terça-feira, 9 de setembro de 2014

04 - Critérios para a avaliação da aprendizagem

Publicado anteriormente no Blog Terra, em 8/6/2007

Recebi o seguinte comentário e, ao mesmo tempo, solicitação de Vera Bacelar, em em 06.06.2007 . No que se segue, tento satisfazer o pedido de esclarecimento.

"Prof. Cipriano, Muito importante esse blog! Gostei muito da forma com que você colocou a questão da avaliação. Mas gostaria, se possível que você falasse um pouco mais sobre a segunda pergunta "a qualidade do que foi aprendido". Tem como a gente estabelecer algo que tenha como referência o próprio educando? Pelo que eu entendi, na sua colocação a aprendizagem está relacionada com o quê o educador estabelece como critérios… mas como fica aqueles que não atingiram os critérios estabelecidos, contudo, apresentaram progresso no decorrer da situação de ensino-aprendizagem? Não sei se ficou clara a minha questão… Mas ficarei grata se puder falar sobre isso. Um abraço, Vera".
Para se pensar em critérios para a prática da avaliação da aprendizagem, necessitamos de ter claro o conteúdo com o qual estamos trabalhando, assim como a expectativa de desempenho que temos. Existem aprendizagens específicas que têm uma configuração de resultados, que pode ser bem delimitados e existem aprendizagens genéricas, cuja configuração dos resultados desejados é mais abrangente e, por isso, menos delimitada.
            
Em ambas, deve-se levar em consideração o educando, pois que ele somente pode aprender tendo presente suas condições: faixa etária, desenvolvimento psicológico, histórico de vida pessoal (o que inclui a vida familiar), heranças socioculturais, aprendizagens anteriores… Esses fatores são condicionantes das aprendizagens, mas não condicionantes do critério. O critério aponta na direção para a qual o educando deve ser auxiliado a chegar.

             No que se refere às aprendizagens específicas, o critério será mais delimitado, como dissemos acima. Por exemplo, a habilidade de usar o alfabeto para a leitura e a escrita é bastante preciso, e adquire-se ou não essa habilidade. Todavia, haverá níveis de aprendizagem de seu uso, tendo presente diversos fatores, tais como idade e as complexas relações envolvidas nessa aprendizagem. O critério que permite a avaliação da conduta no ponto de chegada deve levar isso em consideração para cada educando ou grupo de educandos. Por exemplo, aos sete anos de idade, o critério de ponto de chegada para o uso do alfabeto na leitura e na escrita é um; aos oito, será outro, aos nove, será outro, e assim por diante. Mas para praticar a avaliação, necessitamos de um critério como ponto de chegada, a, ou seja, a qualidade de desempenho necessário numa determinada habilidade que direciona nossa ação para chegar a ela.

Numa aprendizagem, cujo conteúdo é mais abrangente e genérico, o ponto de chegada também será mais diluído. Assim temos expectativas de condutas afetivas e emocionais para educandos em diversas faixas etárias, mas aí é bem mais difícil de conduzir, num determinado espaço de tempo, todos os educandos a terem aproximadamente condutas equivalentes, pois que nesses campos da vida humana interferem mais e mais complexas variáveis da história de cada um. Então, aqui também, há um critério, porém o educador necessita de ser muito mais tolerante com os resultados obtidos. Seu investimento, assim como o investimento do educando serão muito mais longo e mais complexos do que o investimento numa aprendizagem específica.

Por exemplo, a conduta de "dividir com o outro" a participação nos brinquedos é muito mas complexa do que aprender o alfabeto e depende de fatores afetivos e emocionais em proporções muito maiores do que as exigidas para aprender o uso do alfabeto para a leitura e para a escrita.
Em todo caso, penso que, quando pensamos em critérios para a avaliação, não temos que pensar em classificação dos educandos, mas sim em diagnóstico, tendo em vista saber como auxiliá-lo a chegar ao resultado desejado, pois que no ponto de partida (início da atividade), se trabalhamos com vários educandos ao mesmo tempo, eles se apresentam desiguais, mas, no ponto final (ao final da atividade), devem ter conseguido adquirir condutas equivalentes. É isso que faz com que a prática educativa produza mudanças, seja na postura do indivíduo como do social.

Em síntese, há que se ter critérios para praticar atos educativos, para que se possa investir na obtenção dos seus níveis de qualidade. A pedagogia compensatória, aquela que define que "chegue o educando onde chegar, já está bom", não ajuda muito para uma prática pedagógica que se deseja e se constitui como construtiva.

Uma última coisa, para se estabelecer critérios, importa saber se os educandos com os quais trabalhamos podem chegar a desempenhar os conhecimentos e habilidades que estamos definindo, em função de suas próprias condições. Um portador de uma carência não poderá atingir algumas habilidades que um não-portador dessa carência atinge. Isso não é melhor nem pior; é assim; e isso necessita de ser levado em consideração ao estabelecer critérios. A exemplo, se sou um professor de educação física e estou treinando pessoas para salto triplo, não posso acolher portadores de sequelas de poliomielite para essa atividade. Porém, ao contrário, se estou trabalhando com portadores de sequelas de poliomielite, como treinador, não posso colocar como meu objetivo (critério) que essas pessoas deem um salto triplo, como o do "João do pulo". Então, importa ter presente que os critérios para a avaliação da aprendizagem não são universais, mas sim dependem de múltiplas considerações, o que implica que a pedagogia adotada não seja compensatória, mas sim consistente.

Cipriano Luckesi





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