocupado tempo com eles e ocupado tempo da vida de nossos educandos?
Só para reprová-los?
Então, ao elaborar um instrumento, com
ponto de partida, devemos tomar uma folha de papel e escrever uma lista do que
o estudante deveria saber sobre essa unidade de ensino que estamos avaliando.
Nada mais e nada menos que isso. Não incluir nada além do essencial, mas também
nada aquém. Tudo o que é essencial. Esse é o primeiro cuidado. É assim que
agem os cientistas.
Cipriano Luckesi
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