quinta-feira, 2 de outubro de 2014

45 - Notas escolares ponderadas


Texto publicado anteriormente no Trra Blog, em Salvador, 02 de julho de 2013
Cipriano Luckesi

No texto anterior, neste blog, intitulado — “As distorções epistemológicas e práticas presentes nas notas escolares” —, tratei de duas distorções que ocorrem na prática de atribuir notas aos desempenhos dos estudantes em suas aprendizagens no seio da escola.

No presente texto, desejo tratar das “médias ponderadas”.

Para melhor compreender o conteúdo deste texto, seria de todo importante a leitura do anterior, neste mesmo blog.

A “média ponderada” apresenta distorção semelhante à “média simples”, porém com algum agravante.

Na prática da média simples de notas escolares, juntamos o que não deve ser juntado, isto é, (01) praticamos o salto indevido de “qualidade” para “quantidade de qualidade”, servindo-nos de “notas” como “quantidades de qualidades”, por isso, tendo a possibilidade de fazer médias; (02) através da média de notas, expressamos fazer média entre aprendizagens de conteúdos diferentes, tornando-os equivalentes, quando são diversos (ver texto anterior neste blog).

média ponderada acrescenta, a esse viés, um agravante que é proceder a uma distinção de conteúdos com maior ou menor valor entre os ensinados e aprendidos.

Ora, o planejamento de uma unidade de ensino tem por objetivo definir o que importa (por parte do professor) ensinar e o que importa (por parte do estudante) aprender. Então, nesse contexto, não existem conhecimentos de maior ou menor importância, todos devem ser igualmente importantes, numa sequência, os primeiros dando suporte aos seguintes.

Todavia, se todos são importantes na sua própria abrangência, como se pode estabelecer uma ponderação entre eles, tornando uma mais importante que outro? Que critério seria utilizado para escolher que este conteúdo é “mais importante” que aquele outro, se todos eles foram selecionados por sua importância dentro do todo a ser ensinado e aprendido?

Em minha infância e adolescência, nos anos 1950 e 1960, vivi essa prática na escola. Havia ponderação nas notas dentro de uma unidade de ensino, como havia uma ponderação nas notas entre as unidades de ensino (hoje, denominadas de bimestre ou trimestre, em conformidade com o regime de cada escola).

As ponderações das notas dentro de uma unidade de ensino dependiam das decisões do professor da matéria escolar, tendo presente o que ele considerava, mais ou menos, importante naquilo que ensinava naquele período. Já as ponderações das notas das unidades de ensino eram de responsabilidade da instituição escolar.

Nossas notas eram ponderadas da seguinte forma: o ano letivo era dividido em quatro bimestres; o primeiro bimestre tinha peso 1; o segundo, peso 2; o terceiro, peso 3; e o quarto, peso 4; que, no total de pesos, chegava-se a 10. Qual era o critério para a atribuição desses pesos?

Supostamente que os estudantes, quanto mais avançavam no ano letivo, mais amadurecidos deveriam estar para cuidar de suas aprendizagens. Um critério totalmente externo a qualquer qualidade dos conteúdos. Então, para nós estudantes, não valia muito a pena um grande esforço nas aprendizagens no primeiro bimestre, pois que tinha peso “1”; porém, valia apena “dar um duro” no quarto bimestre, pois que ele tinha o peso “4”.

Um exemplo ajuda a perceber a distorção daquilo que ocorreu em minha vida escolar e pode ocorrer em qualquer prática de ponderação de notas.

Notas de dois estudantes relativas aos quatro bimestres com seus pesos: peso 1 para o primeiro bimestre, peso 2 para o segundo, peso 3 par ao terceiro, e peso 4 para o quarto bimestre. Observar a tabela abaixo com o uso desses pesos por bimestre.

Es
Bimestre 1  
Bimestre 2  
Bimestre 3
Bimestre 4
Total
1
3.1 = 3
5.2 = 10
7.3 = 21
9.4 =36
70/10=7.0
2
10.1 = 10
10.2 = 20
8.3 = 24
4.4 = 16
70/10=7.0


Ambos os estudantes têm média final 7.0 (sete), ambos aprovados, porém suas aprendizagens em relação aos conteúdos, ensinados e que deveriam ser aprendidos em cada bimestre, são completamente diversas. O primeiro inicia em baixa e cresce com o andamento do ano letivo; o segundo inicia o ano letivo em alta e decai com o passar do tempo.

A qualidade final da aprendizagem de ambos, nessa determinada disciplina, a se levar em conta a média ponderada das notas obtidas nos quatro bimestres letivos, é a mesma ou equivalente (7,0). Contudo, se se prestar atenção aos conteúdos ensinados em cada um dos bimestres, as qualidades das aprendizagens desses dois estudantes são completamente diversas, ainda que a média final seja a mesma.

O ideal, do ponto de vista da aprendizagem e da formação da competência de cada um, é que expressassem  a “qualidade” 7,0,  em cada um dos bimestres, ou seja, em cada uma das unidades de conteúdos ensinados e aprendidos. Aqui estar-se-ia levando em conta a qualidade das aprendizagens em cada uma das quatro unidades de conhecimentos e não a indevida “média de notas”.

No texto anterior, abordei duas das distorções possíveis nas notas escolares — transformação da “qualidade” em “quantidade de qualidade” e “média de notas”; aqui, abordei uma terceira, a “ponderação das notas, tendo em vista obter uma média”.


No próximo texto, abordarei o tema: “Então, como atribuir notas, se essa é a prática em nossas escolas?”





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