Texto publicado anteriormente no Terra Blog, em 19 junho de 2010
Cipriano Luckesi
Após uma conferência, recebi pela internet algumas perguntas e alguns comentários, cujas respostas partilho com todos os interessados, expressando minha gratidão ao emissor da mensagem, que provocou as considerações que se seguem sobre questões metodológicas da avaliação, bastante específicas.
Pergunta: Durante a graduação sempre achei que fui "avaliado"
de forma injusta, pois muitas vezes os professores davam notas como 5,1 ou 4,9
e me questinava: "o que significa 0,1 (um décimo) do meu
conhecimento?" Então surgiu a minha primeira questão sobre a
avaliação: "Como inferir sobre o conhecimento de outra pessoa?" [procuro
pensar nessa questão usando o termo "outra pessoa" de modo
filosófico, psicanalítico] .
De fato, é impossível medir uma variação da inteligência de alguém em
termos de décimos. Isso só pode ser feito em função de se admitir uma política
classificatória em termos de valores numéricos utilizados como recursos de
expressão dos pontos obtidos através de acertos e erros num determinado teste.
Os procedimentos classificatórios têm mais a ver com concurso do que com
avaliação da aprendizagem. O modelo classificatório foi importado de fora da
escola para dentro da escola. Quando os exames escolares foram sistematizados
no século XVI, o modelo proveio de sistemas classificatórios de fora da escola.
Por exemplo, três mil anos antes da era cristã, os chineses se serviam de
provas para selecionar novos membros para o exército. Sendo seletivo, o
processo tinha por base a classificação. A escola importou esse modelo, sem um
crivo crítico e, desse modo, até hoje, usamos no nosso cotidiano escolar o
modelo classificatório.
Porém, o ato de avaliar não exige um modelo classificatório; ele, por
si, é estranho à avaliação. Daí a inadequação ou “injustiça” como você
denomina.
Uma observação; Outra coisa que percebi, principalmente após ler um pouco de Pierre Bourdieu - especialmente sobre o conceito de "capital cultural" - é que a avaliação pode ser um forte instrumento de discriminação. Tento minimizar, pois para mim, não importa a "nota per si" mas o caminho percorrido pelo aluno para conseguir aquela determinada nota, pois sei que para muitos alunos conseguir tirar 4 ou 5 já é um esforço monumental pois muitos deles estudam somente na escola, não tendo nenhum apoio dos pais, seja por ausencia ou por falta de escolaridade. Enquanto outros dispoem de largos recursos em casa….
São duas coisas diferentes: uma é a questão do uso inadequado da avaliação como recurso de discriminação e outro é a questão da efetiva aprendizagem, ou não, dos educandos.
Uma observação; Outra coisa que percebi, principalmente após ler um pouco de Pierre Bourdieu - especialmente sobre o conceito de "capital cultural" - é que a avaliação pode ser um forte instrumento de discriminação. Tento minimizar, pois para mim, não importa a "nota per si" mas o caminho percorrido pelo aluno para conseguir aquela determinada nota, pois sei que para muitos alunos conseguir tirar 4 ou 5 já é um esforço monumental pois muitos deles estudam somente na escola, não tendo nenhum apoio dos pais, seja por ausencia ou por falta de escolaridade. Enquanto outros dispoem de largos recursos em casa….
São duas coisas diferentes: uma é a questão do uso inadequado da avaliação como recurso de discriminação e outro é a questão da efetiva aprendizagem, ou não, dos educandos.
Na história da educação, existem vários estudos, como os de Pierre
Bourdieu, de Michel Foucault, de Philippe Perrenoud, que abordam, dentro de
suas respectivas perspectivas, a questão de como os atos examinativos (que eles
denominam, inadequadamente, de “atos avaliativos”) são discriminadores, do
ponto de vista sociológico. Concordo com essa tese, na medida em que em nossa
história social, efetivamente, os atoss examinativos prestaram-se a esse papel
e ainda prestam. Pierre Bourdieu fala da violência simbólica, Michel Foucault
do micropoder que a tudo controla e Perrenoud fala das duas lógicas, uma
aparente (avaliar) e outra oculta (discriminar). Todavia, esses, efetivamente
não foram atos avaliativos, mas sim examinativos (classificatórios).
A avaliação, para ser avaliação não necessita da classificação. O ato de
avaliar é um ato de investigar a qualidade do resultado da ação. O que importa
saber é se ele tem a qualidade que deveria ter. Somente isso. Não necessita de
ser comparado a outro resultado. A qualificação da realidade, no ato de
avaliar, tem sua base na comparação da realidade descrita com um critério, mas
não com outro resultado. Desse modo, a avaliação, por si, somente detecta a
qualidade do resultado, e, por isso, não discrimina ninguém. Ela diagnostica
uma situação, porém nem julga nem discrimina. O julgamento e a discriminação
decorrem de elementos externos à avaliação, propriamente dita. Para avaliar dez
estudantes, não há nenhuma necessidade de compará-los entre si. Cada um
necessita de ser comparado ao seu próprio desempenho, ou seja, cada um aprendeu
ou não de modo satisfatório o que tinha que aprender. E isso basta, pois que só
a partir daí ele poderá ser reorientado.
Outra observação: Gostaria de saber se "normalização de
notas" é um processo justo? Darei um exemplo. Quando
preparo uma prova e a maior nota da sala é, por exemplo, 8 sei que houve alguma
falha no processo. Então uso uma regra de três, fazendo com que a maior nota
seja equivalente a 10 e as outras são calculadas com base nessa razão.
O termo “normalização” tem sua origem em Gauss, que descobriu que tudo na vida pode ser distribuído, segundo uma curva estatística denominada “normal”, ou seja, sempre haverá um segmento inferior, um médio e um superior um determinado grupo, organizado dentro de uma escala que vai do menor para o maior.
O termo “normalização” tem sua origem em Gauss, que descobriu que tudo na vida pode ser distribuído, segundo uma curva estatística denominada “normal”, ou seja, sempre haverá um segmento inferior, um médio e um superior um determinado grupo, organizado dentro de uma escala que vai do menor para o maior.
Com essa abordagem nunca conseguiríamos uma curva assimétrica em “j”, ou
seja, todos classificados no segmento superior da curva. Quando você toma a
maior nota e a assume como o maior valor de referência ( “dez”) e, a seguir,
distribui todos os outros estudantes proporcionalmente a este, adota a
“distribuição normal”, de Gauss, como o parâmetro. Usando esse procedimento
você mantém sempre a discriminação. Os estatísticos, que, efetivamente,
trabalham com avaliação e não com o rankeamento dos participantes de uma turma
de estudantes, não usam a curva de Gauss como recurso para atribuição de
qualidade ao desempenho dos estudantes, mas sim o critério, ou seja, o padrão
de resposta desejado. Em avaliação, o que podemos dizer é que um estudante
aprendeu ou não o que lhe fora ensinado. Somente isso. E, a partir disso, se
necessário, proceder a reorientação para que aprenda o que necessita de
aprender.
O rankeamento (classificação) é uma decisão externa à avaliação. Ela,
sim, é uma escolha totalmente política, porque desnecessária. Então, na sua
prática, se deseja que, efetivamente, seus estudantes aprendam o que necessitam
de aprender, não deverá tomar a maior nossa e assumi-la como “dez” e, a seguir,
rankear os outros estudantes, mas, sim, ensinar cada um, para que atinja o
mínimo necessário e, então, todos estarão, minimamente, no mesmo nível de
aprendizagem — o necessário, nem mais nem menos que isso.
Por último: Em tempo: Como dar conta dos conteúdos mínimos e
ainda conseguir com que todos os alunos tenham uma ótima curva de aproveitamento,
mesmo quando muitos deles não demostram nenhum tipo de respeito pela escola,
pelo professor?
A meu ver, a solução viável é o estímulo do
educador, mostrando como a aprendizagem (aquisição de habilidades) permite
solucionar problemas do dia a dia, o conhecimento necessita de ter uma
significação no cotidiano e tem, importa compreender como cada coisa que
ensinamos tem seu significado na vida e nos ajuda a resolver questões. O que
ensinamos e aprendemos é para tornar a vida melhor. É o nosso entusiasmo de
educadores é o recurso fundamental para comprometer nossos estudantes. Somos os
líderes na relação pedagógica. Por último, quando propus fazer uma curva do
aproveitamento dos nossos educandos numa determinada turma não foi e, a meu
ver, não deve ser, para estabelecer um ranking de notas das maiores para as
menores, mas sim foi para sugerir um olhar sobre a efetividade de nossa ação. A
curva dos resultados pode nos mostrar como nossa atividade está sendo efetiva
para todos os estudantes, ou não. Se não está, o que faremos para que venha a
ser eficiente para todos? Usar a “curva de Gauss” para justificar uma “justiça”
com todos os estudantes não ajuda em nada. O que ajuda é dar suporte para que
cada um aprenda o mínimo necessário. Marx definiu que justiça é dar a cada um o
que ele necessita. Pessoalmente, acredito que essa é mais significativa forma
de justiça. Ela não decorre da comparação, do ranking, mas da necessidade. Uns
necessitarão de mais cuidados e outros menos.
Cumprir isso na sala de aulas, com as carências que temos em termos de
condições materiais e sociais do ensino, é difícil, bem o sei. Todavia, o
caminho é esse. Poderemos executá-lo mais, ou menos, plenamente, mas, parece
não haver como fugir dele. Fazer o melhor que podemos, com as parcas condições
que temos. Essa é a possibilidade. Lamentar o escuro não resolve o escuro,
todavia, ascender um palito de fósforo já faz alguma luz.
Grato pela sua missiva.
Um abraço e sucesso em sua vida.
Grato pela sua missiva.
Um abraço e sucesso em sua vida.
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Texto interessante, aprendi algumas dicas de avaliação. Obrigado.
ResponderExcluirAcredito que o educador tem o compromisso de transpor barreiras, para atingir objetivos, como ele termina o texto definindo que somos os lideres na relação pedagógica, e estamos tendo a oportunidade de promover alguma mudança. Vai valer a pena!
ResponderExcluirSabemos o quanto atualmente está difícil exercer a profissão de professor, porém não podemos desistir do nosso sonho de uma educação melhor para todos.
ResponderExcluiras avaliações, são feitas a todo tempo mesmo entre colegas educados, infelizmente as mesmas injustiças,muito exclarecedor everdedeiro.
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