Texto publicado anteriormente no Trra Blog, em Salvador, 02 de julho de 2013
Cipriano Luckesi
No texto anterior, neste blog,
intitulado — “As distorções epistemológicas e práticas presentes nas notas
escolares” —, tratei de duas distorções que ocorrem na prática de atribuir
notas aos desempenhos dos estudantes em suas aprendizagens no seio da escola.
No presente texto, desejo tratar das
“médias ponderadas”.
Para melhor compreender o conteúdo
deste texto, seria de todo importante a leitura do anterior, neste mesmo blog.
A “média ponderada” apresenta
distorção semelhante à “média simples”, porém com algum agravante.
Na prática da média simples de
notas escolares, juntamos o que não deve ser juntado, isto é, (01) praticamos o
salto indevido de “qualidade” para “quantidade de qualidade”, servindo-nos de
“notas” como “quantidades de qualidades”, por isso, tendo a possibilidade de
fazer médias; (02) através da média de notas, expressamos fazer média entre
aprendizagens de conteúdos diferentes, tornando-os equivalentes, quando são
diversos (ver texto anterior neste blog).
A média ponderada acrescenta, a esse
viés, um agravante que é proceder a uma distinção de conteúdos com maior ou
menor valor entre os ensinados e aprendidos.
Ora, o planejamento de uma unidade de
ensino tem por objetivo definir o que importa (por parte do professor) ensinar
e o que importa (por parte do estudante) aprender. Então, nesse contexto, não
existem conhecimentos de maior ou menor importância, todos devem ser igualmente
importantes, numa sequência, os primeiros dando suporte aos seguintes.
Todavia, se todos são importantes na
sua própria abrangência, como se pode estabelecer uma ponderação entre eles,
tornando uma mais importante que outro? Que critério seria utilizado para
escolher que este conteúdo é “mais importante” que aquele outro, se todos eles
foram selecionados por sua importância dentro do todo a ser ensinado e
aprendido?
Em minha infância e adolescência, nos
anos 1950 e 1960, vivi essa prática na escola. Havia ponderação nas notas
dentro de uma unidade de ensino, como havia uma ponderação nas notas entre as unidades
de ensino (hoje, denominadas de bimestre ou trimestre, em conformidade com o
regime de cada escola).
As ponderações das notas dentro
de uma unidade de ensino dependiam das decisões do professor da
matéria escolar, tendo presente o que ele considerava, mais ou menos,
importante naquilo que ensinava naquele período. Já as ponderações das
notas das unidades de ensino eram de responsabilidade da
instituição escolar.
Nossas notas eram ponderadas da
seguinte forma: o ano letivo era dividido em quatro bimestres; o primeiro
bimestre tinha peso 1; o segundo, peso 2; o terceiro, peso 3; e o quarto, peso
4; que, no total de pesos, chegava-se a 10. Qual era o critério para a
atribuição desses pesos?
Supostamente que os estudantes,
quanto mais avançavam no ano letivo, mais amadurecidos deveriam estar para
cuidar de suas aprendizagens. Um critério totalmente externo a qualquer
qualidade dos conteúdos. Então, para nós estudantes, não valia muito a pena um
grande esforço nas aprendizagens no primeiro bimestre, pois que tinha peso “1”;
porém, valia apena “dar um duro” no quarto bimestre, pois que ele tinha o peso
“4”.
Um exemplo ajuda a perceber a
distorção daquilo que ocorreu em minha vida escolar e pode ocorrer em qualquer
prática de ponderação de notas.
Notas de dois estudantes relativas aos quatro bimestres com seus pesos:
peso 1 para o primeiro bimestre, peso 2 para o segundo, peso 3 par ao terceiro,
e peso 4 para o quarto bimestre. Observar a tabela abaixo com o uso desses
pesos por bimestre.
Es
|
Bimestre
1
|
Bimestre
2
|
Bimestre
3
|
Bimestre
4
|
Total
|
1
|
3.1 = 3
|
5.2 =
10
|
7.3 =
21
|
9.4 =36
|
70/10=7.0
|
2
|
10.1 =
10
|
10.2 =
20
|
8.3 =
24
|
4.4 =
16
|
70/10=7.0
|
Ambos os estudantes têm média final
7.0 (sete), ambos aprovados, porém suas aprendizagens em relação aos conteúdos,
ensinados e que deveriam ser aprendidos em cada bimestre, são completamente
diversas. O primeiro inicia em baixa e cresce com o andamento do ano letivo; o
segundo inicia o ano letivo em alta e decai com o passar do tempo.
A qualidade final da aprendizagem de
ambos, nessa determinada disciplina, a se levar em conta a média ponderada das
notas obtidas nos quatro bimestres letivos, é a mesma ou equivalente (7,0).
Contudo, se se prestar atenção aos conteúdos ensinados em cada um dos
bimestres, as qualidades das aprendizagens desses dois estudantes são
completamente diversas, ainda que a média final seja a mesma.
O ideal, do ponto de vista da aprendizagem
e da formação da competência de cada um, é que expressassem a “qualidade”
7,0, em cada um dos bimestres, ou seja, em cada uma das unidades de
conteúdos ensinados e aprendidos. Aqui estar-se-ia levando em conta a qualidade
das aprendizagens em cada uma das quatro unidades de conhecimentos e não a
indevida “média de notas”.
No texto anterior, abordei duas das
distorções possíveis nas notas escolares — transformação da “qualidade” em
“quantidade de qualidade” e “média de notas”; aqui, abordei uma terceira, a
“ponderação das notas, tendo em vista obter uma média”.
No próximo texto, abordarei o tema:
“Então, como atribuir notas, se essa é a prática em nossas escolas?”
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