quinta-feira, 2 de outubro de 2014

40 - Enem, seleção para o ensino superior e atendimento às necessidades regionais


Texto publicado anteriormente no Terra Blog em Salvador, 27 de junho de 2013
Cipriano Luckesi


Quando em 2009, estabeleceu-se o denominado de “Novo Enem”, cuja função, além de subsidiar a avaliação do Ensino Médio no país (função que vinha desempenhando desde 1998), passou a ter também a função de seleção para o ensino superior em todo o país, constituindo-se o SISU – Sistema de Seleção Unificada.

Sabia-se perfeitamente, naquele momento, que, com sua caraterística de abrangência nacional, o Enem teria a possibilidade de garantir que todos os estudantes das mais variadas partes do país tivessem acesso às vagas oferecidas em todos os estados da Federação. Estava, então, estabelecida a possibilidade da mobilidade geográfica dos estudantes ingressantes no nível superior de ensino. Essa possibilidade passou a estar disponível em todas as instituições de ensino superior, que aderissem a modalidade de seleção pelo SISU, mas, com certeza, de modo especial, nas universidades públicas e gratuitas.

Sabia-se também que as já restritas vagas oferecidas nas universidades federais, localizadas nas diversas regiões e nos diversos estados, se tornariam mais disputadas com a concorrência de estudantes originários de outras regiões e estados em relação aos estudantes da região ou local onde estava instalada a instituição de ensino superior. O que, possivelmente, diminuiria as chances de estudantes originários dos espaços geográficos onde estavam instaladas as universidades de terem seu ingresso mais viável nessas instituições.

Essa possibilidade de restrição das vagas pela competividade seletiva ocorreria em função do fato da qualidade do ensino nas escolas básicas sediadas nos estados mais desenvolvidos da Federação apresentar-se com níveis mais satisfatórios. As escolas desses estados, certamente,  oferecem  melhores condições de aprendizagem para os seus estudantes, no que se refere aos conteúdos de caráter nacional ou, melhor ainda, de caráter universal; conteúdos que compõem os instrumentos de coleta de dados sobre desempenho dos estudantes no contexto das diversas avaliações de larga escala implantadas  no país, inclusive do ENEM, que seria ( eé) o recurso seletivo .

Em dias recentes (estamos no final do mês de junho do ano de 2013), a Universidade Federal da Bahia, através de seus órgãos de administração superior, decidiu que o ingresso de novos estudantes em seus cursos, a partir de agora, seria realizado através do SISU.

Então, imediatamente, surgiu a conclusão, quase que espontânea, diante da possível restrição de vagas para os candidatos locais: “Então, os estudantes de Salvador e da Bahia terão menos vagas disponíveis para ingresso na UFBA em função do fato de que muitas de suas vagas poderão ser ocupadas por estudantes provenientes de outras áreas do país”.

A curto prazo, esse cenário é ameaçador, podendo até mesmo estimular a emergência movimentos a favor da proteção das vagas da universidade federal (ou de outras instituições públicas de ensino superior) para estudantes originários dessa cidade e região.
Situação semelhante pode ocorrer em qualquer outra região e quaisquer outros estados do país, onde as instituições públicas tenham decidido adotar o SISU, como recurso de seleção dos novos estudantes para os seus cursos de ensino superior. No contexto deste escrito, a Universidade Federal da Bahia somente serve de expressão particular de um fenômeno que tem possibilidade de se universal no país.  

A médio e longo prazo, porém, o cenário da possibilidade da mobilidade geográfica de estudantes ingressantes no ensino superior pode ser extremamente benéfico para a educação básica no país. Diante da possível restrição das vagas para estudantes locais, não haverá nenhuma outra boa solução senão investir na qualidade do ensino e da aprendizagem em nossas escolas.

Governantes, gestores de instituições educacionais (de ensino fundamental e médio) e professores deverão tomar os destinos de suas instituições em suas mãos para fazer delas escolas de alta qualidade de ensino e de aprendizagem.

A meu ver, a lamentação dos fatos e o possível protecionismo de vagas não será solução para nada. A solução virá de um largo cuidado com nossas escolas, como instituição, e com nossos estudantes, como seus usuários.

Então, todos terão condições de buscar um lugar ao sol, em condições de igualdade no que se refere a uma capacitação satisfatória, decorrente do bom ensino e da boa aprendizagem.
A equalização, no caso, não virá do protecionismo, que, do ponto de vista da melhoria da competência (cognitiva, científica, cultural, tecnológica, de relacionamento), não serve para muita coisa; porém, ela virá sim da formação e da competência dos estudantes em patamares mais satisfatórios. Nossos estudantes necessitarão de recursos para buscar o seu lugar, com dignidade.

A meu ver, o cenário que se desenhava em 2009 — e que agora está chegando aos mais variados espaços socioculturais do país — traz uma mensagem fundamental para as autoridades educacionais (gestores institucionais na área da educação) e educadores (no seio das escolas), sinalizando-lhes a necessidade de investir mais, e mais, na qualidade do ensino-aprendizagem.

Diante de um impasse, o que menos permite resolvê-lo, de um lado, é a lamúria da dificuldade, e, do outro, o protecionismo “contra” o que está emergindo. Contudo, o que é mais benéfico para a situação, aqui registrada, ou para outros impasses, é o investimento numa solução saudável.


O cenário, aqui lembrado, nos convida a todos a investir na qualidade da educação, propiciando aos nossos educandos condições de buscar o seu lugar ao sol, não como um prêmio fácil, mas sim como resultado de uma construção sólida de aprendizagens significativas.






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