Publicado anteriormente no Blog Terra, em 18/8/2007
Elizabete Souza Leite me pergunta: “Gostaria de saber como avaliar meus alunos nos domínios: cognitivo, afetivo e psicomotor”.
Essa visão tripartite do ser humano, no
que se refere à avaliação da aprendizagem, foi utilizada e divulgada
especialmente por Benjamin Bloom. Nos anos cinquenta e sessenta do século
passado, ele publicou nos Estados Unidos as famosas Taxionomias de
Objetivos Educacionais, que foram traduzidas no Brasil nos anos setenta e
que tinham por base esse olhar pelas facetas do ser humano: cognitivo, afetivo,
psicomotor.
Pessoalmente, penso e entendo que o ser
humano, somente de um modo didático e formal pode ser dividido nesses três
domínios. De fato, ele é um todo, o que significa que esses três domínios estão
sempre presentes em qualquer conduta sua. Na expressão de um ato cognitivo, o
afeto e a psicomotricidade estão presentes, o mesmo ocorrendo na expressão
afetiva, onde o cognitivo e psicomotor se fazem presentes, do mesmo modo que,
num ato psicomotor, o cognitivo e o afetivo estão presentes. Há uma
predominância de um desses aspectos em uma determinada conduta, mas sem
efetivamente eliminar as outras duas. Pode-se desejar investigar a
predominância de uma dessas facetas, mas sem que se desconsidere as outras.
Assim sendo, avaliar uma conduta
cognitiva significa que estamos tomando predominantemente um ato cognitivo,
porém, isso não implica que a afetividade e a motricidade não estejam
presentes, desde que não será possível um ato cognitivo sem o envolvimento do
emocional e da motricidade, assim como não será possível um ato afetivo, sem o
envolvimento do cognitivo e da motricidade, ou um ato motriz sem o cognitivo e
o afetivo.
Deste modo, ao estar avaliando uma
conduta com foco predominante de uma dessas facetas, as outras estarão
presentes, na medida em que o ser humano é um todo em movimento. Então, será
uma questão de atenção à predominância de um desses aspectos na prática da
avaliação da aprendizagem. E isso dependerá do currículo que se estiver
executando. Deseja-se formar condutas predominantemente cognitivas?
Predominantemente afetivas? Predominantemente psicomotoras?
O ato de avaliar deverá seguir o
currículo, assim como a coleta de dados sobre o desempenho do educando deverá
ser realizada com instrumentos adequados que captem efetivamente as condutas
específicas que se deseja avaliar. Não poderá ser um instrumento qualquer,
contudo, sim um instrumento metodologicamente construído tendo em vista a
finalidade que se tem em vista (sobre a qualidade dos instrumentos de coleta de
dados para avaliação da aprendizagem, escrevi vários textos que foram publicados
pela revista Abc Educatio e que se encontram em meu site www.luckesi.com.br, na
página “Artigos da Revista Abc Educatio”. Poderá ser útil lê-los).
Não podemos nos esquecer que o ato de
avaliar é um ato de investigar e, para isso, necessita de bons e adequados
instrumentos para a coleta de dados; sendo que, por outro lado, necessitamos de
critérios que permitam qualificar a conduta descrita a partir dos dados
coletados pelos instrumentos. Que critérios vamos utilizar para qualificar as
condutas cognitivas que avaliamos? Que critérios vamos utilizar para avaliar as
condutas predominantemente afetivas que avaliamos? Que critérios vamos utilizar
para qualificar as condutas predominantemente psicomotoras que avaliamos?
Sem esses cuidados, dificilmente
conseguiremos dar conta de avaliar as condutas de nossos educandos, de uma
forma relativamente adequada.
Cícera Aguilar pergunta —
“Como avaliar os comportamentos: COGNITIVOS, AFETIVOS E PSICOMOTORES?”.
E, a seguir, acrescenta:
“- O domínio afetivo envolve
sentimentos, atitudes profissionais e éticas, emoções, valores e interesses. O
tipo de relacionamentos dos alunos com as pessoas do ambiente (colegas,
docentes, funcionários, pacientes, etc) influencia a sua aprendizagem e o seu
desempenho. É função do professor tentar desenvolver nos alunos a valorização
desses comportamentos. Como farei avaliação dos meus alunos no domínio afetivo
para verificar se eles estão valorizando o citado acima?
- Em uma situação que o profissional X
executa com perfeição a parte técnica, porém é insensível aos sentimentos dos
alunos e o outro é vice-versa. Como atribuir os conceitos depois de avaliar o
desempenho dos dois?”
Nas duas especificações, percebemos que
o que, efetivamente, está em jogo não é a avaliação, mas sim a “aprovação ou
reprovação” das condutas citadas. Num processo avaliativo, não há que se
atribuir conceitos a quem quer que seja, o que seria proceder a uma
classificação. Na avaliação não se classifica ninguém, mas sim se diagnostica,
tendo em vista uma intervenção na busca de uma melhor solução.
O ato de avaliar é um ato de investigar
a qualidade do que está acontecendo, tendo em vista aceitar como está ou
investir na sua mudança. Neste caso, como em outros, na prática educativa, o que
interessa não é estabelecer uma classificação do que está certo ou errado em
alguma conduta, mas sim em como melhorá-la.
Ambas as especificações postas pela
perguntadora têm a ver com a personalidade das pessoas, seja no caso dos
educandos como no caso dos profissionais. Cada ser humano, na medida em que se
desenvolve, biológica, psicológica e espiritualmente, deveria estar transitando
da “simbiose com a mãe” para a “lei do pai”, conforme a linguagem de Freud. Ou
seja, cada um de nós deveria estar caminhando para a maturidade, para o domínio
de si e da convivência com o outro.
Se assim é, nosso trabalho educativo
não tem a ver somente com o ensino-aprendizagem das informações e dos
procedimentos metodológicos científicos, mas sim com o todo do nosso educando,
o que inclui também esses elementos. O educador seria aquele que, já adulto,
estaria posto para auxiliar o educando (criança, jovem ou adulto) a fazer sua
jornada para a vida adulta e isso implica em todos os aspectos acima citados.
Um adulto sabe se vincular e se relacionar com adequação.
Tanto na primeira quanto na segunda
especificação, postas por Cícera Aguilar, importa ter presente, do ponto de
vista dos educandos, dar-lhes suporte para que vão seguindo na direção da vida
adulta, o que implica num relacionamento estável consigo mesmo, com o outro e
com o meio ambiente; do ponto de vista do profissional, se desejamos que ele
mude de conduta, trabalhar com ele e, para isso, há necessidade de cuidados no
seu autoconhecimento e no seu autodesenvolvimento.
Afinal de contas, todos nós portamos
singularidades, decorrentes do nosso passado biográfico, marcado por eventos
variados, que vão desde traumas à experiências não bem sucedidas. Todas deixam
suas marcas em nosso corpo-mente. É com a síntese delas que nos colocamos e nos
expressamos no mundo. Contudo, importa saber que tudo pode ser modificado. Da
forma como estamos hoje, poderemos ser outra coisa amanhã, se, para isso,
tivermos desejos claros e ação eficiente.
Cipriano Luckesi
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