quinta-feira, 2 de outubro de 2014

35 - Avaliação de larga escala e diversidades regionais e locais

Texto publicado anteriormente no BLOG Terra  em 4/1/2013
Cipriano Luckesi
Salvador, 04 de janeiro de 2013.

Inicio este texto por declarar que não sou um profissional vinculado ao Ministério da Educação na área de avaliação institucional. Sou somente um estudioso do assunto avaliação educacional. Isto posto, segue-se o entendimento que tenho sobre algumas observações que circulam nos meios de comunicação a respeito dos resultados das práticas avaliativas no âmbito da educação nacional.

Tenho acompanhado pela imprensa escrita vários comentários de que os resultados das avaliações de larga escala do sistema nacional de ensino, praticadas pelo MEC, não apresentam validade suficiente, seja para a qualificação do próprio sistema nacional de ensino, seja para tomadas de decisão especialmente no que se refere às limitações de funcionamento de instituições e/ou cursos.

Nesse caso, uma das questões que, usualmente, é posta tem a ver com o fato de que os instrumentos de coleta de dados sobre desempenho dos educandos não são suficientemente sensíveis para captar as diferenças regionais e locais.
De fato, ocorre dessa forma e nem poderia ser de outra, como se pode compreender.

Do ponto de vista científico, seria impossível elaborar um instrumento genérico de coleta de dados que pudesse ter sensibilidade suficiente para captar a realidade nacional, ao mesmo tempo que as nuanças das diversidades regionais e locais, configuradas sob as mais variadas características socioculturais.

No caso, importa observar que, no que se refere ao ensino, nos currículos de todos os níveis de ensino existe um núcleo de conteúdos (informações, habilidades e competências) denominado de "currículo nacional", ao lado de um núcleo de conteúdos denominado de “currículo regional e local”.

Os instrumentos de coleta de dados para uma avaliação em larga escala no país incidem sobre os conteúdos curriculares denominados nacionais e não sobre os regionais ou locais.

Isso implica também, de outro lado, que as instituições de ensino, em suas atividades próprias, tenham presente essa realidade e garantam o devido cuidado no ensino e na aprendizagem dos referidos conteúdos nacionais, ao lado de garantir ensino e aprendizagem de conteúdos regionais e locais. Os conteúdos denominados nacionais — decorrentes das ciências contemporâneas — são os mais abrangentes e necessários à formação do educando, integrados no mundo contemporâneo. O que, de forma alguma, implica no abandono dos conteúdos regionais e locais.

O regional e local são necessários para vincular cada educando ao seu meio próximo, porém o universal é fundamental para vinculá-lo aos mais sofisticados conhecimentos elaborados pelo ser humano na contemporaneidade, tendo em vista atender as suas mais variadas necessidades. O denominado “currículo nacional” é o pano de fundo para os processos acadêmicos de ensino aprendizagem. Segundo Antônio Gramsci, esse é o recurso de universalização de nossas consciências.

Em Língua e literatura nacional, ele lembra que é importante aprender um dialeto (lembrar que ele é um italiano e, na Itália, os dialetos regionais e locais são muitos), mas, mais importante ainda é aprender o italiano, como língua nacional, que permite entrar em contato com a cultura nacional, mais ampla que a cultura local expressa pelos dialetos. Isso implica em ultrapassar as compreensões menos amplas expressas pelo regional e local e caminhar na direção do universal, sem, evidentemente, que se perca os vínculos com o regional e com o local. É um processo de “superação por incorporação”. Supera-se o regional e o local, incorporando-os no todo da cultura de cada um e do coletivo; de forma alguma, não excluindo-os.

No caso da avaliação do sistema nacional de ensino, as diversidades socioculturais só poderiam ser atendidas num instrumento de coleta de dados, caso houvesse uma prática de avaliação para cada um dos campos socioculturais definidos: um nacional, um regional e, quiçá, também um local. Seriam necessários variados instrumentos de coleta de dados, pois que as diversidades regionais e locais são muitas e, pois, não haveria possibilidade de um único instrumento atender a todas essas nuanças.

Então, o instrumento de coleta de dados adotado para a avaliação do sistema nacional de ensino, não podendo levar em consideração as diferenças de aprendizagens sobre conteúdos regionais e locais, opta pelo “núcleo nacional do currículo”.

Ele coleta dados sobre os desempenhos dos estudantes caracterizados como os necessários diante da ciência e da tecnologia nacional, que, por sua vez, traduz a produção internacional de conhecimentos e de tecnologia. Afinal, ciência e tecnologia não se configuram como regionais ou locais.
Esse fato deve servir de orientação e exigência para que lideranças administrativas e acadêmicas de escolas e cursos (de qualquer nível de ensino) estejam atentas ao investimento na qualidade de ensino no que se refere aos três níveis de conteúdo, sem descuidar, de forma alguma, do “nacional”, como pano de fundo necessário para a consistência das aprendizagens inclusivas também da cultura regional e local.

Assim ocorrendo, haverá compatibilidade entre o que é ensinado, o que é aprendido e o que é avaliado. Isso não se dá dessa forma devido aos profissionais do Ministério da Educação o desejarem por capricho, mas sim devido a realidade do processo sociocultural e educativo dar-se dessa forma. Afinal, a ciência só pode ser ciência frente aos ditames da realidade.

Por outro lado, tenho observado também argumentos no sentido de que, ao se levar em conta os resultados da aprendizagem dos educandos nos diversos níveis de ensino, assim como nos diversos cursos, não se estaria praticando uma coleta de dados confiável para a avaliação institucional e do sistema nacional de ensino.
Então, nesse contexto, se diz de modo genérico que as condições e as atuações institucionais são mais amplas do que a aprendizagem dos educandos. E, então, se acresce a afirmação de que muitos estudantes não estão preocupados em cuidar de responder a esses instrumentos de coleta de dados de forma adequada, à medida que os resultados não interfeririam em suas vidas pessoais.
Nesse âmbito de entendimentos, importa dizer, sim, que os resultados do desempenho do estudante efetivamente revelam o desempenho da instituição. 
“A árvore é reconhecida por seus frutos” diz o ditado.

Que adiantariam excelentes espaços físicos e a melhor e mais avançada tecnologia, se os estudantes, que são o objetivo final de uma instituição de ensino, não se capacitam efetivamente? Seria muito semelhante a uma empresa destinada a produzir determinado produto, que não consegue colocá-lo no mercado. A finalidade principal deixa de ser cumprida.

Por outro lado, supondo que pesquisa e extensão sejam atividades nas quais uma determinada instituição de ensino investe, que adiantaria ter sucesso nessas atividades, se as de ensino (atividades-fim de uma instituição de ensino) não atingem os resultados necessários?

Pode-se argumentar ainda que os estudantes não cuidam dessa avaliação. Então, cabe perguntar: o que tem feito a instituição de ensino que não lhes ensina a cuidar também desse aspecto? A educação implica em ensino-aprendizagem de conteúdos cognitivos, afetivos e psicomotores. A faceta afetiva necessita de ser cuidada em qualquer prática de ensino e aquiescer em colaborar com um processo avaliativo, que é um aliado da melhoria da circunstância de vida na qual se está investido, está comprometido com essa área de condutas.

Em síntese, acredito que todos necessitamos de escutar a voz das avaliações e, aliados a elas, encontrarmos melhores soluções para a vida.  A resistência aos resultados das avaliações não nos permite aprender para melhorar.

Avaliação não é uma condenação, mas sim diagnóstico, a partir do qual se pode e se deve buscar soluções inovadoras, saudáveis e, ao mesmo tempo, consistentes.







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