Texto publicado anteriormente no BLOG Terra em 4/1/2013
Cipriano
Luckesi
Salvador,
04 de janeiro de 2013.
Inicio
este texto por declarar que não sou um profissional vinculado ao Ministério da
Educação na área de avaliação institucional. Sou somente um estudioso do
assunto avaliação educacional. Isto posto, segue-se o entendimento que tenho
sobre algumas observações que circulam nos meios de comunicação a respeito dos
resultados das práticas avaliativas no âmbito da educação nacional.
Tenho
acompanhado pela imprensa escrita vários comentários de que os resultados das
avaliações de larga escala do sistema nacional de ensino, praticadas pelo MEC,
não apresentam validade suficiente, seja para a qualificação do próprio sistema
nacional de ensino, seja para tomadas de decisão especialmente no que se refere
às limitações de funcionamento de instituições e/ou cursos.
Nesse
caso, uma das questões que, usualmente, é posta tem a ver com o fato de que os
instrumentos de coleta de dados sobre desempenho dos educandos não são
suficientemente sensíveis para captar as diferenças regionais e locais.
De
fato, ocorre dessa forma e nem poderia ser de outra, como se pode compreender.
Do
ponto de vista científico, seria impossível elaborar um instrumento genérico de
coleta de dados que pudesse ter sensibilidade suficiente para captar a
realidade nacional, ao mesmo tempo que as nuanças das diversidades regionais e
locais, configuradas sob as mais variadas características socioculturais.
No
caso, importa observar que, no que se refere ao ensino, nos currículos de todos
os níveis de ensino existe um núcleo de conteúdos (informações, habilidades e
competências) denominado de "currículo nacional", ao lado de um
núcleo de conteúdos denominado de “currículo regional e local”.
Os
instrumentos de coleta de dados para uma avaliação em larga escala no país
incidem sobre os conteúdos curriculares denominados nacionais e não sobre os
regionais ou locais.
Isso
implica também, de outro lado, que as instituições de ensino, em suas
atividades próprias, tenham presente essa realidade e garantam o devido cuidado
no ensino e na aprendizagem dos referidos conteúdos nacionais, ao lado de
garantir ensino e aprendizagem de conteúdos regionais e locais. Os conteúdos
denominados nacionais — decorrentes das ciências contemporâneas — são os mais
abrangentes e necessários à formação do educando, integrados no mundo contemporâneo.
O que, de forma alguma, implica no abandono dos conteúdos regionais e locais.
O
regional e local são necessários para vincular cada educando ao seu meio
próximo, porém o universal é fundamental para vinculá-lo aos mais sofisticados conhecimentos
elaborados pelo ser humano na contemporaneidade, tendo em vista atender as suas
mais variadas necessidades. O denominado “currículo nacional” é o pano de fundo
para os processos acadêmicos de ensino aprendizagem. Segundo Antônio Gramsci,
esse é o recurso de universalização de nossas consciências.
Em Língua
e literatura nacional, ele lembra que é importante aprender um dialeto
(lembrar que ele é um italiano e, na Itália, os dialetos regionais e locais são
muitos), mas, mais importante ainda é aprender o italiano, como língua
nacional, que permite entrar em contato com a cultura nacional, mais ampla que
a cultura local expressa pelos dialetos. Isso implica em ultrapassar as
compreensões menos amplas expressas pelo regional e local e caminhar na direção
do universal, sem, evidentemente, que se perca os vínculos com o regional e com
o local. É um processo de “superação por incorporação”. Supera-se o regional e
o local, incorporando-os no todo da cultura de cada um e do coletivo; de forma
alguma, não excluindo-os.
No
caso da avaliação do sistema nacional de ensino, as diversidades socioculturais
só poderiam ser atendidas num instrumento de coleta de dados, caso houvesse uma
prática de avaliação para cada um dos campos socioculturais definidos: um nacional,
um regional e, quiçá, também um local. Seriam necessários variados instrumentos
de coleta de dados, pois que as diversidades regionais e locais são muitas e,
pois, não haveria possibilidade de um único instrumento atender a todas essas
nuanças.
Então,
o instrumento de coleta de dados adotado para a avaliação do sistema nacional
de ensino, não podendo levar em consideração as diferenças de aprendizagens
sobre conteúdos regionais e locais, opta pelo “núcleo nacional do currículo”.
Ele
coleta dados sobre os desempenhos dos estudantes caracterizados como os
necessários diante da ciência e da tecnologia nacional, que, por sua vez,
traduz a produção internacional de conhecimentos e de tecnologia. Afinal,
ciência e tecnologia não se configuram como regionais ou locais.
Esse
fato deve servir de orientação e exigência para que lideranças administrativas
e acadêmicas de escolas e cursos (de qualquer nível de ensino) estejam atentas
ao investimento na qualidade de ensino no que se refere aos três níveis de
conteúdo, sem descuidar, de forma alguma, do “nacional”, como pano de fundo
necessário para a consistência das aprendizagens inclusivas também da cultura
regional e local.
Assim
ocorrendo, haverá compatibilidade entre o que é ensinado, o que é aprendido e o
que é avaliado. Isso não se dá dessa forma devido aos profissionais do
Ministério da Educação o desejarem por capricho, mas sim devido a realidade do
processo sociocultural e educativo dar-se dessa forma. Afinal, a ciência só
pode ser ciência frente aos ditames da realidade.
Por
outro lado, tenho observado também argumentos no sentido de que, ao se levar em
conta os resultados da aprendizagem dos educandos nos diversos níveis de
ensino, assim como nos diversos cursos, não se estaria praticando uma coleta de
dados confiável para a avaliação institucional e do sistema nacional de ensino.
Então,
nesse contexto, se diz de modo genérico que as condições e as atuações
institucionais são mais amplas do que a aprendizagem dos educandos. E, então,
se acresce a afirmação de que muitos estudantes não estão preocupados em cuidar
de responder a esses instrumentos de coleta de dados de forma adequada, à
medida que os resultados não interfeririam em suas vidas pessoais.
Nesse
âmbito de entendimentos, importa dizer, sim, que os resultados do desempenho do
estudante efetivamente revelam o desempenho da instituição.
“A árvore é
reconhecida por seus frutos” diz o ditado.
Que
adiantariam excelentes espaços físicos e a melhor e mais avançada tecnologia,
se os estudantes, que são o objetivo final de uma instituição de ensino, não se
capacitam efetivamente? Seria muito semelhante a uma empresa destinada a
produzir determinado produto, que não consegue colocá-lo no mercado. A
finalidade principal deixa de ser cumprida.
Por
outro lado, supondo que pesquisa e extensão sejam atividades nas quais uma
determinada instituição de ensino investe, que adiantaria ter sucesso nessas
atividades, se as de ensino (atividades-fim de uma instituição de ensino) não
atingem os resultados necessários?
Pode-se
argumentar ainda que os estudantes não cuidam dessa avaliação. Então, cabe
perguntar: o que tem feito a instituição de ensino que não lhes ensina a cuidar
também desse aspecto? A educação implica em ensino-aprendizagem de conteúdos
cognitivos, afetivos e psicomotores. A faceta afetiva necessita de ser cuidada
em qualquer prática de ensino e aquiescer em colaborar com um processo
avaliativo, que é um aliado da melhoria da circunstância de vida na qual se
está investido, está comprometido com essa área de condutas.
Em
síntese, acredito que todos necessitamos de escutar a voz das avaliações e,
aliados a elas, encontrarmos melhores soluções para a vida. A resistência
aos resultados das avaliações não nos permite aprender para melhorar.
Avaliação
não é uma condenação, mas sim diagnóstico, a partir do qual se pode e se deve
buscar soluções inovadoras, saudáveis e, ao mesmo tempo, consistentes.
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