terça-feira, 25 de agosto de 2020

140 - RETOMANDO SINTETICAMENTE O ATO DE AVALIAR A APRENDIZAGEM COMO UMA INVESTIGAÇÃO DA QUALIDADE DO APRENDIDO


140 - RETOMANDO SINTETICAMENTE O ATO DE AVALIAR A APRENDIZAGEM COMO UMA INVESTIGAÇÃO DA QUALIDADE DO APRENDIDO



Retomando o exposto nos textos anteriores, reafirmo que o ato de avaliar é um ato de investigar a qualidade da realidade, cujo resultado, a depender de nossas escolhas e decisões, pode subsidiar nosso modo de agir na busca dos melhores resultados decorrentes de nossa ação.

Na prática de ensino, após a elaboração do instrumento de coleta de dados com os cuidados necessários --- anteriormente assinalados: (01) mapa de conteúdos e habilidades trabalhados em sala de aula, (02) linguagem compreensível, (03) compatibilidade entre ensinado e aprendido em termos de conteúdos e metodologia utilizada no ensino, e, (04) precisão naquilo que se solicita ---, importa utilizá-lo na coleta de dados a respeito da aprendizagem de cada um dos estudantes. No dia a dia da escola, dizemos: “Fazer avaliação” ou “aplicar o teste”.

Um instrumento de coleta de dados para a avaliação, desde que elaborado com adequação epistemológica, como descrito em textos anteriores, terá o mérito de nos subsidiar, como educadores, no investimento efetivo na aprendizagem de nossos estudantes. Os resultados da investigação avaliativa nos permitem tomar decisões de como continuar na prática do ensino que estamos realizando: rever conteúdos, re-ensinar, prosseguir...

Enfim, os resultados de uma prática investigativa da qualidade da aprendizagem por parte dos estudantes subsidiam nossas decisões como gestores da sala de aula. Com os resultados em mãos, podemos considerá-los satisfatórios, como também temos a possibilidade de considerá-los, por um momento, insatisfatórios, e, a seguir, tomar decisões de rever ou re-ensinar até que todos os nossos estudantes aprendam e, com isso, tenham recursos internos para seu próprio desenvolvimento.

A investigação avaliativa, afinal, é nossa parceira a “nos avisar se nossos atos já produziram os resultados desejados ou se ainda importa investir mais, tendo em vista obter os resultados com a qualidade previamente definida”.

Desse modo, após adequada elaboração do instrumento de coleta de dados (testes, provas, orientação para atividades...), cabe aplicá-lo, e, a seguir, proceder sua correção. Caso revele resultados satisfatórios, ótimo, segue-se em frente; caso revele resultados insatisfatórios, cabe decidir por re-investir na efetiva busca dos resultados desejados --- conduta adequada ---, ou decidir “inadequadamente” por deixar os resultados como se encontram.

Essa é uma decisão que cabe a nós educadores no seio da sala de aula no conjunto de nossas relações pedagógicas com os estudantes com os quais assumimos a responsabilidade de ensiná-los no âmbito de conhecimentos de nossa especialidade.

Desejo a todos bons estudos, boas aprendizagens e bons cuidados com nossos estudantes no cotidiano escolar. Afinal, chegaram até nós para aprender e, por essa razão, desenvolver-se como seres humanos, como cidadãos e como profissionais (como “profissionais”, se não agora, no futuro).








139 - PRECISÃO


139 - PRECISÃO




A quarta característica fundamental que deve se fazer presente em todo e qualquer instrumento de coleta de dados para a prática da avaliação da aprendizagem é a “precisão”, ou seja, educador e estudante devem ter a mesma compreensão a respeito daquilo que se solicita em uma pergunta, em uma questão ou em uma tarefa a ser realizada como expressão da posse de um conhecimento e de uma habilidade.

A precisão está comprometida com a “delimitação da conduta” a ser expressa pelo estudante ao responder a uma solicitação de desempenho que lhe é feita. A precisão está comprometida com o contorno daquilo que se solicita, como também com o contorno da resposta que deve ser dada pelo estudante, de tal forma que ele possa demonstrar que aprendeu aquilo que lhe fora ensinado, ou seja, mostrar que ele adquiriu a compreensão e a habilidade relativa ao determinado conteúdo que está em pauta na questão proposta.

Certa vez, em um Seminário, a respeito da exigência da “precisão” nas questões propostas ao estudante, através dos instrumentos de coleta de dados para a avaliação da aprendizagem, ouvi o seguinte relato hilário de um conferencista, mas, ao mesmo tempo, fundamental.

Dizia o conferencista que fora perguntado: “Que fez D. Pedro I no ‘Dia do Fico’?” Resposta do estudante: “Ficou”. Sem a contextualização do conteúdo, todas as respostas são possíveis, inclusive as jocosas. O leitor deste texto, creio, deve conhecer muitos outros relatos jocosos, que circulam pelos meios de comunicação, em especial pelas Redes Sociais, tendo como base a “imprecisão” daquilo que se solicita ao estudante.

Num diálogo presencial, facilmente, haveria o esclarecimento daquilo que se pergunta. Todavia, em um teste escrito, essa possibilidade permanece muito mais remota.

Enfim, “precisão” é uma característica fundamental de questões elaboradas e propostas aos estudantes em testes que têm como objetivo investigar a qualidade da aprendizagem.

Sintetizando os quatro últimos textos publicados neste blog: um instrumento de coleta de dados para a avaliação da aprendizagem na escola deve ter minimamente as seguintes características:
(01) abranger os conteúdos trabalhados no ensino, nem mais nem menos que isso, desde que importa ter ciência se o estudante aprendeu aquilo que fora ensinado;
(02) usar linguagem compreensível para o estudante que irá responder as questões propostas;
(03) compatibilidade entre ensinado e aprendido em termos de conteúdos e metodologia;
(04) precisão na descritiva do desempenho solicitado.

No próximo texto, será retomada a integração dessas características necessárias a todo instrumento de coleta de dados para a prática da avaliação da aprendizagem na escola.







sábado, 22 de agosto de 2020

138 - COMPATIBILIDADE ENTRE ENSINADO E APRENDIDO NA ELABORAÇÃO DO INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS PARA A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM

138 - COMPATIBILIDADE ENTRE ENSINADO E APRENDIDO NA ELABORAÇÃO DO INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS PARA A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM





Em texto anterior, publicado neste blog, sinalizei os quatro cuidados que deveriam ser levados em conta na elaboração de instrumentos de coleta de dados para a avaliação da aprendizagem no espaço escolar.

No presente texto, partilho com os usuários deste blog a necessidade do cuidado com a “Compatibilidade entre o ensinado e o aprendido” na construção do instrumento de coleta de dados para a avaliação da aprendizagem, ou seja, levar em conta na coleta de dados exclusivamente “aquilo que foi ensinado” e “do modo” como ocorreu o ensino.

Que significa essa proposição?

Significa que, na construção de um instrumento de coleta de dados para a avaliação da aprendizagem, importa ter cuidado em relação à compatibilidade (01) entre a abrangência dos conteúdos trabalhados no ensino e a abrangência dos solicitados, (02) compatibilidade entre o nível de dificuldade presente no ensino e aquele presente nas questões propostas, assim como (03) entre a metodologia utilizada na abordagem dos conteúdos nos procedimentos de ensino e a metodologia a ser utilizada na resposta às questões propostas no instrumento de coleta de dados.

Afinal, o educador escolar, responsável pelo ensino, necessita ter ciência a respeito da efetiva aprendizagem por parte do estudante; para tanto, importa saber se ele efetivamente aprendeu aquilo que fora ensinado e da forma como fora ensinado (metodologia).Esse deve ser o objetivo do uso de instrumentos de coleta de dados sobre o desempenho do estudante.

Nesse contexto, vale ter presente que aquilo que está “a mais do que fora ensinado”, estará em desacordo com o fato de que o educador, avaliativamente, necessita ter ciência se o estudante aprendeu aquilo que que fora ensinado; e aquilo que está “a menos do que fora ensinado”, não permite ao educador ter ciência se o estudante aprendeu efetivamente aquilo que fora ensinado. Então, a “compatibilidade entre ensinado e aprendido” se apresenta como uma característica fundamental dos instrumentos de coleta de dados para a avalição da aprendizagem. Afinal, trata-se de uma investigação e esta pauta-se nos cuidados epistemológicos relativos a essa atividade.

Em síntese, o instrumento de coleta de dados, em primeiro lugar, deverá conter questões ou problemas a serem resolvidos pelo estudante com nível equivalente de “complexidade” aos conteúdos trabalhados em sala de aula.

Em segundo lugar, as questões propostas não devem ser nem mais difíceis nem mais fáceis que o ensinado, simplesmente compatíveis.

E, por último, vale uma observação a respeito da compatibilidade necessária entre a metodologia de abordagem dos conteúdos ensinados e a utilizada para a prática de coleta de dados. Se o ensino ocorreu por uma metodologia ativa, as questões devem seguir a mesma metodologia. Se a metodologia utilizada no ensino trabalhou com abordagens históricas, o mesmo deve ocorrer no instrumento de coleta de dados. O que não deve ocorrer é o ensino ter sido realizado por uma abordagem metodológica e a coleta de dados por outra.

Em síntese, exclusivamente os conteúdos ensinados de modo efetivo --- nem mais nem menos que isso --- devem ser os conteúdos a compor o instrumento de coleta de dados para a avaliação da aprendizagem no ensino escolar.








segunda-feira, 17 de agosto de 2020

137 - LINGUAGEM COMPREENSÍVEL NA COLETA DE DADOS PARA A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM


137 - LINGUAGEM COMPREENSÍVEL NA COLETA DE DADOS PARA A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM


No texto anterior deste blog, tratei da questão relativa à “abrangência e à especificidade” dos conteúdos a serem abordados em um instrumento de coleta de dados para a avaliação da aprendizagem que decorre de nossas intervenções ensinantes em na sala de aula.

Nesta oportunidade desejo tratar da segunda variável a, necessariamente, ser levada em conta na construção dos instrumentos de coleta de dados para a avaliação da aprendizagem dos estudantes em sala de aula; no caso, aprendizagem decorrente de nossas intervenções pedagógicas “de ensino” em sala de aula como professores e professoras.

No cotidiano de nossas vidas em nossas variadas relações, no contexto dos processos comunicativos --- sejam eles comuns ou específicos ---, importa que o nosso interlocutor compreenda aquilo que perguntamos ou aquilo que expomos, ou seja, importa o uso de uma “linguagem compreensível”, que facilite o entendimento daquilo que comunicamos, seja solicitando uma informação, seja oferecendo uma informação sobre alguma coisa, ato, conduta... Sem esse entendimento, não há possibilidade do encaminhamento de uma ação subsequente.

No caso da coleta de dados sobre o desempenho do estudante escolar em sua aprendizagem, tendo em vista aquilatar sua qualidade, importa cuidado semelhante. Não há como ele responder a uma questão contida em nosso instrumento de coleta de dados a respeito de sua aprendizagem, caso não compreenda aquilo que estamos solicitando.

Recordo-me que --- em minha vida escolar pregressa, aqui e acolá, em um dia de “prova”, como se denominava à época a aplicação de um instrumento de coleta de dados a respeito da aprendizagem do estudante ---, ao chamar o professor e solicitar um esclarecimento a respeito de uma determinada questão, que não estava compreendendo, a resposta comum era: “Hoje, não posso responder àquilo que está me perguntado. É um dia de prova”. Como responder, com adequação à uma pergunta que não se está compreendendo? De fato, não há como cumprir bem uma tarefa, sem sua compreensão; de fato, só podemos responder com adequação àquilo que entendemos.

Essa é a razão prela qual, em um instrumento de coleta de dados para a avaliação da aprendizagem --- teste, prova, questionário, tarefa a ser realizada ---, importa o uso de uma “linguagem compreensível”. Sem compreensão daquilo que se pergunta, não há resposta possível.

Então, ao professor, à professora, no processo de elaboração de um instrumento de coleta de dados para a avaliação da aprendizagem, cabe o cuidado com a linguagem compreensível.

E, mesmo tendo tido esse cuidado, se, no momento da coleta de dados, o estudante revela não ter compreendido aquilo que perguntamos ou que colocamos como situação problema, importa ajudá-lo a compreender aquilo que estamos lhe sendo solicitando. Impossível responder com adequação quando não se compreende a pergunta ou aquilo que está sendo solicitado.

Então, no instrumento de coleta de dados para a avaliação da aprendizagem, cabe o cuidado com uma “linguagem plenamente compreensível e compatível com os conteúdos ensinados”, a fim de que o estudante possa ter ciência daquilo que se lhe está pedindo como desempenho em decorrência de sua aprendizagem.

Sem o cuidado com a linguagem compreensível, dificilmente, poderemos ter certeza de que o estudante compreendeu aquilo que perguntamos, ou que colocamos como uma questão a ser respondida.

No próximo texto, abordaremos a questão da “compatibilidade entre ensinado e aprendido”, como um cuidado necessário na elaboração de um instrumento de coleta de dados para a avaliação da aprendizagem. Até lá!








domingo, 16 de agosto de 2020

136 - MAPA DOS CONTEÚDOS COMPONENTES DE UM INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS PARA A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM

136 - MAPA DOS CONTEÚDOS COMPONENTES DE UM INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS PARA A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM
Cipriano Luckesi


No último post deste blog, escrevi a respeito dos conteúdos a serem levados em conta em uma prática de coleta de dados para a avaliação da aprendizagem. Então, recomendava, como primeiro cuidado: “servir-se de um ‘mapa’ daquilo que fora ensinado e que o estudante deveria ter aprendido; ‘nem mais nem menos que isso’. Perguntas para além ou para aquém do ensinado não ajudam a coletar dados para a realização de uma avaliação do desempenho do estudante”.

No presente texto, pretendo ampliar e aprofundar um pouco a compreensão dessa recomendação; e, em textos subsequentes, pretendo ampliar a compreensão a respeito das outras recomendações propostas para a elaboração de instrumentos de coleta de dados, em conformidade com texto anterior, de número 138, deste blog.

De modo usual, em nosso cotidiano escolar, não nos ocupamos de estar suficientemente atentos ao mapa de conteúdos que deve servir de pano de fundo para a elaboração do instrumento de coleta de dados para a avaliação da aprendizagem, seja ele um teste, um questionário, uma orientação para uma atividade prática, entre outras possibilidades.

Segue um exemplo usualmente presente em nosso cotidiano escolar.

Nos procedimentos de ensino da “adição”, em Matemática, seguimos aproximadamente os seguintes conteúdos: raciocínio aditivo, fórmula da adição, propriedades da adição, solução de problemas simples, solução de problemas complexos.

Como os temas iniciais parecem ser mais simples e fáceis, usualmente, nos testes em sala de aula eles nem aparecem. São elaboradas e propostas questões predominantemente relativas as operações com problemas mais complexos. Todavia, para operar com problemas mais complexos, importa que o estudante tenha adquirido as habilidades que subsidiam essa atividade de “solucionar problemas complexos”. Sem elas, não há como o estudante ter um desempenho adequado nas habilidades mais complexas.

Então, importa ao professor, em decorrência dos procedimentos avaliativos, ter ciência se o estudante adquiriu os conceitos, assim como as habilidades, no caso da adição, a respeito do uso do raciocínio aditivo, da utilização da fórmula da adição, de suas propriedades, assim como de sua aplicação na solução de problemas simples e também complexos. Afinal, foram esses os conteúdos trabalhados no ensino, em torno dos quais, como consequência, os estudantes deveriam ter adquirido compreensão e habilidades em seus usos.

A investigação avaliativa, afinal, tem como objetivo, permitir ao gestor da ação de ensino (professor/a) em sala de aula ter ciência se o estudante adquiriu, ou não, o conhecimento proposto, articulado com a habilidade correspondente. Se sim, ótimo; caso, contrário, importa ensinar de novo até que o estudante manifeste ter adquirido a habilidade necessária, à medida que tenhamos o desejo de que “todos” os estudantes sob nossa responsabilidade aprendam aquilo que ensinamos.

No processo do ensino escolar, como também de qualquer ensino, importa “conjuntamente” o ensinar-aprender. O “ensino” implica no seu correspondente “aprendizagem”. Não há ensino --- tendo em vista ser efetivamente ensino --- sem aprendizagem, nem aprendizagem sem ensino, mesmo que este provenha das lições da vida e não de um tutor, seja esse tutor uma pessoa ou recursos de comunicação (livros, tapes, dicionários...). Um ato de ensinar, sem uma aprendizagem, corresponde simplesmente a uma comunicação, não propriamente a um ensino, desde que este, em sua fenomenologia, “para efetivamente ser ensino”, exige uma aprendizagem correspondente.

Desse modo, como consequência dessa compreensão, a elaboração e uso de um instrumento de coleta de dados para a avaliação da aprendizagem por parte do estudante implica o uso de um “mapa” dos conteúdos ensinados, de tal forma que o educador em sala de aula possa ter ciência da efetiva aprendizagem, ou não, por parte de seus estudantes.

Caso os resultados da aprendizagem dos estudantes se manifestem positivos, ótimo; caso, se manifestem negativos e efetivamente desejamos que eles sejam positivos, o caminho metodológico é ensinar de novo, de novo e de novo, quantas vezes forem necessárias.

Em síntese, tendo em vista ter ciência, através do ato avaliativo da aprendizagem, se os estudantes efetivamente aprenderam o que fora ensinado, importa sempre, como “recurso prévio à elaboração de um instrumento de coleta de dados sobre a aprendizagem”, servir-se de uma mapa (um roteiro) do que fora ensinado como conteúdo essencial e que o estudante deveria ter aprendido, conjuntamente como informação/habilidade. Nada mais, nada menos que isso: um mapa do que fora ensinado e deveria ter sido aprendido.

Nos artigos subsequentes deste blog investiremos na compreensão de outras variáveis necessárias a serem levadas em conta na elaboração de instrumentos de coleta de dados para a avaliação da aprendizagem: linguagem compreensiva, correspondência entre ensinado e aprendido, precisão nas solicitações.

Desejo bons estudos!

sábado, 1 de agosto de 2020

135 – AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM ESCOLAR COMO INVESTIGAÇÃO DA SUA QUALIDADE


135 – AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM ESCOLAR COMO INVESTIGAÇÃO DA SUA QUALIDADE




O ato de avaliar a aprendizagem dos estudantes, no decurso de um ano letivo, é um ato de investigar a sua qualidade, tendo como consequência subsidiar decisões. Tenho insistido em textos anteriores deste blog que o ato de avaliar a aprendizagem se encerra quando a qualidade da aprendizagem do estudante é revelada. A decisão, com base no resultado dessa investigação, já não pertence mais ao ato de avaliar, mas sim ao ato de “tomar decisão” com base na qualidade revelada, seja ela positiva ou negativa. Temática já abordada em textos anteriores neste blog.

Epistemologicamente, para se chegar ao conhecimento da qualidade da realidade, decorrente de uma investigação avaliativa, importa dois passos: (01) a descritiva da realidade a ser avaliada e (02) a atribuição da qualidade à realidade investigada através da comparação da realidade descrita com um padrão de qualidade previamente assumido como satisfatório.

Tendo em vista “ter ciência da realidade” no que se refere à aprendizagem do estudante, importa ter presente que a aprendizagem se dá no interior da pessoa, cujo desempenho será qualificado; fator que implica na necessidade de coleta de dados, através de recursos que “convidem” o estudante a expressar aquilo que aprendeu, respondendo a perguntas, a situações problemas, apresentando demonstrações, desempenhos...

Estando em frente a uma pessoa, seja ela criança ou adulto, não há como ter ciência do que se passa dentro dela, a menos que ela revele, seja por suas posturas, seus estados de ânimo expressos através de condutas, gestos... ou por relatos a partir de indagações ou solicitações de desempenhos.

No caso da aprendizagem escolar, não há como ter ciência da qualidade --- positiva ou negativa --- da aprendizagem de um estudante, a menos que ele revele aquilo que vai por dentro de seu sistema cognitivo.

Para tanto, importa que quem pratica o ato avaliativo --- no caso da investigação da qualidade da aprendizagem do estudante ---, necessita servir-se de recursos que “convidem o estudante a revelar aquilo que ele aprendeu”, em termos dos conteúdos ensinados, de sua compreensão, das habilidades adquiridas, da capacidade de proceder aplicações do aprendido, assim como a capacidade de avaliar o conteúdo aprendido.

Em síntese, uma conduta aprendida permanece ancorada no sistema nervoso do aprendiz e só se revela se for investigada, através de uma solicitação pela qual ele revele que aprendeu o que fora ensinado ou que ainda não aprendera.

As perguntas de um teste, de uma entrevista, assim como a solicitação para o desempenho de uma tarefa com base em uma determinada aprendizagem, são recursos dos quais nos servimos para solicitar ao aprendiz que nos revele se já tem a posse daquilo que ensinamos com a qualidade necessária da referida aprendizagem.

Sem essa interlocução com o aprendiz --- no caso da escola, com o estudante --- não há como ter ciência se ele aprendeu, ou não, aquilo que fora ensinado. Essa interlocução pode dar-se verbalmente ou por escrito, em suas mais variadas modalidades. No caso, importa que o aprendiz revele sua aprendizagem, através de uma conduta que possa ser observada, seja realizando uma tarefa, seja respondendo a um instrumento de coleta de dados.

Para proceder a coleta de dados sobre o desempenho do estudante em sua aprendizagem, importa:

(01)    servir-se de um “mapa” daquilo que fora ensinado e que o estudante deveria ter aprendido; “nem mais nem menos que isso”. Perguntas para além ou para aquém do ensinado não ajudam a coletar dados para a realização de uma avaliação do desempenho do estudante;


(02)    uso de uma “linguagem compreensível” nos procedimentos de coleta de dados. O estudante necessita compreender o que se lhe pergunta. E, quando não compreende, importa auxiliá-lo a compreender o que se solicita. Impossível responder a uma pergunta se não se compreende aquilo que está sendo solicitado;

(03)    “compatibilidade entre ensinado e aprendido”, em termos de conteúdos e metodologias utilizadas. Se se ensina fácil, pergunta-se fácil; se se ensina de modo complexo, pergunta-se de modo complexo; se se ensina com uma linguagem sofisticada, pergunta-se com uma linguagem sofisticada. O mesmo ocorrendo com as metodologias utilizadas na prática de ensino dos variados conteúdos escolares. Por exemplo, se ensino Língua Portuguesa for realizado através de análise de texto, as perguntas deverão decorrer de análise de texto; se o ensino ocorrer por Gramática, perguntas características de gramática. Se o ensino História ocorrer de modo factual, perguntas factuais; se ensino se der por relações histórico-sociais, perguntas com características semelhantes. Se se deseja ter ciência se o estudante aprendeu o que fora ensinado, não se pode ensinar e uma forma e perguntar por outra;


(04)    precisão. As perguntas formuladas necessitam ter precisão, ou seja, a questão formulada deve explicitar as condições do entendimento e da resposta. Por exemplo: “O que fez D. Pedro I”. Certamente que esse personagem histórico brasileiro “fez muitíssimas coisas”; então, importa precisar, na pergunta, quando, onde, como..., a fim de que educador/avaliador e estudante compreendam uma determinada questão de modo equivalente. Fator que evita a dubiedade, afinal, uma condição inadequada tanto para o estudante como para o educador.

Só após esse instrumento de coleta de dados estar elaborado com essas quatro características metodológicas básicas é que pode ser utilizado para investigar a aprendizagem dos estudantes.

Após a aplicação do recurso de coleta de dados, há que se corrigir as respostas praticadas pelos estudantes através da comparação das mesmas com os conteúdos corretamente compreendidos (forma como devem ter sido praticados no ensino).

Usualmente, em nosso meio, os resultados dessa prática avaliativa são registrados notarialmente através de convenções numéricas --- notas escolares de zero (0,0) a 10,0 (dez) --- ou por símbolos alfabéticos --- tais como A, B, C, D, E ---, ou outra modalidade de registro.

No contexto deste escrito, importa insistir na necessidade dos cuidados metodológicos com o exercício do ato de avaliar.

Para este texto, bastam as considerações sobre a coleta de dados e a prática da atribuição de qualidade à aprendizagem dos estudantes. Em momento posterior, cuidaremos da questão do “uso dos seus resultados” , tendo em vista melhor desempenho seja na prática do ensino em sala de aula, seja da aprendizagem por parte dos estudantes.







domingo, 26 de julho de 2020

134 - AVALIAÇÃO COMO INVESTIGAÇÃO E BASE PARA SUCESSIVAS E AJUSTADAS DECISÕES


134 - AVALIAÇÃO COMO INVESTIGAÇÃO E BASE PARA SUCESSIVAS E AJUSTADAS DECISÕES
Cipriano Luckesi




Já sinalizei aqui, em post anterior, que existem três atos que todos os seres humanos, universalmente, praticam nos mais variados rincões do Planeta. São eles: (1) investigar o que é a realidade e como ela funciona; (2) investigar a qualidade da realidade; (3) tomar decisões e agir tendo por base os resultados das duas investigações anteriormente assinaladas. Esses três atos praticados por todos os seres humanos decorrem de sua constituição evolutiva.

No caso, o ato de avaliar a aprendizagem de nossos estudantes em sala de aula faz parte da segunda área de atuação do ser humano, assinalada acima, que é conhecer valores, qualidades, base para escolhas.

A avaliação da aprendizagem, no caso do ensino escolar, se realiza como um ato de investigar a qualidade da aprendizagem dos estudantes, revelando-a.  A “decisão de agir”, tendo por base o resultado revelado por essa investigação, já não pertence mais ao “ato de avaliar”, mas sim ao “ato de tomar decisões” e, em consequência, agir.

O ato de avaliar subsidia as decisões do sujeito da ação, que, com base no conhecimento da qualidade da realidade, escolhe tanto agir, como também o modo de agir.

Ao longo dos anos da escolaridade no Ocidente, do século XVI aos nossos dias, a avaliação da aprendizagem, vagarosamente, tornou-se independente em relação aos atos de planejar e executar o ensino em nossas escolas.

Nas “teorias pedagogias” propostas ao longo desse período, os atos avaliativos da aprendizagem sempre foram compreendidos como subsidiários dos atos de ensinar e aprender, Porém, vagarosamente na História Moderna, e, “sem estar assentada nas teorias pedagógicas” elaboradas e defendidas por correntes pedagógicas ou autores, os atos avaliativos praticados no sistema escolar e em nossas salas de aula foram se tornando independentes dos atos de ensinar e aprender.

Informo, porém, que, mesmo tendo buscado informações, não consegui identificar uma referência explícita entre os historiadores da educação assim como entre os historiadores da avaliação da aprendizagem a respeito da “data histórica” em que o ato de avaliar a aprendizagem na escola e o uso dos seus resultados para aprovar ou reprovar estudantes em seu percurso de escolaridade tornaram-se independentes dos atos pedagógicos de ensinar e aprender, como ocorre em nossos dias.

O professor José Carlos Libâneo --- em sua Dissertação de Mestrado, sob o título “A prática pedagógica de professores da escola pública”, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Educação, PUC/SP, cuja defesa ocorreu no ano de 1984 --- registrou, com base em depoimentos coletados junto a educadores escolares da cidade de São Paulo, o modo  independnte e autônomo como os atos avaliativos da aprendizagem eram praticados em sala de aula com relação às propostas pedagógicas anunciadas como orientadoras do ensino em sala de aula.

Com base nos depoimentos dos participantes da investigação, foi possível classificá-los em tradicionais, escolanovistas e tecnicistas; contudo, a prática avaliativa era realizada por todos os participantes da pesquisa de modo equivalente, ou seja, “exclusivamente” para aprovar/reprovar os estudantes em sua escolaridade.

Ainda que, do ponto de vista pedagógico, os participantes da referida investigação informassem orientar suas ações segundo uma determinada concepção pedagógica, e, por isso, se diferenciavam entre si, no que se referia às práticas avaliativas, todos agiam de forma equivalente, servindo-se das provas e dos exames, modalidade de conduta predominante em nossas atividades escolares.

No caso, vale observar que o período de tempo entre 1984, quando a coleta de dados para a investigação acima citada fora realizada, e a presente data, perfazendo um total de 36 anos, ocorre uma quantidade expressiva de anos do ponto de vista individual, mas não do ponto de vista histórico-social, desde que a sociedade demanda muito tempo para viabilizar uma mudança de conduta em grande número de pessoas.

A independência da prática avaliativa da aprendizagem em relação às proposições pedagógicas passou, no decurso do tempo em nosso cotidiano escolar, a representar um recurso de atemorização aos estudantes, tendo em vista supostamente levá-los a estudar e aprender. Todos nós, quando estudantes, tivemos medo em relação “às provas e aos exames”.

Nessas ocasiões, como expressão desse temor, tínhamos um suor frio entre nossos dedos ou em nossas axilas. Constantemente, ouvíamos na sala de aula expressões como: “Estudem! As provas vêm aí”. “Se preparem! Verão as questões que estou preparando para vocês responderem”. “Estão brincando?!... Verão no dia das provas...”. “Se preparem, as provas estão próximas”. Expressões que repercutiam --- e certamente ainda repercutem --- em nossos ouvidos, assim como em nossas residências e famílias.

Em texto anterior, no espaço deste blog, sinalizei que, na história da escola no decurso da Modernidade, não se encontra uma só teoria pedagógica que tenha prescrito o uso dos resultados da investigação avaliativa da aprendizagem escolar “exclusivamente” para os atos de aprovar/reprovar os estudantes nas séries da escolaridade organizacionalmente estabelecida, assim como não se encontra uma “teoria pedagógica, filosófica e cientificamente estabelecida,” que tenha proposto o uso das provas e dos exames como recursos importantes para “estimular os estudantes a se dedicarem aos estudos”. Mas, eu e todos os leitores deste texto, ao longo de nossa escolaridade, ouvimos recomendações semelhantes, e, certamente, já as utilizamos também repetindo inconscientemente aquilo que aconteceu com cada um de nós.

Foi o uso dos resultados da investigação avaliativa da aprendizagem exclusivamente para os atos de aprovar/reprovar os estudantes que conduziu ao desaparecimento no cotidiano escolar de sua compreensão como prática investigativa e base para decisões pedagógicas construtivas nos atos de ensinar e aprender, como estava proposto na “Ratio Studiorum” ou nas “Leges Scholae bene ordenate”, publicações já referenciadas em textos anteriores desse blog. Historicamente sobreviveu, de modo predominante, seu uso classificatório-probatório, possibilitando seu uso ameaçador.

A meu ver, nós, educadores escolares, fomos constituídos para o exercício de nossa atividade profissional --- para além de nossas formações acadêmicas --- no seio de práticas comuns cotidianas vivenciadas por todos nós a respeito do aprovar/reprovar. E, à medida que vivenciamos esse contexto, ele se tornou tão comum em nossas vidas de tal forma que nem mesmo nos demos --- ou não nos damos --- conta do significado epistemológico próprio do ato de avaliar. De modo simples e pelo senso comum, aprendemos que provas, exames e notas escolares são da forma que são, sem um aprofundamento conceitual, que sempre se faz necessário em nossas vidas.

Como consequência, o ato de avaliar a aprendizagem dos estudantes, ao longo do tempo, vem sendo praticado independente de sua característica investigativa e subsidiária de novas decisões construtivas, assumindo, dessa forma, uma característica exclusivamente classificatória-probatória. A prática cotidiana da avaliação da aprendizagem em nossas escolas não tem sido a de investigar a qualidade da efetiva aprendizagem dos estudantes em relação àquilo que fora ensinado e da forma que fora ensinado, tendo em vista reorientações, se necessárias.

Cabe, então, nesse contexto, assumir compreender e praticar a avaliação como investigação da qualidade dos resultados do ato pedagógico de ensinar em nossas escolas, cujo resultado deve subsidiar nossas decisões, seja para promover nossos estudantes na escolaridade, seja para reensiná-los, caso essa seja a necessidade, até que efetivamente aprendam e, por isso, se desenvolvam.

Caso se constate, através da avaliação, que a aprendizagem não tenha sido satisfatória, importa decidir por ensinar mais, e mais, nossos estudantes, à medida que o único resultado positivo de nossa ação de educadores escolares é que nossos estudantes efetivamente aprendam aquilo que ensinamos. Em outras profissões, buscar-se-ão outros resultados; na nossa, a aprendizagem de nossos estudantes.

A investigação avaliativa, que, no cotidiano escolar, denominamos de “avaliação”, é nossa parceira a nos avisar que investimos e nossos estudantes aprenderam, ou que investimos e somente parte de nossos estudantes aprenderam, ou que ensinamos e eles ainda não aprenderam.

Se desejamos, pois, que todos nossos estudantes aprendam e se desenvolvam como indivíduos e como cidadãos, a investigação avaliativa é nossa parceira a nos avisar a respeito da qualidade de suas aprendizagens, fator que nos possibilita tomar a decisão de considerar que já atingimos a qualidade desejada em sua aprendizagem ou de considerar que ainda não atingimos a qualidade necessária e, por isso, decidimos investir, mais e mais, para que todos os nossos estudantes possam manifestar ter aprendido satisfatoriamente aquilo que vieram aprender através de nossos atos pedagógicos em sala de aula. Então, poderemos nos dar por satisfeitos com nossa capacidade de ensinar.






quinta-feira, 16 de julho de 2020

133– AVALIAÇÃO A SERVIÇO DO SUCESSO NA APRENDIZAGEM DOS ESTUDANTES



133 – AVALIAÇÃO A SERVIÇO DO SUCESSO NA APRENDIZAGEM DOS ESTUDANTES
Cipriano Luckesi



O modelo de escola com ensino coletivo e simultâneo tem uma história de quase cinco séculos, de meados do século XVI aos nossos dias, e, durante esse período, de modo intermitente, variadas propostas pedagógicas sinalizaram a importância de cuidados a favor da aprendizagem satisfatória por parte de todos os estudantes.

No espaço desses quase quinhentos anos de História, naquilo que se refere à avaliação da aprendizagem, os exames escolares aparecem exclusivamente no seio de duas propostas pedagógicas, situadas no início desse longo período de tempo, sendo importante sinalizar que sua prática estava posta “para além” dos cuidados com a aprendizagem satisfatória por parte de todos os estudantes no decurso do ano letivo, estava posta ao seu final, como veremos a seguir.

A primeira dessas propostas foi a jesuítica, portanto, de vertente católica, cuja sistematização fora tornada pública em 1599, através do documento “Ratio atque institutio studiorum Societatis Jesus” (Ordenamento e institucionalização dos estudos na Sociedade de Jesus), usualmente conhecido por “Ratio Studiorum”.

E, a outra, a proposta de vertente protestante, que fora partilhada publicamente, de modo especial, pelas obras de John Amós Comênio, um bispo tcheco da Ordem dos Irmãos Morávios, sendo uma delas a “Didática magna”, cuja primeira versão é de 1632, na Língua Tcheca, vertida para a Língua Latina pelo próprio autor e publicada em 1657, e a outra denominada “Leis para a boa ordenação da escola”, datada de 1653. Esta última obra está constituída por uma normatização da educação escolar, através de prescrições sob a forma de itens, semelhante à forma de redação da “Ratio Studiorum”.

Os interessados em manusear e estudar esses documentos poderão, de um lado, servir-se da obra “O método pedagógico dos jesuítas --- O Ratio Studiorum: introdução e tradução”, da autoria do padre Leonel Franca,  Rio de Janeiro, Editora Agir, 1952, onde se encontra o texto do documento original traduzido do Latim para o Português  pelo autor dessa publicação; e, de outro lado, servir -se da obra “Leges scholae bene ordinatae”, relativa às prescrições para a organização escolar no seio da comunidade protestante, com tradução do Latim para o Italiano, realizada por Giuliana Limiti, sob o título de “Norme per un buon ordinamento delle scuole”, publicado em “Studi e Testi Comeniani”, Roma, Edizione dell’Ateneo, 1965, p. 47-107.


Na “Ratio Studiorum”, no que se refere ao ensino nas denominadas Classes de Estudos Inferiores, equivalentes ao hoje Ensino Fundamental no Brasil, os exames estavam prescritos para serem realizados “por uma única vez” no decurso do ano letivo, ao seu final.


Para o acompanhamento dos estudantes no decurso dos meses do ano letivo, havia a “Pauta do Professor”, uma Caderneta, contendo o nome de cada um dos estudantes da turma de alunos, na qual o professor deveria fazer anotações relativas às aprendizagens e condutas de cada estudante, assim como em relação aos seus progressos; anotações que, por sua vez, seriam obrigatoriamente utilizadas pela Banca de Exames, ao final do ano letivo, por ocasião dos exames escritos e orais. A Pauta do Professor era o recurso de acompanhamento e de registro da vida de cada estudante no decurso dos dias do ano letivo.


Nas obras de Comênio, que tratam da vida escolar, em especial na  Leges scholae bene ordinatae” (Leis para a boa ordenação da escola), está definido que, na escola, haveriam exames ao final de cada aula, ao final de cada dia de aula, ao final de cada semana, de cada quinzena, de cada mês, no meio e ao final do ano letivo.


Contudo, vale sinalizar que Comênio, nessa prescritiva constante de exames, entendia que haveria que ocorrer uma intermitência no seu uso tendo em vista sinalizar para os estudantes a necessidade e importância de estudar e aprender constantemente, afinal, no decurso de todas as aulas. Frente a essa recomendação, somente os exames semestrais e anuais seriam utilizados como base para as decisões de aprovação/reprovação dos estudantes em suas aprendizagens. Os exames diários, semanais, quinzenais, mensais tinham a função sinalizar para os estudantes a necessidade da atenção e dos cuidados necessários com os estudos e consequentes aprendizagens.


A “Didática magna”, por sua vez, é uma obra voltada mais para temas pedagógicos gerais, ainda que eventualmente faça referência à questão dos exames escolares.


Outros autores, ao longo da História Moderna, para além dos séculos XVI e XVII, como Johann Friedrich Herbart, final do século XVIII e início do XIX; Maria Montessori e John Dewey, final do século XIX e primeira metade do século XX;  Ralph Tyler, Benjamin Bloom, Norman Gronlund, segunda metade do século XX; todos propõem que os atos avaliativos da aprendizagem na escola sejam recursos utilizados para diagnosticar e tomar decisões a respeito do desempenho dos estudantes em seus estudos, tendo em vista a busca do seu sucesso e não como recurso de aprovação/reprovação nos anos de escolaridade.


Importa registrar que, em nossas escolas, no seu cotidiano, os exames escolares, quando praticados ao longo do ano letivo, recebem a denominação de provas --- como ocorre nas expressões: “provas semanais”, “provas mensais”, “bimensais” ... --- permanecendo a denominação de “exames” para sua prática ao final do ano letivo.


Frente aos registros anteriores, qual a origem da prática com a qual nos deparamos hoje em nossas escolas relativa ao uso permanente e sucessivo das provas e dos exames na vida escolar, tanto no decurso dos meses, como ao final do ano letivo?


Não tenho referência, por mais que tenha procurado, de quando e como se tomou a decisão do uso dos resultados das provas e dos exames de modo exclusivo para a arpovação/reprovação dos estuidantes escolares; evidentemente, se é que essa foi uma decisão tomada em um determinado momento no tempo. Parece ter sido uma prática que se tornou habitual, sem um marco temporal específico para seu início. Contudo, caso algum leitor tenha informação relativa “ao momento histórico em que passamos ao uso quase que exclusivo das provas e exames”, ficaria agradecido por essa informação.


O fato é que esse modo de agir com a prática das provas e dos exames, de modo quase que exclusivo em nossas escolas, emerge no decurso da sociedade moderna --- na qual, socialmente, os cidadãos estão classificados em classe alta, classe média e classe baixa, sendo que as grandes massas populacionais se encontram classificadas na classe baixa ---, repetindo o modelo das classes sociais, ou seja, poucos aprovados e muitos reprovados, o que significa poucos incluídos e muitos excluídos.


Nesse contexto, a universalização dos exames, também denominados de provas no decurso do ano letivo, parece ser uma prática instituída ao longo do tempo no seio do modelo social moderno no qual vivemos, sem um ponto específico no tempo, no qual teria sido tomada a decisão de agir segundo essa modalidade de conduta.


Provas e exames escolares, estatisticamente no Brasil, estão na base de uma larga exclusão social de estudantes via a escola, através de múltiplas e sucessivas reprovações, justificadas pelas baixas notas escolares obtidas no decurso do ano letivo. Evidentemente, uma larga exclusão social daqueles que tiveram a possibilidade de ingressar em nossas escolas, à medida que existe um quantitativo de crianças e adolescentes que nem mesmo tiveram ou têm acesso à escolaridade em nosso país.


Estatisticamente, de cada 100 crianças que ingressam na primeira série do Ensino Fundamental, em nosso país, 16 anos depois --- tendo passado pelas séries do Ensino Fundamental, pelos anos de escolaridade do Ensino Médio e pelos anos de estudos universitários --- em média, aproximadamente, 20 estudantes, ou menos que isso, obtém um diploma universitário, fator que representa uma devastadora exclusão social via a escola.


Então, se desejamos investir em um modo social inclusivo em nosso meio social com as contribuições da escola, importa que nós educadores escolares --- do Ensino Fundamental à Universidade ---, cuidemos da efetiva aprendizagem e consequente desenvolvimento de nossos estudantes.


Nesse contexto, a avaliação será a parceira de todos e de cada um de nós “a nos avisar” se nossas atividades de ensino estão produzindo os resultados desejados junto aos estudantes com os quais trabalhamos pedagogicamente, ou não. E, ter ciência daquilo que ocorre na realidade, em termos de sua qualidade, permite decidir, sendo necessário, a investir mais e mais na busca dos resultados desejados No caso do ensino, investir mais e mais em nossos estudantes para que efetivamente aprendam e se integrem na vida social com a melhor qualidade possível.


Em síntese a avaliação não deve estar posta, de modo autônomo, para aprovar/reprovar estudantes em nossas escolas, do Ensino Fundamental à Universidade, mas sim como nossa auxiliar --- nossa parceira --- a nos avisar se os estudantes, aos quais dedicamos nossos atos de ensinar, já atingiram o nível desejado de aprendizagem ou a nos avisar que eles “ainda não atingiram esse nível”, razão pela qual importa escolher investir mais, e mais, em sua aprendizagem, na busca da satisfatoriedade por parte de “todos” os estudantes que se encontram sob nossa responsabilidade.


No país, da pré-escola à Pós-graduação, somos aproximadamente dois milhões e quatrocentos mil educadores atuando em nossas escolas, da creche à universidade. Temos um poder em mãos que necessitamos reconhecer e utilizar em função da qualificação de todos, como seres humanos e como cidadãos, tendo em vista uma vida social saudável para todos.


A avaliação da aprendizagem, por si, não resolve essa ou qualquer outra questão pedagógica ou social, mas ela --- se praticada de modo adequado --- é a parceira a nos avisar a respeito do sucesso ou do insucesso de nossa atividade profissional, que está vinculada à aprendizagem e ao desenvolvimento de nossos estudantes.


Não é o ato avaliativo, que, por si, decide sobre a vida dos estudantes, mas sim nós os educadores, gestores de nossas salas de aula, que decidimos investir mais ou investir menos em suas aprendizagens. A aprendizagem é um fator essencial para desenvolvimento de cada um, assim como para sua integração social como cidadão.


A história nos convida a agir a favor da aprendizagem e a favor da consequente cidadania para todos que vivem nesse imenso país e a avaliação, no âmbito escolar, é a parceira a nos sinalizar --- a nós educadores escolares --- se estamos conseguindo contribuir para esse objetivo ou se importa investir mais e mais para que todos nossos estudantes aprendam, se desenvolvam e adquiram recursos formativos tendo em vista uma vida saudável para si mesmos e para todos.






domingo, 12 de julho de 2020

132 -- AVALIAR COMO UM DOS TRÊS ATOS UNIVERSAIS PRATICADOS PELO SER HUMANO


132 - AVALIAR COMO UM DOS TRÊS ATOS UNIVERSAIS PRATICADOS PELO SER HUMANO
Cipriano Luckesi





Josef-Léon Cardijn, fundador, em 1923, na Bélgica, da organização católica Juventude Operária Católica (JOC), estabeleceu como seu slogan “Ver, julgar e agir”. Esses três verbos representam os três atos universais que todo ser humano pratica cotidianamente, 24 horas por dia: “conhecer fatos e seu funcionamento”, “conhecer valores” e “agir”.

(01) “Ver” significa conhecer o que é a realidade e como ela funciona; (02) “julgar” significa investigar e reconhecer qual a qualidade da realidade; e (03) “agir”, significa, com base no conhecimento do que é e como funciona a realidade, assim como de sua qualidade, tomar decisões e agir.

Pois bem, o “ver” está comprometido com o conhecimento da realidade, estudando o que ela é, e seu funcionamento, seja pelo senso comum, seja pela ciência. Já  o ato de avaliar é o ato de investigar a qualidade da realidade, que traduz o ato de “julgar” do slogan da JOC, que, por sua vez, subsidia o “ato de tomar decisões e agir”. Desse modo, o ato de avaliar se realiza exclusivamente como um ato de investigar e revelar a qualidade da realidade. O “agir” pertence ao gestor da ação que, com base no conhecimento da qualidade da realidade, “toma decisões a respeito do que fazer, propriamente do agir”.

Tomando essa compreensão a respeito do ato de "investigar a qualidade" da realidade (avaliação) e, com base nos seus resultados investigativos, a consequente "tomada de decisões" (agir), facilmente chegamos à compreensão de que quem toma decisão não é o avaliador, mas sim o gestor da ação. A investigação avaliativa encerra sua ação no momento que revela a qualidade da realidade. E o uso dos resultados dessa investigação pertence ao âmbito de decisão do seu gestor.

Transpondo essa compreensão para as atividades de ensino-aprendizagem na escola e na sala de aula, onde múltiplos atos avaliativos ocorrem, importa que, no cotidiano, consigamos em nossas ações ter presente que esses dois atos --- avaliar e tomar decisão --- pertencem a dois diferentes personagens, ainda que praticados pela mesma pessoa. Um ato pertence ao avaliador --- investigar a qualidade da realidade --- e o outro ao gestor da ação --- tomar decisão.

O professor/a em sala de aula exerce os dois papéis: de gestor/a e de avaliador/a. Gestor/a da sala de aula, desde que responsável por "administrar" tudo o que ocorre nesse espaço pedagógico, mas ao mesmo tempo "avaliador/a", desde que o ato de avaliar pertence ao modo de ser de cada um de nós nas 24 horas do dia, como também em nossas ações profissionais. Avaliar e gerir são dois atos diferentes do mesmo personagem, que, no caso da sala de aula é o professor/a.

Na história da educação escolar, do século XVI para cá, vagarosamente o ato de avaliar, que ao longo desses anos se denominou “examinar”, deixou de ser um ato subsidiário dos atos de ensinar-aprender, como, de forma epistemologicamente adequada, se encontra exposto nos documentos pedagógicos dos séculos XVI e XVII, para ser exclusivamente um ato de aprovar/reprovar os estudantes.

Na “Ratio Studiorum”, documento de 1599, que ordenou a Pedagogia Jesuítica, havia a obrigação do uso da “Pauta do Professor”, uma caderneta na qual o professor deveria registrar diariamente, no decurso do ano letivo inteiro, a vida escolar de cada estudante. Esse era o recurso de “acompanhamento do estudante durante o ano letivo”. Os exames ocorriam por uma única, ao final do ano letivo, que, na Europa, ocorria antes das férias da Páscoa. Já John Amós Comênio --- em sua obra “Diática Magna”, publicada na língua tcheca em 1627, conhecida como “Didática Tcheca”, e traduzida para o latim pelo próprio autor. em 1657, sob o título “Didática Magna” --- propôs os exames escolares, que com mais especificação, foram configurados na obra “Leis para a boa ordenação da escola”, de 1653.

No caso, os exames escolares, na proposta comeniana, mais que uma forma de aprovar/reprovar, eram recursos a serem utilizados para estimular os estudantes a se dedicarem aos estudos e à aprendizagem. Propôs exames a serem praticados ao final de cada aula, ao final de cada dia letivo, ao final de cada semana. aos sábados (daí a denominação conhecida de todos nós, “sabatina”), de cada quinzena, de cada mês, de semestre em semestre e ao final do ano letivo. De fato, para a aprovação/reprovação subsidiavam os exames semestrais e anuais, os outros tinham como destino manter os estudantes atentos às suas aprendizagens.

O modelo do uso de exames com destino exclusivo à aprovação/reprovação dos estudantes em nossas escolas foi sendo constituído ao longo do tempo nos variados sistemas escolares, chegando a nós, seja como estudantes (que fomos), seja como professores (que somos).

Se efetivamente desejamos auxiliar “todos os nossos estudantes” a atingirem a maestria nas aprendizagens dos conteúdos com os quais trabalhamos no ensino, importa tomar um novo caminho --- diverso dos exames escolares conhecidos de nós todos --- vinculado ao conceito epistemológico do ato de avaliar, que é “subsidiar a busca do melhor resultado decorrente de nossa ação”.

É dessa forma que agimos no dia a dia. Sempre buscamos resultados positivos em nossas ações. Por que não na sala de aula? Católicos e protestantes dos séculos XVI/XVII investiram nisso. Qual a razão para não retomarmos a meta do sucesso da aprendizagem de “todos os nossos estudantes”?

O investimento nessa meta será saudável para todos para todos os nossos estudantes, nós como profissionais da educação institucional, assim como para a sociedade como um todo.

Se dessa forma agirmos, estaremos fazendo jus à epistemologia do ato de avaliar, que é subsidiar decisões adequadas tendo em vista a obtenção de resultados satisfatórios desejados decorrentes de nossas ações.