sexta-feira, 17 de outubro de 2014

63 - A questão da certificação na prática escolar


Texto publicado anteriormente no Blog Terra, em 9/4/2008.
Cipriano Luckesi



A instituição escolar e a sociedade necessitam do testemunho do educador, que ensina e acompanha um conjunto de educandos no seio da sala de aula, sobre sua aprendizagem; melhor ainda, sobre a satisfatoriedade de sua aprendizagem. Isso significa que o educador e a instituição, para a qual ele trabalha, certificam a efetiva aprendizagem do educando ou dos educandos.

Na prática escolar tradicional isso é feito através da classificação dos educandos decorrente dos atos examinativos, que são classificatórios e, por assim serem, possibilitam, levando em consideração o seu passado de estudos e aprendizagem revelados nas provas, certificá-los, o que quer dizer “testemunhar que eles aprenderam o suficiente, segundo as exigências curriculares”.

Como isso pode ocorrer com a avaliação, se ela está voltada para o diagnóstico e, conseqüentemente, para o futuro? A certificação, decorrente do uso dos processos avaliativos na escola, tem sua base exatamente na satisfatoriedade do desempenho, atingida pelo educando.

A diferença está no fato de que os exames têm uma faceta passiva — certifica o estudante pelo que ele já fez; contudo, a avaliação tem uma faceta ativa — certifica o educando através de sua autoconstrução, chegando ao nível da satisfatoriedade. O exame se entrega ao que já aconteceu; a avaliação investe em modificar o que está acontecendo para se chegar ao nível satisfatório dos resultados.

Então, pode-se perguntar — que é muito comum entre os educadores: “Então, eu devo facilitar a vida do estudante?” Não é isso o que se propõe com o processo avaliativo, mas sim auxiliar o educando a chegar ao ponto necessário de satisfatoriedade na sua aprendizagem. Enquanto no ato de examinar se espera que o estudante tenha aprendido e que revele essa aprendizagem, caso contrário lhe é atribuída a reprovação, no ato de avaliar se investe para que o estudante aprenda o necessário e revele o resultado positivo desse processo.

Afinal, são dois modos diferentes de certificar (testemunhar) a aprendizagem do educando: uma, pelo que ele fez por si mesmo, tendo por base as atividades didáticas realizadas em sala de aula; a outra, pelo investimento do educador para que ele chegue ao nível de satisfatoriedade que permita a certificação de que ele aprendeu e está minimamente apto nesse conteúdo (conhecimento, procedimento, atitude).

Assim sendo, a certificação da aprendizagem do educando sempre será necessária como o testemunho do educador de que esse determinado estudante foi ensinado e acompanhado por ele e isso tanto pode decorrer de um ato examinativo ou avaliativo, com a diferença de que, através do ato examinativo, a certificação decorre de que a aprendizagem tenha sido realizada pelo educando com os seus esforços pessoais (o educador já deu as aulas, o resultado depende do investimento pessoal do educando), diversamente, através do ato avaliativo, a certificação decorre do investimento do educador e do educando na conquista do resultado satisfatório; aqui, o educador investiga a qualidade do resultado que está ocorrendo em decorrente da ação pedagógica para, então, se necessário, proceder reorientações construtivas, até que se chegue ao ponto da satisfatoriedade.

Num olhar tradicional, parece que a certificação decorrente de um ato examinativo é mais significativa e confiável. É justa como se diz. De fato, justiça ou injustiça pode ser praticada num concurso, onde todos devem ter uma igual chance de conquistar uma determinada premiação, que pode ser até mesmo uma vaga em uma instituição; porém, na sala de aulas, não ocorre um concurso para o asseguramento de uma vaga ou de um prêmio, mas sim uma ação para que o educando aprenda e se desenvolva. Com essa aprendizagem efetivamente realizada, fora da escola ele se submeterá a processos seletivos. A escola é um lugar de formação e não de premiação por ter se formado. Criar as condições para que o educando chegue ao nível satisfatório de formação é função da escola; conseguir uma “premiação” num concurso (uso o termo premiação entre aspas para significar qualquer sucesso em um processo seletivo) decorre da concorrência do educado (já não mais educando) a esse prêmio.

Com isso tudo, desejo deixar claro para os leitores deste blog de que o ato de avaliar não suprime a certificação; todavia, a estabelece sob uma via ativa, diferente da ceretificação decorrente do exame, que se apresenta sob uma ótica passiva, ao menos do ponto de vista do educador e da instituição educativa.

Cipriano Luckesi





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