Publicado anteriormente em Blog Terra em 19/8/2007
Para melhor compreender o que escrevo aqui, importa ler os dois “posts” (textos) anteriores deste blog, onde, de formas diferentes e complementares, tratei do mesmo tema “cognitivo, afetivo, psicomotor”.
David Boadella, um pesquisador inglês
da área da psicoterapia somática e profunda, estabeleceu um diagrama, onde
esses três aspectos de ser humano são cuidados ao mesmo tempo de forma
distinta, mas não separadas. Isso quer dizer que cognitivo, afetivo e
psicomotor são facetas distintas, mas não separadas do ser humano, o que, por
sua vez, nos diz que quando digo “cognitivo”, estou distinguindo-o dos aspectos
afetivo e psicomotor, mas não o separando dos outros dois; o mesmo ocorrendo
quando digo “afetivo”, ou “psicomotor”. A distinção é necessária para bem
compreendermos e trabalharmos com os aspectos diferentes de um mesmo todo; mas,
a separação é destrutiva, na medida em que o ser humano funciona como um
sistema, fato que implica que nada fica de fora em qualquer conduta, seja ela
qual for. Cada conduta movimenta todos os elementos ao mesmo tempo, ainda que
um possa ter mais proeminência, numa situação específica, que os outros.
Nesse diagrama, Boadella distinguiu, no
ser humano, as três seguintes áreas: corpo, personalidade, imaginário, que, na
linguagem que temos utilizado em educação, são, respectivamente, psicomotor,
afetivo, cognitivo. No caso, o corpo expressa nossa faceta biológica e
fisiológica; a personalidade, a faceta de nossa vida emocional; e o imaginário
expressa nossa capacidade de compreensão, assim como nossas crenças. Essas três
facetas são distintas, mas não separadas. Atuando sobre uma, estaremos atuando
sobre as outras duas ao mesmo tempo. Ou seja, se atuo no cognitivo, atuo no
afetivo e no psicomotor; caso atue no afetivo, atuo também no cognitivo e no
psicomotor; o mesmo ocorrendo com o psicomotor. Para que isso ocorra, importa
que o educador assim o compreenda e assim atue, o que quer dizer que, em sua
vida pessoal e cotidiana, cognitivo, afetivo e psicomotor necessitam de estar
integrados e equilibrados. Caso o educador tenha essas esferas separadas dentro
de si mesmo, também sua prática educativa conduzirá seus educandos a atuarem
dessa forma.
Todavia, devido nossa herança moderna
iluminista, que, não só distinguiu, como também separou as esferas dos valores
cognitivos, afetivos e psicomotores, usualmente pensamos e discursamos de uma
forma e agimos de outra. As especificações apresentadas no “post” anterior,
para configurar o que a consulente estava perguntando, mostram isso. Diz a
pessoa que questiona: “ – Em uma situação que o profissional X executa com perfeição
a parte técnica, porém é insensível aos sentimentos dos alunos e o outro é
vice-versa. Como atribuir conceitos depois de avaliar o desempenho dos dois?” O
“profissional X” e seu “vice-versa” apresentam suas esferas de valores em
separado, e não como somente distintas e, por isso, integradas. Essa é a
verdadeira dificuldade, pois que, se o educador tem em si as esferas de
condutas separadas, não poderá ajudar os educandos a integrá-las em si mesmos.
Atuando no imaginário (cognitivo)
podemos estar atuando nas outras duas esferas (afetiva e psicomotora); o mesmo
ocorrendo quando atuamos nas outras duas esferas. Vamos a alguns exemplos: um
grupo de estudantes está agitado emocionalmente; então, alguém os ajuda a
respirar (psicomotor), eles se acalmam e, consequentemente, entendem melhor
(cognitivo) o que está ocorrendo, o que permite tomar decisões mais adequadas
(afetivo).
Recentemente, fiz uma conferência
(cognitivo), o motorista que me transladou de um lugar para outro ouviu a
conferência inteira e no dia seguinte disse-me: “Professor, hoje já apliquei o
que ouvi em sua conferência”. Eu, então, perguntei-lhe: “Como assim?” Numa
conferência sobre “avaliação da aprendizagem”, eu havia sinalizado que a
“desqualificação” afasta as pessoas e não ajuda em nada nas relações e vínculos
entre elas. Ele, respondeu-me: “O senhor falou sobre aquela questão da
desqualificação. Minha mulher gosta de cortar e pintar o cabelo. Todas vezes
que ela faz isso, eu digo: ‘Você ficou feia’. Ontem ela fez isso e, devido ter ouvido
sua conferência, eu não fiz nenhum comentário. Ela perguntou-me: ‘Você não vai
dizer que eu estou feia?’ Então, eu disse para ela: ‘Não! Se está bem para
você, para mim também está bem!’. Ela perguntou: ‘O que aconteceu que você
mudou?’ Eu respondi: ‘Foi a conferência do professor Luckesi”. Ato contínuo, eu
disse para ele: “Da próxima vez, você não vai dizer para ela — ‘se está bom
para você, está bom para mim também’ —, mas vai dizer: ‘Você ficou linda’.
Então, ela ficará feliz, você feliz e vocês se amarão mais ainda (corpo, emoção
e afetos)”. É uma situação que se inicia no cognitivo (conferência) e transita
pelo afeto e pelo corpo (a relação do casal).
Por outro lado, uma situação emocional
(de alegria, de dor, de tristeza, de raiva,…) não se dá somente na emoção. Ela
se dá nas três esferas ao mesmo tempo, mas cuidando de uma das esferas, se o
cuidado for realizado com integridade, as três esferas se equilibram novamente
ao mesmo tempo.
Em síntese, o cognitivo, o afetivo e o
psicomotor são “portas” de trabalho educativo. Um não é separado do outro, nem
devem assim ser compreendidos. Caso assim estejam integrados, quando se avalia
uma conduta com a intencionalidade focada mais em um do que em outro desses
aspectos, os outros serão afetados. Todavia, para focar intencionalmente, em um
ou outro desses aspectos, sem descuidar dos outros, importa ter instrumentos
(específicos e bem elaborados) que nos ajudem a coletar dados, segundo essa
nossa intencionalidade, para qualificamos o que está ocorrendo e, possivelmente,
reorientar a situação, se este for o caso. Nunca para classificar ou
conceituar, pois que classificar ou conceituar implica em que somos melhores e,
por isso, estamos podendo classificar o outro. Não se esquecer de que
a avaliação tem por objetivo subsidiar a construção do melhor resultado
possível.
Cipriano Luckesi
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