Cipriano Luckesi
Texto publicado anteriormente no Terra Blog, Salvador, 24 de abril de 2014
Aqui e acolá, recebo um pedido de ajuda e orientação para trabalhos de
conclusão de curso de graduação, assim como para dissertações de mestrado e
teses de doutoramento na área da avaliação da aprendizagem. Por vezes, os temas
que estão propostos para serem abordados tem vínculos com “uma abordagem
crítica da prática avaliativa em nossas escolas” e, usualmente, configura a
possibilidade de estudar a forma como a avaliação da aprendizagem influencia no
fenômeno do fracasso escolar.
Sempre que respondo a essas indagações, procuro mostrar e demonstrar que
a avaliação, por si, não pode ser um fator interveniente para o negativo.
O ato de avaliar — efetivamente praticado com rigor metodológico
e ético — tem por meta exclusiva revelar a qualidade da realidade.
Caso não seja praticado com essas características metodológica e ética, o
desvio não pode ser atribuído ao ato de avaliar, mas sim ao avaliador, que pode
usar de modo inadequado ou de modo insatisfatório os recursos da avaliação.
Contudo, o mais comum — no contexto dessas abordagens — é a confusão
desavisada entre os atos de avaliar e de examinar na prática educativa
institucional.
Então, nesse contexto, por vezes, nos deparamos com escritos e estudos
que abordam a “influência da avaliação no fracasso escolar”, quando, de fato,
estão abordando a “influência dos exames no fracasso escolar”. São atos
completamente diferentes, ainda que parecidos.
O ato de examinar tem como meta classificar o educando
e, em função dessa classificação, aprová-lo ou reprová-lo,
portanto, preserva para si a possibilidade da exclusão. A avaliação, por seu
turno, tem como objetivo diagnosticar do desempenho do
educando (revelar a sua qualidade), criando uma base segura para decisões de
reorientação ou re-ensino até que o educando aprenda o que deve aprender.
Os exames, através da classificação, são estáticos e excludentes; a
avaliação, através de sua prática investigativa da qualidade da realidade, é
diagnóstica e inclusiva.
Então, ocorre que, por vezes, em variadas dessas abordagens críticas
sobre a avaliação da aprendizagem, por um desvio conceitual, os seus autores
estão se referindo ao papel dos exames escolares e não propriamente ao papel da
avaliação.
Historicamente, os exames escolares passaram a fazer parte da escola —
“que conhecemos hoje” —, desde que se ela iniciou nos alvores da modernidade
(séculos XVI e XVII). Por isso, eles parecem pertencer “naturalmente” à vida
escolar. Todavia, eles tem uma história, que se iniciou e, em algum dia, terão
seu fim.
Por outro lado, também de forma histórica, iniciamos a falar em
avaliação da aprendizagem em um determinado momento histórico, em torno da
década de 1930, nos Estados Unidos; no Brasil, em torno de 1970. Contudo, a avaliação — como investigação da qualidade da realidade do desempenho do
educando, como base para uma intervenção de melhoria nos resultados — ainda não
se tornou uma prática massiva em nossas escolas, como os exames já se tornaram.
Fator que nos impede de perceber a avaliação como um “fenômeno natural” em
nossas escolas.
Frente a isso, muitos pesquisadores e autores de artigos críticos sobre
a avaliação da aprendizagem afirmam estar focando seus estudos sobre atos
avaliativos, quando, de fato, estão focando sobre atos examinativos. Do que,
então, decorre o desvio. Utilizamos o termo avaliação quando
deveríamos estar utilizando a expressão exames escolares.
Cabe observar ainda que, nesse contexto, por vezes, também se usa a
expressão “avaliação tradicional” para expressar o que são os exames escolares.
Não existe, nem existiu, “avaliação tradicional”. Existiram, sim, e existem ainda,
os exames escolares como uma prática histórica do século XVI aos nossos dias.
Então, como leitores, necessitamos estar atentos para verificar se os
autores que estamos lendo estão falando de avaliação, no seu conceito estrito,
ou se estão falando de exames escolares, confundindo-os com o conceito de
avaliação da aprendizagem.
Recentemente, estive dialogando com uma estudante de pedagogia de
determinada universidade brasileira que tinha como tema de seu projeto de
investigação “a influência da avaliação no fracasso escolar presente
no ensino fundamental”. Ela não compreendia que a avaliação — que subsidia o
sucesso, caso seja praticada com rigor metodológico e ético — não poderia gerar
o fracasso, do qual desejava tratar, desde que havia lido em vários autores a
compreensão de essa fenomenologia se dava no seio da educação brasileira. Após
idas e vindas, compreendeu que seu tema de estudo era “a influência dos
exames no fracasso escolar presente no ensino fundamental”. Aqui,
chegamos a um acordo de compreensão e foco de trabalho investigativo.
Os resultados da prática educativa — individual e coletiva — serão bem
diversos se o recurso de acompanhamento da aprendizagem do educando for exames
ou avaliação, ambos praticados com rigor metodológico e ético. Com uma efetiva
prática avaliativa não se pode caminhar para o fracasso, à medida que ela é
diagnóstica e inclusiva, voltada para a construção de resultados bem sucedidos;
contudo, com os exames escolares, podem-se, sim, ir em direção ao fracasso, à
medida que são classificatórios e excludentes; consequentemente, estáticos no
que se refere à possibilidade de subsidiar novas intervenções na realidade. Os
exames, por serem exames, não contemplam essa possibilidade. Eles são
taxativos.
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