133 – AVALIAÇÃO A
SERVIÇO DO SUCESSO NA APRENDIZAGEM DOS ESTUDANTES
Cipriano Luckesi
O modelo de escola
com ensino coletivo e simultâneo tem uma história de quase cinco séculos, de
meados do século XVI aos nossos dias, e, durante esse período, de modo
intermitente, variadas propostas pedagógicas sinalizaram a importância de cuidados
a favor da aprendizagem satisfatória por parte de todos os estudantes.
No espaço desses quase
quinhentos anos de História, naquilo que se refere à avaliação da aprendizagem,
os exames escolares aparecem exclusivamente no seio de duas propostas
pedagógicas, situadas no início desse longo período de tempo, sendo importante
sinalizar que sua prática estava posta “para além” dos cuidados com a aprendizagem
satisfatória por parte de todos os estudantes no decurso do ano letivo, estava posta ao seu final, como veremos a seguir.
A primeira dessas
propostas foi a jesuítica, portanto, de vertente católica, cuja sistematização
fora tornada pública em 1599, através do documento “Ratio atque institutio
studiorum Societatis Jesus” (Ordenamento e institucionalização dos estudos na
Sociedade de Jesus), usualmente conhecido por “Ratio Studiorum”.
E, a outra, a proposta
de vertente protestante, que fora partilhada publicamente, de modo especial, pelas
obras de John Amós Comênio, um bispo tcheco da Ordem dos Irmãos Morávios, sendo
uma delas a “Didática magna”, cuja primeira versão é de 1632, na Língua Tcheca,
vertida para a Língua Latina pelo próprio autor e publicada em 1657, e a outra
denominada “Leis para a boa ordenação da escola”, datada de 1653. Esta última
obra está constituída por uma normatização da educação escolar, através de
prescrições sob a forma de itens, semelhante à forma de redação da “Ratio
Studiorum”.
Os interessados em
manusear e estudar esses documentos poderão, de um lado, servir-se da obra “O
método pedagógico dos jesuítas --- O Ratio Studiorum: introdução e tradução”,
da autoria do padre Leonel Franca, Rio
de Janeiro, Editora Agir, 1952, onde se encontra o texto do documento original
traduzido do Latim para o Português pelo
autor dessa publicação; e, de outro lado, servir -se da obra “Leges scholae bene
ordinatae”, relativa às
prescrições para a organização escolar no seio da comunidade protestante, com
tradução do Latim para o Italiano, realizada por Giuliana
Limiti, sob o título de “Norme
per un buon ordinamento delle scuole”, publicado em “Studi e Testi Comeniani”, Roma,
Edizione dell’Ateneo, 1965, p. 47-107.
Na “Ratio
Studiorum”, no que se refere ao ensino nas denominadas Classes de Estudos
Inferiores, equivalentes ao hoje Ensino Fundamental no Brasil, os exames
estavam prescritos para serem realizados “por uma única vez” no decurso do ano
letivo, ao seu final.
Para o
acompanhamento dos estudantes no decurso dos meses do ano letivo, havia a “Pauta
do Professor”, uma Caderneta, contendo o nome de cada um dos estudantes da
turma de alunos, na qual o professor deveria fazer anotações relativas às
aprendizagens e condutas de cada estudante, assim como em relação aos seus
progressos; anotações que, por sua vez, seriam obrigatoriamente utilizadas pela
Banca de Exames, ao final do ano letivo, por ocasião dos exames escritos e
orais. A Pauta do Professor era o recurso de acompanhamento e de registro da
vida de cada estudante no decurso dos dias do ano letivo.
Nas obras de
Comênio, que tratam da vida escolar, em especial na “Leges scholae bene ordinatae” (Leis para a boa ordenação da escola), está
definido que, na escola, haveriam exames ao final de cada aula, ao final de
cada dia de aula, ao final de cada semana, de cada quinzena, de cada mês, no
meio e ao final do ano letivo.
Contudo, vale sinalizar que Comênio, nessa
prescritiva constante de exames, entendia que haveria que ocorrer uma
intermitência no seu uso tendo em vista sinalizar para os estudantes a
necessidade e importância de estudar e aprender constantemente, afinal, no
decurso de todas as aulas. Frente a essa recomendação, somente os exames
semestrais e anuais seriam utilizados como base para as decisões de
aprovação/reprovação dos estudantes em suas aprendizagens. Os exames diários,
semanais, quinzenais, mensais tinham a função sinalizar para os estudantes a
necessidade da atenção e dos cuidados necessários com os estudos e consequentes
aprendizagens.
A “Didática magna”, por sua vez, é uma obra voltada
mais para temas pedagógicos gerais, ainda que eventualmente faça referência à
questão dos exames escolares.
Outros autores, ao longo da História
Moderna, para além dos séculos XVI e XVII, como Johann Friedrich Herbart, final do século XVIII e início do XIX; Maria Montessori e John Dewey,
final do século XIX e primeira metade do século XX; Ralph Tyler, Benjamin Bloom, Norman Gronlund, segunda metade do século XX; todos propõem
que os atos avaliativos da aprendizagem na escola sejam recursos utilizados
para diagnosticar e tomar decisões a respeito do desempenho dos estudantes em
seus estudos, tendo em vista a busca do seu sucesso e não como recurso de aprovação/reprovação nos anos de escolaridade.
Importa registrar que, em nossas escolas, no
seu cotidiano, os exames escolares, quando praticados ao longo do ano letivo,
recebem a denominação de provas --- como ocorre nas expressões: “provas
semanais”, “provas mensais”, “bimensais” ... --- permanecendo a denominação de
“exames” para sua prática ao final do ano letivo.
Frente aos registros anteriores, qual a
origem da prática com a qual nos deparamos hoje em nossas escolas relativa ao
uso permanente e sucessivo das provas e dos exames na vida escolar, tanto no
decurso dos meses, como ao final do ano letivo?
Não tenho referência, por mais que tenha procurado, de quando e como se
tomou a decisão do uso dos resultados das provas e dos exames de modo exclusivo para a arpovação/reprovação dos estuidantes escolares; evidentemente, se é que essa foi uma decisão tomada em um
determinado momento no tempo. Parece ter sido uma prática que se tornou habitual,
sem um marco temporal específico para seu início. Contudo, caso algum leitor tenha
informação relativa “ao momento histórico em que passamos ao uso quase que
exclusivo das provas e exames”, ficaria agradecido por essa informação.
O fato é que esse modo de agir com a prática
das provas e dos exames, de modo quase que exclusivo em nossas escolas, emerge
no decurso da sociedade moderna --- na qual, socialmente, os cidadãos estão
classificados em classe alta, classe média e classe baixa, sendo que as grandes
massas populacionais se encontram classificadas na classe baixa ---, repetindo o
modelo das classes sociais, ou seja, poucos aprovados e muitos reprovados, o que significa
poucos incluídos e muitos excluídos.
Nesse contexto, a universalização dos
exames, também denominados de provas no decurso do ano letivo, parece ser uma
prática instituída ao longo do tempo no seio do modelo social moderno no qual
vivemos, sem um ponto específico no tempo, no qual teria sido tomada a decisão
de agir segundo essa modalidade de conduta.
Provas e exames escolares, estatisticamente no
Brasil, estão na base de uma larga exclusão social de estudantes via a escola,
através de múltiplas e sucessivas reprovações, justificadas pelas baixas notas
escolares obtidas no decurso do ano letivo. Evidentemente, uma larga exclusão
social daqueles que tiveram a possibilidade de ingressar em nossas escolas, à
medida que existe um quantitativo de crianças e adolescentes que nem mesmo
tiveram ou têm acesso à escolaridade em nosso país.
Estatisticamente, de cada 100 crianças que
ingressam na primeira série do Ensino Fundamental, em nosso país, 16 anos
depois --- tendo passado pelas séries do Ensino Fundamental, pelos anos de
escolaridade do Ensino Médio e pelos anos de estudos universitários --- em
média, aproximadamente, 20 estudantes, ou menos que isso, obtém um diploma
universitário, fator que representa uma devastadora exclusão social via a
escola.
Então, se desejamos investir em um modo social
inclusivo em nosso meio social com as contribuições da escola, importa que nós
educadores escolares --- do Ensino Fundamental à Universidade ---, cuidemos da
efetiva aprendizagem e consequente desenvolvimento de nossos estudantes.
Nesse
contexto, a avaliação será a parceira de todos e de cada um de nós “a nos
avisar” se nossas atividades de ensino estão produzindo os resultados desejados
junto aos estudantes com os quais trabalhamos pedagogicamente, ou não. E, ter ciência daquilo que ocorre na realidade, em termos de sua qualidade, permite decidir, sendo necessário, a investir mais e mais na busca dos resultados desejados No caso do ensino, investir
mais e mais em nossos estudantes para que efetivamente aprendam e se integrem
na vida social com a melhor qualidade possível.
Em síntese a avaliação não deve estar posta,
de modo autônomo, para aprovar/reprovar estudantes em nossas escolas, do Ensino
Fundamental à Universidade, mas sim como nossa auxiliar --- nossa parceira --- a
nos avisar se os estudantes, aos quais dedicamos nossos atos de ensinar, já
atingiram o nível desejado de aprendizagem ou a nos avisar que eles “ainda não
atingiram esse nível”, razão pela qual importa escolher investir mais, e mais, em
sua aprendizagem, na busca da satisfatoriedade por parte de “todos” os
estudantes que se encontram sob nossa responsabilidade.
No país, da
pré-escola à Pós-graduação, somos aproximadamente dois milhões e quatrocentos
mil educadores atuando em nossas escolas, da creche à universidade. Temos um
poder em mãos que necessitamos reconhecer e utilizar em função da qualificação
de todos, como seres humanos e como cidadãos, tendo em vista uma vida social
saudável para todos.
A avaliação da
aprendizagem, por si, não resolve essa ou qualquer outra questão pedagógica ou
social, mas ela --- se praticada de modo adequado --- é a parceira a nos avisar
a respeito do sucesso ou do insucesso de nossa atividade profissional, que está
vinculada à aprendizagem e ao desenvolvimento de nossos estudantes.
Não é o ato
avaliativo, que, por si, decide sobre a vida dos estudantes, mas sim nós os
educadores, gestores de nossas salas de aula, que decidimos investir mais ou
investir menos em suas aprendizagens. A aprendizagem é um fator essencial
para desenvolvimento de cada um, assim como para sua integração social como
cidadão.
A história nos
convida a agir a favor da aprendizagem e a favor da consequente cidadania para
todos que vivem nesse imenso país e a avaliação, no âmbito escolar, é a
parceira a nos sinalizar --- a nós educadores escolares --- se estamos
conseguindo contribuir para esse objetivo ou se importa investir mais e mais
para que todos nossos estudantes aprendam, se desenvolvam e adquiram recursos
formativos tendo em vista uma vida saudável para si mesmos e para todos.