sexta-feira, 17 de outubro de 2014

67 - Avaliação e seleção: fenômenos diversos


Texto publicado anteriormente no Terra Blog, em 14/4/2008
Cipriano Luckesi



O ato de avaliar incide sobre a aprendizagem e o de selecionar sobre o aprendido. A diferença parece ser pequena, contudo fundamental. Enquanto a aprendizagem se realiza como processo de aprender, o aprendido é resultado desse processo. Por isso, se diz que a aprendizagem é processo e o aprendido é produto.

O processo avaliativo da aprendizagem tem por função investigar a qualidade do que foi aprendido, diante de um determinado critério, revelando tanto o que foi aprendido como aquilo que ainda falta aprender e que, por isso, é necessário que seja reensinado, o que, por si, conduz às atividades de intervenção caso se deseje obter o melhor resultado possível. Assim, a avaliação da aprendizagem está comprometida com a construção da própria aprendizagem. Ela incide sobre o que está acontecendo com o aprendiz.

A seleção, com base nas competências de um determinado sujeito numa determinada área de conhecimentos, reveladas através de procedimentos de coleta de dados sobre seu desempenho (testes, provas…), tem a função de distinguir e separar os admitidos dos não admitidos. A seleção está comprometida com o aprendido, com aquilo que já aconteceu, e incide, portanto, sobre o passado (= aquilo que já foi aprendido). Ninguém é selecionado para um emprego, por exemplo, exatamente porque ele não detém os conhecimentos procedimentos dessa atividade; ao contrário, é o aprendizado já realizado que o faz competente o suficiente para ser selecionado.

Os instrumentos para a coleta de dados para a avaliação, como para a seleção, podem ser os mesmos, a diferença entre os dois procedimentos, no entanto, está na finalidade de cada um deles, mais precisamente, na leitura que se fará desses dados: a avaliação coleta dados para proceder a um diagnóstico da situação presente do aprendiz, tendo em vista sua reorientação, se necessária; a seleção coleta dados sobre o aprendido pelo candidato (suas habilidades, competências, atitudes), tendo em vista classificá-lo em aceito ou não-aceito, polaridade esta que equivale a outras, tais como em aprovado/reprovado, admitido/não-admitido.

Essas distinções nos permitem perceber que, quando um estudante vem para a escola (para a sala de aulas), ele não vem como candidato a uma vaga (no serviço público, numa empresa, ou como candidato a uma bolsa de estudos…) ou a um lugar num concurso qualquer (miss, mister, cantor…). De fato, ele já tem uma vaga, já tem o seu lugar. Na escola, ele tem o lugar de aprendiz. Nessa condição, o que ele demanda é ser ensinado para que aprenda, diferentemente de ser selecionado.

Retomando os conceitos: avaliar a aprendizagem é diagnosticar o desempenho do educando para construir o melhor resultado, tendo por base o presente e o futuro; selecionar é classificar o candidato dentro de uma escala de valores, que tem um grau, a partir do qual se aprova e admite e, aquém do qual, se reprova e se exclui.

Nesse contexto, na escola, espaço de ensino e aprendizagem, a seletividade não faz sentido; também, num concurso, espaço de seletividade, a avaliação não faz sentido. O estudante vem à escola para aprender e não para ser selecionado; num concurso, um candidato se submete a ele para ser selecionado e não para aprender.

Assim sendo quando alguém diz “naquele concurso não houve nada de avaliação”, de fato, num concurso, não tem mesmo que haver nada de avaliação, no sentido de diagnóstico e intervenção para a melhoria da aprendizagem, pois que quem se submete a um concurso está dizendo: “Eu possuo conhecimentos e habilidades suficientes e satisfatórios nessa área para a qual concorro a uma vaga”. Fato este que nos permite compreender que, usando os conceitos, que vimos utilizando, de exames escolares e de avaliação escolar, podemos dizer que num concurso seus administradores devem se servir dos exames (que são classificatórios e seletivos) e não da avaliação (que é diagnóstica e construtiva). Ao contrário, na sala de aula, os educadores devem se servir da avaliação e não dos exames escolares.

A clareza sobre esses fenômenos, e suas respectivas compreensões, podem nos ajudar a praticar cada ato de modo adequado a sua finalidade.

Cipriano Luckesi






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