Publicado anteriormente no Blog Terra
Salvador, 19 de junho de 2010.
Cipriano Luckesi
O ato de avaliar a
aprendizagem na escola tem algumas características epistemológicas fundamentais
para o seu entendimento e sua prática, já tratadas ao longo dos artigos deste
blog, todavia ele se expressa de uma forma muito simples: “o educador pergunta
ao seu educando se ele aprendeu o que foi ensinado; caso tenha aprendido,
ótimo; caso não tenha aprendido ainda, vai receber um reforço de ensino para
que aprenda, pois que os conteúdos ensinados necessitam de ser aprendidos”.
Simples, muito simples!
Todavia, nós educadores — em função da própria história da educação escolar no ocidente, do século XVI para cá, em função da trama político-ideológica do controle social, assim como em função da trama psicológico-emocional das relações interpessoais, presentes na prática da avaliação da aprendizagem — distorcemos o ato de avaliar. Introduzimos no seu campo de ação vieses que não lhe pertencem, porém que assumimos como se essencialmente lhe pertencessem.
Nos instrumentos de
coleta de dados, introduzimos dificuldades excessivas que não apareceram no
ensino, introduzimos expressões linguísticas incompreensíveis para os
educandos, introduzimos armadilhas para “ver se eles são capazes de desvendar”,
introduzimos questões e situações-problemas muito mais complexas do que aquelas
com as quais praticamos o ensino, introduzimos questões e situações-problemas
que exigem procedimentos metodológicos diferentes daqueles que foram utilizados
em sala de aulas. Isso só para citar alguns dos desvios comuns na elaboração e
uso de instrumentos de coleta de dados para a avaliação da aprendizagem. A
imaginação humana é fértil para inventar esses e muitos outros desvios, tendo
em vista justificar suas crenças, muitas vezes inconscientes.
Caso abramos mão
dessas distorções, o ato de avaliar a aprendizagem se apresentará a todos nós
na sua simplicidade que é — através de algum recurso que possibilite a
observação e a consequente descritiva da conduta do educando, isto é, através
de algum instrumento de coleta de dados que seja bem elaborado — “pedir ao
estudante que manifeste se aprendeu, ou ainda não, o que nós ensinamos, para
que possamos, se necessário, ensinar-lhe de novo, pois que o que importa é
aprender”. Simples, mas histórica, política e emocionalmente complicado!
Incluímos no ato de avaliar o que — epistemológica e metodologicamente — não
lhe pertence.
Talvez, se abrirmos
mão de nosso “suposto lugar de poder” — como lembram os psicanalistas —, ou,
ainda, se abrirmos mão de nossa “compulsão de educar” — como lembra Wilhem
Reich —, certamente que poderemos, nos atos de avaliar a aprendizagem, nos
atermos à sua simplicidade: “simplesmente necessitar de saber se o educando
aprendeu o que ensinamos, tendo em vista ensinar-lhe melhor”.
Aprovar ou reprovar,
estabelecer listas classificatórias (estabelecer o ranking) são práticas
externas à avaliação em geral assim como à avaliação da aprendizagem, que
trazem muitas mazelas para dentro dessa prática. Esses modos de somente turvam
o campo da avaliação da aprendizagem, em prejuízo do educando e da educação
como sistema.
Esse texto é um convite para pensar,
sentir e aprender a agir de uma forma simples, direta, saudável e compatível
com aquilo que significa avaliar, isto é, investigar a qualidade da realidade
e, se necessário, proceder alguma intervenção para que ela possa ser melhor e
mais saudável.
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