Publicado anteriormente no Blog Terra em 19/6/07
Em textos anteriores, abordei o significado da avaliação da aprendizagem como
uma prática de investigar e intervir na busca dos melhores resultados no
processo de aprendizagem dos nossos educandos, em sala de aula. Desejo, neste
texto, aprofundar um pouco a questão, dialogando sobre o que usualmente ocorre
em nossas escolas, em termos de acompanhamento da aprendizagem dos nossos
educandos.
Em outros escritos meus e em conferências em variados lugares, tenho defendido a hipótese de que, em nossas escolas, praticamos mais exames do que avaliação escolar. Nós denominamos nossas práticas de avaliação, porém de fato praticamos exames. O que isso quer dizer?
O que praticamos em nossas escolas, sob a denominação de avaliação da aprendizagem, de fato, é uma prática de exames escolares. Para compreender e justificar essa afirmação importa especificar sucintamente as características tanto do ato de examinar quanto do ato de avaliar.
O ato de examinar na escola possui, essencialmente, duas características, ainda que outras possam ser acrescentadas. Eles são classificatórios e seletivos. A classificação se expressa, no caso dos exames escolares, por um ranqueamento de notas que vai da maior (10.0 = dez) para a menor (0 = zero). E, nessa escala escolhe-se um ponto, no qual e acima do qual, ocorre a aprovação; e, por outro lado, abaixo do qual dá-se a reprovação, o que significa a marca da seletividade. Mesmo que não houvesse a marca a partir da qual se processa a aprovação ou a reprovação do educando, o simples fato de haver uma escala classificatória revela uma seletividade. Nas escolas ocorriam, e certamente ocorrem ainda, o ordenamento dos estudantes por suas notas, das mais altas para as mais baixas (isso pode também ser feito por pontos obtidos, como se dá na publicação dos resultados de muitos vestibulares).
O simples ordenamento já indica uma seleção dos melhores em relação aos piores. Ao ler em jornais e revistas um ranqueamento de instituições econômicas, políticas, educacionais…, de imediato, tomamos aquelas que se encontram nos primeiros lugares, possivelmente, como as melhores; e aquelas que se encontram nos últimos lugares da lista como as piores. Hoje, na escola, o que mais se faz é classificar os estudantes, a partir dos desempenhos que apresentam em suas tarefas e/ou testes, assim como a partir de provas; sua subsequente aprovação ou reprovação depende dessa classificação.
O ato de avaliar, por seu turno, como anunciamos em textos anteriores deste blog, é investigar e intervir, o que coloca como suas características fundamentais ser diagnóstica e inclusiva. O fato de a avaliação ser diagnóstica significa que investiga a qualidade daquilo que está sendo avaliado. O termo “diagnóstico” vem dos termos gregos dia+gnosis, que, juntos, significam “conhecimento através de dados”. E, o termo “inclusivo” revela que, na base da avaliação, está a escolha pela busca do melhor resultado possível em termos de desempenho do estudante. Ou seja, nenhum estudante pode ficar fora. Numa turma, todos podem e devem aprender bem o que é ensinado. Caso não tenha aprendido ainda, a inclusão se dá pela reorientação, que insere (ou reinsere) o estudante entre todos os outros que aprenderam. A busca do melhor resultado, reorientando o educando, dá sustentação ao fato de que aquele que “ainda” não aprendeu, possa fazê-lo.
Comparando-se a descritiva de cada um desses atos com o que ocorre no cotidiano de nossas escolas, salta de imediato aos nossos olhos que classificação e seletividade estão muitíssimo mais presentes que diagnóstico e inclusão, ou seja, mais exame que avaliação.
Frente a essa constatação, em conferências e debates, sempre ouço a pergunta: “Então, não haverá mais uma certificação para os estudantes?”. Para responder a essa questão, necessitamos de distinguir a certificação que provém de um exame e a certificação que emerge de um processo de avaliação. Várias instituições no país oferecem uma certificação a profissionais que se submetem a um exame de proficiência, como os realizados pela Ordem dos Advogados do Brasil e pelo Conselho Federal de Medicina, entre outros. Essa é uma certificação que depende de um exame realizado pelo candidato, independente de um processo de formação. Cada candidato prepara-se ao seu modo.
Outro modo de certificação é aquele que se oferece ao educando como um
testemunho de um educador e de sua instituição de ensino de que ele participou
de um processo de formação e foi bem sucedido no mesmo. De fato, esse é o
resultado de um processo de formação que chega ao seu fim, que pode ser uma
disciplina ou um curso. Por passos sucessivos, o estudante atingiu sua
competência, que é testemunhada pelos educadores que o acompanharam.
Qual a diferença entre os dois processos de certificação? O primeiro tem na sua base a classificação e a seletividade, a partir de um exame; o segundo tem na sua base a construção de um resultado final, decorrente do investimento no educando por parte de educadores, para tanto, servindo-se da avaliação como recurso subsidiário da construção bem sucedida dos resultados desejados.
O segundo tipo de certificação decorre da atividade pedagógica em sala de aula, o primeiro de um exame. A distorção ocorre quando trazemos para dentro da escola a certificação por exame. Para a certificação em sala de aula serve a avaliação, que subsidia a construção de um resultado bem sucedido; para a certificação fora da escola, serve o exame de suficiência, que é pontual e classificatório.
Na sala de aula cabe a avaliação, que é construtiva, na medida em que o estudante vem para a sala de aula para aprender e não para ser selecionado; fora da sala de aula, cabe o exame, que é seletivo, na medida em que o candidato se submete a ele para demonstrar que já sabe e não para aprender alguma coisa. A troca desses recursos na sala de aula é contraditória com a prática pedagógica que é, e deve ser, construtiva.
Cipriano Luckesi
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