quinta-feira, 2 de outubro de 2014

46 - Avaliação e fracasso escolar

Cipriano Luckesi
Texto publicado anteriormente no Terra Blog, Salvador, 24 de abril de 2014


Aqui e acolá, recebo um pedido de ajuda e orientação para trabalhos de conclusão de curso de graduação, assim como para dissertações de mestrado e teses de doutoramento na área da avaliação da aprendizagem. Por vezes, os temas que estão propostos para serem abordados tem vínculos com “uma abordagem crítica da prática avaliativa em nossas escolas” e, usualmente, configura a possibilidade de estudar a forma como a avaliação da aprendizagem influencia no fenômeno do fracasso escolar.

Sempre que respondo a essas indagações, procuro mostrar e demonstrar que a avaliação, por si, não pode ser um fator interveniente para o negativo.

O ato de avaliar — efetivamente praticado com rigor metodológico e ético — tem por meta exclusiva revelar a qualidade da realidade. Caso não seja praticado com essas características metodológica e ética, o desvio não pode ser atribuído ao ato de avaliar, mas sim ao avaliador, que pode usar de modo inadequado ou de modo insatisfatório os recursos da avaliação.

Contudo, o mais comum — no contexto dessas abordagens — é a confusão desavisada entre os atos de avaliar e de examinar na prática educativa institucional.

Então, nesse contexto, por vezes, nos deparamos com escritos e estudos que abordam a “influência da avaliação no fracasso escolar”, quando, de fato, estão abordando a “influência dos exames no fracasso escolar”. São atos completamente diferentes, ainda que parecidos.

O ato de examinar tem como meta classificar o educando e, em função dessa classificação, aprová-lo ou reprová-lo, portanto, preserva para si a possibilidade da exclusão. A avaliação, por seu turno, tem como objetivo diagnosticar do desempenho do educando (revelar a sua qualidade), criando uma base segura para decisões de reorientação ou re-ensino até que o educando aprenda o que deve aprender.

Os exames, através da classificação, são estáticos e excludentes; a avaliação, através de sua prática investigativa da qualidade da realidade, é diagnóstica e inclusiva.

Então, ocorre que, por vezes, em variadas dessas abordagens críticas sobre a avaliação da aprendizagem, por um desvio conceitual, os seus autores estão se referindo ao papel dos exames escolares e não propriamente ao papel da avaliação.

Historicamente, os exames escolares passaram a fazer parte da escola — “que conhecemos hoje” —, desde que se ela iniciou nos alvores da modernidade (séculos XVI e XVII). Por isso, eles parecem pertencer “naturalmente” à vida escolar. Todavia, eles tem uma história, que se iniciou e, em algum dia, terão seu fim.

Por outro lado, também de forma histórica, iniciamos a falar em avaliação da aprendizagem em um determinado momento histórico, em torno da década de 1930, nos Estados Unidos; no Brasil, em torno de 1970. Contudo, a avaliação — como investigação da qualidade da realidade do desempenho do educando, como base para uma intervenção de melhoria nos resultados — ainda não se tornou uma prática massiva em nossas escolas, como os exames já se tornaram. Fator que nos impede de perceber a avaliação como um “fenômeno natural” em nossas escolas.

Frente a isso, muitos pesquisadores e autores de artigos críticos sobre a avaliação da aprendizagem afirmam estar focando seus estudos sobre atos avaliativos, quando, de fato, estão focando sobre atos examinativos. Do que, então, decorre o desvio. Utilizamos o termo avaliação quando deveríamos estar utilizando a expressão exames escolares.

Cabe observar ainda que, nesse contexto, por vezes, também se usa a expressão “avaliação tradicional” para expressar o que são os exames escolares. Não existe, nem existiu, “avaliação tradicional”. Existiram, sim, e existem ainda, os exames escolares como uma prática histórica do século XVI aos nossos dias.

Então, como leitores, necessitamos estar atentos para verificar se os autores que estamos lendo estão falando de avaliação, no seu conceito estrito, ou se estão falando de exames escolares, confundindo-os com o conceito de avaliação da aprendizagem.

Recentemente, estive dialogando com uma estudante de pedagogia de determinada universidade brasileira que tinha como tema de seu projeto de investigação “a influência da avaliação no fracasso escolar presente no ensino fundamental”. Ela não compreendia que a avaliação — que subsidia o sucesso, caso seja praticada com rigor metodológico e ético — não poderia gerar o fracasso, do qual desejava tratar, desde que havia lido em vários autores a compreensão de essa fenomenologia se dava no seio da educação brasileira. Após idas e vindas, compreendeu que seu tema de estudo era “a influência dos exames no fracasso escolar presente no ensino fundamental”. Aqui, chegamos a um acordo de compreensão e foco de trabalho investigativo.


Os resultados da prática educativa — individual e coletiva — serão bem diversos se o recurso de acompanhamento da aprendizagem do educando for exames ou avaliação, ambos praticados com rigor metodológico e ético. Com uma efetiva prática avaliativa não se pode caminhar para o fracasso, à medida que ela é diagnóstica e inclusiva, voltada para a construção de resultados bem sucedidos; contudo, com os exames escolares, podem-se, sim, ir em direção ao fracasso, à medida que são classificatórios e excludentes; consequentemente, estáticos no que se refere à possibilidade de subsidiar novas intervenções na realidade. Os exames, por serem exames, não contemplam essa possibilidade. Eles são taxativos.





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