134 - AVALIAÇÃO COMO INVESTIGAÇÃO E BASE
PARA SUCESSIVAS E AJUSTADAS DECISÕES
Cipriano Luckesi
Já sinalizei aqui, em
post anterior, que existem três atos que todos os seres humanos,
universalmente, praticam nos mais variados rincões do Planeta. São eles: (1) investigar
o que é a realidade e como ela funciona; (2) investigar a qualidade da
realidade; (3) tomar decisões e agir tendo por base os resultados das duas
investigações anteriormente assinaladas. Esses três atos praticados por todos
os seres humanos decorrem de sua constituição evolutiva.
No caso, o ato de avaliar
a aprendizagem de nossos estudantes em sala de aula faz parte da segunda área
de atuação do ser humano, assinalada acima, que é conhecer valores, qualidades,
base para escolhas.
A avaliação da
aprendizagem, no caso do ensino escolar, se realiza como um ato de investigar a
qualidade da aprendizagem dos estudantes, revelando-a. A “decisão de agir”, tendo por base o resultado
revelado por essa investigação, já não pertence mais ao “ato de avaliar”, mas
sim ao “ato de tomar decisões” e, em consequência, agir.
O ato de avaliar subsidia
as decisões do sujeito da ação, que, com base no conhecimento da qualidade da realidade,
escolhe tanto agir, como também o modo de agir.
Ao longo dos anos da
escolaridade no Ocidente, do século XVI aos nossos dias, a avaliação da
aprendizagem, vagarosamente, tornou-se independente em relação aos atos de
planejar e executar o ensino em nossas escolas.
Nas “teorias pedagogias”
propostas ao longo desse período, os atos avaliativos da aprendizagem sempre
foram compreendidos como subsidiários dos atos de ensinar e aprender, Porém,
vagarosamente na História Moderna, e, “sem estar assentada nas teorias
pedagógicas” elaboradas e defendidas por correntes pedagógicas ou autores, os
atos avaliativos praticados no sistema escolar e em nossas salas de aula foram
se tornando independentes dos atos de ensinar e aprender.
Informo, porém, que,
mesmo tendo buscado informações, não consegui identificar uma referência
explícita entre os historiadores da educação assim como entre os historiadores
da avaliação da aprendizagem a respeito da “data histórica” em que o ato de
avaliar a aprendizagem na escola e o uso dos seus resultados para aprovar ou
reprovar estudantes em seu percurso de escolaridade tornaram-se independentes
dos atos pedagógicos de ensinar e aprender, como ocorre em nossos dias.
O professor José Carlos
Libâneo --- em sua Dissertação de Mestrado, sob o título “A prática pedagógica de professores da escola pública”, como
requisito para a obtenção do título de Mestre em Educação, PUC/SP, cuja defesa
ocorreu no ano de 1984 --- registrou, com base em depoimentos
coletados junto a educadores escolares da cidade de São Paulo, o modo independnte e autônomo como os atos
avaliativos da aprendizagem eram praticados em sala de aula com relação às
propostas pedagógicas anunciadas como orientadoras do ensino em sala de aula.
Com base nos depoimentos
dos participantes da investigação, foi possível classificá-los em tradicionais,
escolanovistas e tecnicistas; contudo, a prática avaliativa era realizada por
todos os participantes da pesquisa de modo equivalente, ou seja, “exclusivamente”
para aprovar/reprovar os estudantes em sua escolaridade.
Ainda que, do ponto de
vista pedagógico, os participantes da referida investigação informassem orientar
suas ações segundo uma determinada concepção pedagógica, e, por isso, se
diferenciavam entre si, no que se referia às práticas avaliativas, todos agiam
de forma equivalente, servindo-se das provas e dos exames, modalidade de
conduta predominante em nossas atividades escolares.
No caso, vale observar
que o período de tempo entre 1984, quando a coleta de dados para a investigação
acima citada fora realizada, e a presente data, perfazendo um total de 36 anos,
ocorre uma quantidade expressiva de anos do ponto de vista individual, mas não
do ponto de vista histórico-social, desde que a sociedade demanda muito tempo para
viabilizar uma mudança de conduta em grande número de pessoas.
A independência da
prática avaliativa da aprendizagem em relação às proposições pedagógicas passou,
no decurso do tempo em nosso cotidiano escolar, a representar um recurso de atemorização
aos estudantes, tendo em vista supostamente levá-los a estudar e aprender. Todos
nós, quando estudantes, tivemos medo em relação “às provas e aos exames”.
Nessas ocasiões, como
expressão desse temor, tínhamos um suor frio entre nossos dedos ou em nossas
axilas. Constantemente, ouvíamos na sala de aula expressões como: “Estudem! As
provas vêm aí”. “Se preparem! Verão as questões que estou preparando para vocês
responderem”. “Estão brincando?!... Verão no dia das provas...”. “Se preparem,
as provas estão próximas”. Expressões que repercutiam --- e certamente ainda
repercutem --- em nossos ouvidos, assim como em nossas residências e famílias.
Em texto anterior, no
espaço deste blog, sinalizei que, na história da escola no decurso da
Modernidade, não se encontra uma só teoria pedagógica que tenha prescrito o uso
dos resultados da investigação avaliativa da aprendizagem escolar “exclusivamente”
para os atos de aprovar/reprovar os estudantes nas séries da escolaridade
organizacionalmente estabelecida, assim como não se encontra uma “teoria
pedagógica, filosófica e cientificamente estabelecida,” que tenha proposto o
uso das provas e dos exames como recursos importantes para “estimular os
estudantes a se dedicarem aos estudos”. Mas, eu e todos os leitores deste
texto, ao longo de nossa escolaridade, ouvimos recomendações semelhantes, e,
certamente, já as utilizamos também repetindo inconscientemente aquilo que
aconteceu com cada um de nós.
Foi o uso dos resultados
da investigação avaliativa da aprendizagem exclusivamente para os atos de
aprovar/reprovar os estudantes que conduziu ao desaparecimento no cotidiano
escolar de sua compreensão como prática investigativa e base para decisões
pedagógicas construtivas nos atos de ensinar e aprender, como estava proposto
na “Ratio Studiorum” ou nas “Leges Scholae bene ordenate”, publicações já referenciadas
em textos anteriores desse blog. Historicamente sobreviveu, de modo
predominante, seu uso classificatório-probatório, possibilitando seu uso ameaçador.
A meu ver, nós,
educadores escolares, fomos constituídos para o exercício de nossa atividade profissional
--- para além de nossas formações acadêmicas --- no seio de práticas comuns cotidianas
vivenciadas por todos nós a respeito do aprovar/reprovar. E, à medida que vivenciamos
esse contexto, ele se tornou tão comum em nossas vidas de tal forma que nem
mesmo nos demos --- ou não nos damos --- conta do significado epistemológico próprio
do ato de avaliar. De modo simples e pelo senso comum, aprendemos que provas,
exames e notas escolares são da forma que são, sem um aprofundamento
conceitual, que sempre se faz necessário em nossas vidas.
Como consequência, o ato
de avaliar a aprendizagem dos estudantes, ao longo do tempo, vem sendo
praticado independente de sua característica investigativa e subsidiária de
novas decisões construtivas, assumindo, dessa forma, uma característica
exclusivamente classificatória-probatória. A prática cotidiana da avaliação da
aprendizagem em nossas escolas não tem sido a de investigar a qualidade da
efetiva aprendizagem dos estudantes em relação àquilo que fora ensinado e da
forma que fora ensinado, tendo em vista reorientações, se necessárias.
Cabe, então, nesse
contexto, assumir compreender e praticar a avaliação como investigação da
qualidade dos resultados do ato pedagógico de ensinar em nossas escolas, cujo
resultado deve subsidiar nossas decisões, seja para promover nossos estudantes
na escolaridade, seja para reensiná-los, caso essa seja a necessidade, até que
efetivamente aprendam e, por isso, se desenvolvam.
Caso se constate, através
da avaliação, que a aprendizagem não tenha sido satisfatória, importa decidir
por ensinar mais, e mais, nossos estudantes, à medida que o único resultado
positivo de nossa ação de educadores escolares é que nossos estudantes efetivamente
aprendam aquilo que ensinamos. Em outras profissões, buscar-se-ão outros
resultados; na nossa, a aprendizagem de nossos estudantes.
A investigação
avaliativa, que, no cotidiano escolar, denominamos de “avaliação”, é nossa
parceira a nos avisar que investimos e nossos estudantes aprenderam, ou que
investimos e somente parte de nossos estudantes aprenderam, ou que ensinamos e
eles ainda não aprenderam.
Se desejamos, pois, que
todos nossos estudantes aprendam e se desenvolvam como indivíduos e como
cidadãos, a investigação avaliativa é nossa parceira a nos avisar a respeito da
qualidade de suas aprendizagens, fator que nos possibilita tomar a decisão de
considerar que já atingimos a qualidade desejada em sua aprendizagem ou de considerar
que ainda não atingimos a qualidade necessária e, por isso, decidimos investir,
mais e mais, para que todos os nossos estudantes possam manifestar ter
aprendido satisfatoriamente aquilo que vieram aprender através de nossos atos pedagógicos
em sala de aula. Então, poderemos nos dar por satisfeitos com nossa capacidade
de ensinar.