Texto anteriormente publicado no Terra Blog em 11/3/2013
Cipriano Luckesi
Salvador, 11/03/2013
Os exames escolares — modo de agir na educação escolar que,
historicamente, precede a compreensão e prática da avaliação da aprendizagem —
sempre foram exercidos como uma atividade em si e por si, independente de tudo
o mais na prática pedagógica no seio da sala de aulas, na escola. Eles têm sua
vigência exclusiva entre meados do século XVI e os inícios do século XX,
quando, em torno de 1930, um jovem educador norte-americano, Ralph Tyler,
inicia a expor sua compreensão sobre a necessidade de que a prática educativa
escolar fosse eficiente, ou seja, que efetivamente crianças e adolescentes, na
sua totalidade, fossem bem sucedidos na escola. Até o presente momento
histórico, não abrimos mão — de todo — dos exames em nossas escolas, ainda que
sua prática já esteja mitigada por compreensões e práticas avaliativas.
Os exames têm como característica abordar exclusivamente o passado de
aprendizagem dos educandos: caso os educandos revelem, através dos exames (da
forma como são propostos; quase sempre com uma abordagem distorcida dos
procedimentos — tipos de perguntas — e dos conteúdos), que aprenderam o que
lhes foi perguntado (passado de aprendizagens), serão aprovados; em caso
contrário, serão reprovados.
Já Tyler propunha abordar, ao mesmo tempo, o passado, presente e o
futuro. Tomar como base o presente, ou seja, (01) ensinar alguma coisa (ato
pedagógico); (02) diagnosticar a qualidade dos resultados obtidos (procedimento
metodológico no presente, tendo por base um passado de aprendizagens); (03)
caso o resultado se manifeste positivo, seguir em frente (resultados
satisfatórios de um investimento no passado); (04) caso o resultado se expresse
negativo, ensinar de novo (novo investimento, portanto, um ato voltado para o
futuro). Afinal, esse é o pano de fundo (= procedimento metodológico) de
qualquer ato avaliativo, em Tyler e em todos os outros pesquisadores da
educação que se dedicaram a compreender o ato avaliativo.
Observando o modo de agir em cada uma dessas duas possibilidades
(examinar e avaliar), os exames escolares podem atuar — e atuam — independentes
das configurações do ato pedagógico. Eles podem, e usualmente são realizados,
sem levar em conta o “pano de fundo” do ato pedagógico, que implica em ter
presente suas variáveis intervenientes, assim como variáveis do ator principal
do ato de ensinar, o educador.
Os exames, na vida social, têm por objetivo selecionar indivíduos que
detenham determinadas capacidades instaladas — ou seja, se detêm as capacidades
desejadas e esperadas, ele está aprovado (= incluído), se não as detêm, está
reprovado (= excluído). Aos examinadores não interessa o diagnóstico de uma
situação, visando uma intervenção para sua melhoria. Sua atuação se encerra na classificação
“aprovado/reprovado”. Para compreender isso, basta observar como atuma em
qualquer concurso, cujo objetivo seja ou selecionar pessoas para determinadas
funções institucionais ou classificá-las tendo em vista alguma premiação.
A avaliação, por outro lado, — que está a serviço da obtenção do melhor
resultado com determinada ação, e, pois, voltada para o futuro, como
sinalizamos acima — está comprometida com a obtenção dos resultados do que se
deseja. Isso implica que o avaliador não age independente de um pano de fundo
pedagógico (variáveis do ato de ensinar) e de um modo de ser necessário ao
educador em suas relações com o educando (ele é o adulto da relação
pedagógica). O avaliador está comprometido com o pano de fundo, aqui, no caso,
da ação pedagógica, que configura o norte da ação.
Não há como praticar avaliação da aprendizagem, sem que essa
aprendizagem esteja configurada previamente. Afinal, o que se deseja com a ação
de ensinar? A avaliação, de modo subsidiário, servirá a esse desejo. Ela é a
parceira que sinalizará ao gestor (aquele que gere a ação) se está produzindo
os resultados na qualidade desejada, ou não. Se sim, ótimo; caso, contrário, há
que se cuidar da ação para que, reorientada, atinja o que se deseja. Com isso
fica claro, que, para se praticar a avaliação, há que se ter clareza do projeto
ao qual ela está servindo. O projeto da ação é a matriz que dá direção e
contorno ao ato de avaliar.
Então, que variáveis configuram o pano de fundo da prática pedagógica?
Em primeiro lugar, importa ter presente o que se deseja atingir: o
conteúdo da aprendizagem do educando, assim como o critério para aceitar a
qualidade atingida; em segundo lugar, através de que proposta pedagógica se
dará o ensino-aprendizagem (proposta da memorização dos conteúdos; da
compreensão ativa dos conteúdos; da compreensão ativa dos conteúdos,
articulados com seus determinantes sociais e políticos…; ou poderia ser também
— tradicional, piagetiana, montessoriana, freireana… ); e, por último, com que
finalidade se efetua a prática pedagógica escolar, ou seja, com que filosofia
político-social se age, à medida que ela aponta a direção e o significado da
ação pedagógica (afinal: qual a razão dessa ação?; que se pretende com
ela frente à vida em sociedade? por que agir desta e não daquela forma? agir
desta e não daquela forma, que efeito tem na vida social?). Sem esse pano de
fundo, não há como conceber e praticar a avaliação da aprendizagem.
Sem ele, (1) não se saberá qual “conteúdo essencial” será levado em
consideração na elaboração de instrumentos de coleta de dados sobre o
desempenho do educnado, como também sobre a leitura desses dados; ainda, sem
ela, (2) não se saberá que tipo de conduta inteligente dever-se-á esperar e
solicitar no desempenho do educando; como, também, (3) não se saberá com que
motivação político-social o educador estará atuando e investindo em sua
atividade (que ideário motiva o educador a agir dessa ou daquela forma?). Sem o
pano de fundo, acima configurado, não haverá contorno para a avaliação, à
medida que ela está a serviço da ação, na expectativa de que venha a ser
qualitativamente bem sucedida.
O segundo conjunto de variáveis, às quais necessitamos de ter presente
está comprometido tem a ver com o educador. A prática da hetero-avaliação, que é
típica da prática escolar, exige o avaliador (no caso, o educador) e o avaliado
(no caso, o educando).
Para que essa relação seja minimamente saudável, importa que o educador,
como líder e gestor da sala de aulas, assuma o papel de adulto da relação pedagógica.
Isso significa que o educador age com maturidade emocional e com ética.
Maturidade emocional significa que o educador é capaz de tomar todas e
quaisquer situações ocorridas na escola e na sala de aulas, como importantes
para a formação do educando, seja confirmando-a ou confrontando-a, sem se
assustar com elas, encontrando a melhor solução para a vivência equilibrada no
seio da vida escolar.
Daniel Goleman tem um belo livro intitulado Inteligência
emocional, que oferece excelentes compreensões sobre a maturidade
emocional.
De fato, o que importa é que não “entremos no jogo emocional” que se faz
presente nas relações sociais, de tal forma que possamos assumir uma conduta
ética, onde o que prevalece é o limite da realidade, onde podemos e devemos
agir como educadores e os educandos podem e devem agir como educandos, cada um
com os seus devidos papéis. O educador sempre ciente de que ele é o adulto da
relação pedagógica e, como tal, administrador dos estados emocionais
emergentes.
Então, desse lugar — como gestor da prática pedagógica —, o educador
terá clareza do que levar em consideração para praticar o ato de avaliar, ou
seja: (1) os resultados a serem obtidos, com qualidade positiva, como resultado
do investimento na ação proposta (2) as características do aprendido em
conformidade com os procedimentos metodológicos configurados no projeto
pedagógico; (3) o ideário pedagógico que deveria ter norteado a ação
pedagógica. Por último, emocional e eticamente, terá presente que é o adulto da
relação pedagógica, ou seja, que suas decisões avaliativas não poderão ter um
caráter emocional.
Essas considerações mostram que tanto o instrumento de coleta de dados
para a avaliação da aprendizagem, como a própria leitura dos dados coletados,
terão como balizamento uma configuração, definida no projeto pedagógico,
estável, menos volúvel que os estados emocionais, que sempre acercam educadores
e educandos.
Sem esses cuidados, o que se pratica em nossas escolas poderá ser
denominado de avaliação, mas efetivamente não o será. Poderá até mesmo
caracterizar-se como uma prática examinativa, mas não avaliativa.
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