Texto publicado anteriormente no Terra Blog, em 05 de maio de 2014
Cipriano Luckesi
Para fazer sentido o que vai exposto neste texto, importa que o leitor
tenha lido outros artigos anteriores deste blog, com foco em outras abordagens. Aqui,
vai a metodológica.
O primeiro ponto a ter clareza é o fato de que avaliação implica em
investigação da qualidade de alguma coisa, circunstância, instituição,
pessoa (afinal, de uma realidade), que, por sua vez, se faz através de
procedimentos de atribuição de qualidade à realidade, tendo como base a
sua materialidade.
Esses termos exigem esclarecimentos.
A afirmação de que a avaliação se assenta sobre a materialidade da realidade significa
que, ainda que a qualidade identificada na realidade decorra de uma atribuição
por parte do avaliador por meio da comparação da realidade descrita com um
determinado critério de qualidade, ela não é simplesmente arbitrária como pode
parecer.
A atribuição de qualidade, na expressão de Adolfo Sanches Vasquez, em
seu livro Ética, tem uma base física, que, no caso da avaliação da
aprendizagem, está ancorada no efetivo desempenho do educando em sua
aprendizagem. Essa base física limita o arbítrio do avaliador. O avaliador não
é o árbitro absoluto na circunstância da prática avaliativa. Para ser
avaliador, necessita submeter-se aos limites da realidade e, para tanto,
necessita de investigá-la.
No caso, a avaliação — como investigação da qualidade da
realidade —, à semelhança do que ocorre em toda e qualquer
investigação, exige uma satisfatória descritiva da realidade, através dos dados
que a configuram e a revelam; não quaisquer dados, mas sim os relevantes e,
mais ainda, todos os dados relevantes. Não podem ser dados aleatórios.
Então, para praticar a avaliação, em primeiro lugar, há necessidade de
que o avaliador colete dados da realidade, servindo-se, para tanto, de rigor
metodológico; ou seja, necessita elaborar e/ou utilizar-se de recursos técnicos
que possibilitem a efetiva coleta de dados da realidade, que garanta
descrevê-la no seu modo de ser, como base consistente para a emissão de um
juízo de qualidade. Sem essa base, o ato de avaliar (diagnosticar) engana. O
engano, sabemos, possibilita tomadas de decisão distorcidas; quando, de fato,
para sermos eficientes, necessitamos de tomadas de decisões precisas.
Para que essa realidade descrita possa ser qualificada,
metodologicamente, necessita ser comparada a um padrão de qualidade, ou, como
mais comumente se diz, a um critério de qualidade.
À medida que o avaliador tenha, de modo claro e configurado, qual
o padrão de qualidade (critério) que se deseja para
determinada realidade, comparando-se a realidade descrita a esse padrão,
facilmente emergirá diante do avaliador a qualidade a ser atribuída à
realidade. E, então, ela não é arbitrária porque assentada sobre a
configuração material da realidade, que oferece os contornos
para a qualificação. Não se poderá afirmar que um objeto é valioso quando suas
características físicas não sustentam esse juízo.
Certamente que o padrão de qualidade (critério) poderá
ser absolutamente arbitrário (esse é um risco quando não se tem cuidados
suficientes com sua constituição), contudo, de modo mais adequado, ele será
estabelecido diante de determinados padrões socioculturais, assim como pelas
necessidades que serão atendidas pelo “objeto” da avaliação (coisa,
instituição, obra de arte, vestuário, desempenho…).
No caso, da aprendizagem do educando, o critério a ser utilizado
para a qualificação de cada desempenho decorrerá da área de conhecimentos com a
qual se estará trabalhando — de seu nível de desenvolvimento, de sua
configuração, de suas exigências, dos padrões socioculturais envolvidos nesse
desempenho.
Não será um educador isolado a definir esse critério, à medida que, de
alguma forma, ele já está definido pela ciência da qual faz parte, assim como
pelos Projetos Pedagógicos e pelos currículos escolares, que, afinal, não tem
nada de arbítrio individual, desde que são expressões de variados e longos
processos históricos e culturais. O educador, ao estabelecer o padrão de
qualidade do desempenho do educando em sua aprendizagem deverá reconhecer que
sua ação está contextualizada por sua área a de trabalho (que envolve padrões
socioculturais e institucionais) e pelo nível de desenvolvimento do educando.
O padrão de qualidade (critério), que permitirá — por
comparação — atribuir qualidade ao desempenho do educando decorre da área
científica e prática com a qual o educador está trabalhando, do nível etário e
de desenvolvimento dos educandos com os quais está atuando, assim como das
necessidades de uso desses conhecimentos e habilidades, seja como
pré-requisitos para aprendizagens subsequentes, seja para uso na vida profissional
ou na vida cotidiana. O estabelecimento do critério de qualificação exige que o
avaliador leve em conta um conjunto de variáveis para constituí-lo.
Por exemplo, ensinar-se-á matemática com os recurso dessa área de
conhecimentos no presente e essa será um dos fatores componentes do critério de
qualidade; contudo, também não se exigirá de uma criança de dez anos o
desempenho de raciocínios matemáticos que deverão ser exigidos de um estudante
de nível superior. De forma semelhante, não se exigirá equivalentes desempenhos
em raciocínios matemáticos de estudantes de nível superior, sendo que um deles
está estudando literatura e outro estudando engenharia. E, dessa forma por
diante. Os critérios de qualificação terão o arbítrio exigido pelas
circunstâncias nas quais se dará o desempenho, que, de forma alguma, deverá
ocorrer do bel prazer do avaliador.
Talvez, com os esclarecimentos acima, o conceito e a prática do ato de
avaliar possam ser melhor compreendidos. O ato de avaliar é um ato de investigar (=
revelar) a qualidade da realidade. Para tanto, importa que a
realidade seja descrita com a maior precisão possível e, então,
comparada a um padrão de qualidade, com o qual se pretende que a realidade seja
equivalente.
Que critério tenho e levo em consideração para escolher
uma roupa para mim? Que critério tenho e levo em consideração para qualificar
uma alimento como saboroso para mim? Que critério tenho e levo em consideração
para afirmar que uma determinada cidade é bonita, bem cuidada e agradável?
Em todas esses juízos que tem a ver com escolha com base na qualidade,
dever-se-á levar em consideração três componentes: [01] a realidade do meu
objeto de avaliação, [02] minha capacidade de descrever essa realidade de modo
objetivo, abrangente e consistente (evitando os enganos emocionais), [03] a
comparação da realidade descrita com um critério de qualificação
(socioculturalmente construído), tendo em vista verificar que nível de qualidade
a realidade atinge.
Esse juízo de qualidade oferece ao gestor (o educador em sala de aula é
o gestor da sala de aula) duas possibilidades: [01] deixar a realidade como
está, seja ela satisfatória ou insatisfatória, [02] decidir investir na
realidade para que ela venha a ser melhor e mais satisfatória.
A segunda possibilidade faz da avaliação a parceira do gestor para o
sucesso.
================================================
Nenhum comentário:
Postar um comentário